Entrevista com

Daiane Silva

Nutricionista com mestrado em psiquiatria

Psiquiatria do intestino: o que suas emoções falam por você?

Entrevistamos a nutricionista Daiane Silva, cuja especialização é cuidar das suas emoções para então cuidar do seu intestino.

7 de Fevereiro de 2024



O que suas emoções falam por você? Trouxemos essa pergunta no título desse artigo porque, apesar de parecer simples, há várias respostas possíveis. Já sabemos que ela pode afetar o seu corpo como um todo, as chamadas doenças psicossomáticas que te contamos aqui, e que há até mesmo problemas dermatológicos relacionados a isso - que também te contamos por aqui.

O eixo intestino-cérebro é amplamente conhecido pelos especialistas e vem trazendo cada vez mais respostas para problemas que antes pareciam insolucionáveis. O que você talvez não saiba é que há uma área inteira dedicada a isso hoje em dia: a psiquiatria do intestino. 

Formada em nutrição, com mestrado em psiquiatria nutricional pela PUCRS, especialização em medicina funcional integrativa na americana IFM (Instituto de Medicina Funcional) e título de psiquiatria pela Fapes, Daiane Silva conversou com o Plenae para explicar as miudezas dessa relação entre o nosso aparelho digestivo e as nossas emoções. 

Mais do que isso, Daiane conta de doenças que hoje, nesse resgate às medidas simples e que agradam a todos os perfis, estão trazendo mais qualidade de vida aos pacientes. Para ela, essas questões são só a ponta de um iceberg que precisa ser olhado com mais atenção, empatia e medidas descomplicadas. Confira o papo completo abaixo!

Em linhas gerais, do que se trata psiquiatria intestinal? É uma área já reconhecida? 

Trata-se de uma abordagem da área médica que olha a saúde como um todo através das respostas do nosso órgão intestino. Então a psiquiatria nutricional é o tratamento de saúde e de algumas patologias por meio do olhar sobre a microbiota intestinal. E esse tratamento usa suplementos, alguns poucos medicamentos, a nutrição, a densidade nutricional de suplementação e o alimento a favor do paciente. 

A primeira universidade fica na Austrália e foi a Dra. Felice Jacka que trouxe esse nome “psiquiatria nutricional”. No Brasil, ela está há mais ou menos 12 anos e foi reconhecida em 2021, ou seja, praticamente ontem, um ano depois do início da pandemia. Mas na Austrália foi reconhecida há 25 anos com a primeira universidade e a Jacka foi a primeira médica a introduzir o conceito, inclusive em Harvard.

Quais caminhos te levaram a essa especialidade?

Desde sempre eu queria estudar saúde, mas não sabia exatamente o quê. Desde sempre que eu digo é com 12 anos já, porque na minha família houve muitas situações de depressão e doenças decorrentes do intestino. Éramos em 4, mais ou menos, e cada visita do médico a conta só aumentava, enquanto o estado de saúde, só piorava. E aquilo ficou na minha cabeça, eu pensava “tem alguma coisa errada, porque quanto mais medicamento, mais o intestino adoece”. 

Até que eu perdi familiares com doenças sérias do intestino e pensei “Eu quero estudar saúde, mas não quero estudar medicina em si, porque os médicos que a minha família foi não deram muito certo”. Fui pra nutrição e por lá, eu logo percebi que a faculdade tratava de doenças e de dietas muito restritivas para emagrecer. Logo no início da prática clínica eu fiquei muito frustrada, porque o paciente começava um tratamento, depois voltava a engordar, e eu vi que aquilo não era saúde - e eu queria muito estudar saúde. 

Um dia, eu estava na sexta fase de nutrição, fui em um congresso e conheci um homem chamado Lair Ribeiro. Foi ali que eu descobri a palavra intestino em sua totalidade e comecei a pesquisar muito sobre o tema. Nessas pesquisas, uma nova descoberta: um mundo chamado microbiota intestinal. Na época, parecia que eu tinha encontrado um tesouro. Eu pensava “Como que eu nunca soube disso antes? Quer dizer que a gente é enganado a vida toda e tudo é intestino?”. E aí eu comecei a minha jornada de estudo.  

Qual é o perfil do paciente que te procura?

São majoritariamente mulheres de 35 anos pra cima e que têm muita dificuldade para emagrecer. Em um primeiro contato, basta perguntar se ela está fazendo cocô que a pessoa já diz não, muitas relatam ter tido constipação a vida toda, sofrer na evacuação e viver à base de laxantes. 

Então, começamos a perguntar o que mais tem por trás disso e encontramos cansaço, depressão, ansiedade, falta de energia, dificuldade em desmamar de um medicamento. Ou seja, ela vem procurar por uma dificuldade de emagrecer ou uma constipação e percebe que o intestino é tudo, que esses problemas anteriores eram só a ponta do iceberg. 

Alguns outros médicos também vão encaminhar para um profissional que aplica o tratamento do intestino quando esse paciente não está respondendo a medicação mesmo tomando há muito tempo, quando ele está tendo estufamento abdominal, ou quando ele ele observa que esse paciente está com sobrepeso ou já na obeso mas está desnutrido, não está absorvendo os nutrientes. Tudo isso é da nossa alçada.

Você não é o que você come, você é o que você absorve. Se o teu intestino não está saudável, você não vai absorver os alimentos que você come. Você pode fazer a melhor dieta do mundo, tomar a melhor e mais cara suplementação, mas se você não tiver absorção, não vai ter resultado. 

Como se avalia a microbiota intestinal? 

A avaliação começa com algumas perguntas. O formato do cocô é uma das primeiras, porque existe a escala de Bristol que traz sete formatos possíveis e a gente investiga usando ela. Só pelo formato relatado, a gente já sabe o que o paciente está passando muitas vezes. 

Junto disso, perguntamos ainda sobre a energia, horário de sono, quantas horas dorme, quantidade de eletrônicos no ambiente de trabalho e no quarto e, por fim, histórico familiar de traumas - porque o eixo intestino-cérebro está totalmente interligado a isso. Então, por exemplo, mulheres que sofreram traumas e abusos, há um número muito gigantesco entre elas que tem disbiose, pois há tendência para isso.

Então, é através dessa não absorção, dessa dificuldade de ter um resultado, que o médico encaminha e a gente faz essa avaliação intestinal, porque ela acaba sendo uma avaliação mais integral. É o todo, porque aquilo ali é a ponta do iceberg e a microbiota reserva informações muito importantes pra gente. 

Qual é a diferença dessa abordagem para a medicina tradicional?

Na medicina funcional integrativa a gente costuma olhar o ser humano como um todo. Na medicina tradicional você é composto por partes. Então os seus ossos vão ser tratados pelo ortopedista, sua dor de cabeça pelo neurologista, a sua parte íntima pela sua ginecologista. Já na medicina funcional e integrativa não, se o seu intestino não estiver funcionando, você vai ter candidíase, enxaqueca crônica, não vai absorver nutrientes e vai ter alergias alimentares. 

Nossa primeira conduta após a anamnese é ensinar o paciente a fazer o básico, que ajudaria a tratar tudo isso, mas que às vezes a gente acaba esquecendo. O integrativo é isso, é cada vez mais os profissionais estarem voltando aos seus antepassados e fazendo práticas simples que, com essa modernidade toda, foram esquecidas, e olhando para o todo. 

Inclusive, tem um questionamento que a gente sempre faz nas reuniões clínicas que é: na era onde temos mais acesso a tecnologias e estudos científicos, por que a população está cada vez mais doente? A gente leva esse paciente a se perguntar há quanto tempo ele está nesse estado, do que ele tem esquecido, porque às vezes não é sobre o que você precisa tomar, mas sobre o que você precisa deixar de lado. 

E quais seriam essas coisas?

É uma água gratuita que você pode estar esquecendo de tomar, o quarto que era apenas para descansar e de repente está povoado com tecnologia, tem um modem, um celular, uma TV, uma Alexa - tudo aquilo está roubando a sua energia e eu quero tomar um comprimido para solucionar tudo isso, quando na verdade recuperar aquela energia poderia ser mais simples. Estamos com tantas informações que a gente acaba achando que tudo é complexo. 

Mesmo em um caso mais severo, como um paciente que possui Doença de Crohn, o primeiro passo do tratamento será relativamente simples. Haverá exclusão na qual esse paciente não poderá consumir alimentos e suplementos e nem fazer o tratamento imunobiológico por alguns dias, para que essa microbiota respire. Então, se retira, por exemplo, glúten e leite, industrializados e todos os adoçantes - esse último, não pode ser consumido de nenhum tipo. 

Fez uma exclusão de mais ou menos de 5 a 6 dias, entra com uma primeira suplementação que performa conexão de intestino e sistema endócrino, porque a gente precisa desse sistema saudável para ter absorção de nutrientes que eu vou consumir. Essa suplementação dura mais ou menos 15 dias e é básica. 

Depois, se for necessário, o paciente continua com o tratamento imunobiológico ou medicamentoso. Mas, quando ele limpa seu organismo e tira todos os resíduos tóxicos que a gente acumula por muito tempo, ele absorve inclusive um tratamento medicamentoso melhor.

Existe alguma outra dica não-medicamentosa? 

O intestino gosta de coisas simples, por exemplo, comida de verdade. Hoje a gente vive uma pandemia nutricional onde a gente não consegue fruta porque tem carboidrato, não pode comer banana, manga, porque engorda. Então comida de verdade, colorida, mas não monótona. Sentir o sabor dos alimentos é muito importante, mesmo que seja uma marmita na rua, mas que seja algo que faça sentido pra mim. Quantas vezes a gente faz dieta restritiva por algum motivo, sendo que o intestino gosta de rotatividade de comida.

Outra dica são os exercícios ao ar livre, essa conexão com a natureza mais profunda, sentir a vitamina do sol sem protetor solar ou poluentes na minha pele, porque os disruptores endócrinos adoecem o intestino também. Dormir bem e sem interferências, porque eu só produzo hormônio quando eu durmo. E quais são essas interferências hormonais? Wifi, 4G, 5G, celular na altura da cabeça carregando na cabeceira da cama. A mulher está fazendo tratamento hormonal, mas está carregando o celular na cabeceira da cama, não vai ter o resultado que poderia. 

O manejo do estresse também é fundamental. Hoje em dia eu acredito que não tem como viver numa bolha sem se estressar, mas como eu faço esse manejo? Com práticas de respiração, meditação - e só de sentar em silêncio, você já está meditando. Ter um hobby que você gosta, leitura, cozinha, jardinagem, alguma prática que faça sentido, isso já é o manejo de estresse. 

É importante não se automedicar, não se auto suplementar, quantas pessoas vão uma vez ao médico, pegam uma receita e depois nunca mais repetem o exame e seguem com o mesmo tratamento? Isso tudo são práticas não-medicamentosas que melhoram a saúde do intestino. Viu como eu estou falando de estratégias simples? São simples de serem aplicadas, quase não custam dinheiro, mas a gente esquece. 

Do que se trata o sistema intestino-endócrino que você mencionou? 

Essa é uma parte muito importante. O que seriam? Produtos que nós usamos no nosso dia a dia e que inibem ou impedem que o meu intestino absorva nutrientes e atrapalham a produção de hormônios importantes para isso. Por exemplo, uma pessoa que tem doença de Crohn, tem que cuidar dessa pessoa para que ela absorva o que ela come. Mas se ela usa muitos disruptores como sabonete vaginal, creme na pele, protetor na pele, muitos cosméticos no corpo inteiro, então isso tudo vai bloqueando a absorção porque o meu corpo não respira. 

E ainda falando de mulher, porque é o perfil do meu paciente, o que ela faz logo cedo? Acorda e já passa um desodorante cheio de alumínio, protetor solar, creme no corpo, óleo corporal, creme nos pés e nas mãos, esmalte… Isso não deixa espaço pro nosso corpo respirar. Então quando se fala em psiquiatria nutricional, nada mais é do que você ser você mesma, na sua essência, sem muita informação. Criar pausas durante a semana, pra você ficar sem maquiagem, cabelo lavado, sem protetor térmico ou creme corporal, deixar o nosso corpo ser a sua essência mesmo, isso ajuda muito a recuperar a microbiota intestinal. 

E nesse caso, há suplementação específica?

Só pra citar um exemplo muito simples do que o eixo intestino-sistema endócrino e intestino-cérebro se conectam: glutamina, ômega 3, coezima Q-10, cúcruma, são suplementos simples, de fácil acesso, não têm efeito colateral e qualquer aluno poderia tomar, mesmo quem tem diabetes, pessoas muito jovens, mulheres na menopausa, todos. 

É uma suplementação simples porque o meu intestino e o seu têm a mesma necessidade, eu provavelmente tive mais inflamação pela idade do que alguém mais jovem, mas vamos supor que aos 20 anos você teve um trauma muito grande de dor, o eixo intestino-cérebro recebe como uma bomba e nesse sistema de dor ativa uma enzima tóxica, a monoamina, que começa a inibir a absorção de nutrientes. 

Então às vezes seu corpo vai dando sinais muito simples, por exemplo, comer algo e não passar bem, e aí você se dá conta de que depois de uma dificuldade, algumas coisas foram aos poucos se tornando mais difíceis. Porque é isso, sempre quando a gente não olha, a conta vai chegar. 

Por fim, podemos falar sobre eixo intestino-cérebro?

Não existe um tratamento eficaz em depressão, ansiedade e até obesidade sem falar em emoção e em eixo intestino-cérebro. Então quando eu tenho uma dor emocional, uma mulher que não perdoa, não acessa esse trauma que ela viveu na vida, ela não consegue ter performance na sua saúde. 

Dentro do meu curso tem um módulo chamado detox emocional, onde por meio de algumas perguntas que eu faço pras minhas alunas sobre momentos da sua vida, elas voltam em situações que elas viveram. E eu conduzo elas com uma pergunta, uma conversa, a ressignificar isso. Então se você não tivesse passado por isso, como seria? Eu passei uma dor de saúde na minha família, mas isso me levou a minha profissão, a eu ajudar muito as pessoas. 

O paciente ressignifica esse trauma e dá um novo sentido pra vida, e isso vai ajudando a produzir hormônios como ocitocina, aumentando níveis de cortisol e baixar hormônios que inflamam. É muito comum você ver mulheres que não perdoam, que não conseguem se desvincular de dores do passado, e estão sempre com imunidade baixa. Quando você acessa essa emoção e consegue olhar sob outra perspectiva, isso te gera um sentimento de conquista. 

Então o emocional é um pilar muito importante. Se você me perguntasse três pontos importantes do tratamento do intestino com a psiquiatria, eu diria comer comida de verdade, coisa que estamos esquecendo porque achamos que tudo tem que ser low carb e suplementação proteica é o primeiro.

O segundo é acessar emoções que te causaram dor e dar um novo sentido a elas - e cada um vai saber o que fazer; e o terceiro seria descansar e dormir, porque hoje somos ensinados a ter que dar conta e a gente está esquecendo que o corpo precisa descansar. Só com esses pontos a vida muda bastante e o paciente já começa a dar um grande start no manejo da sua saúde.  

Compartilhar:


Entrevista com

Thaís Poças

Nutricionista clínica funcional, especialista e

A boa alimentação: quais são os perigos do reducionismo nutricional?

Nesse Dia do Nutricionista, entrevistamos uma especialista na área para falar sobre nutricionismo e outros movimentos que tratam a comida apenas como medicação

31 de Agosto de 2023



O vilão e o mocinho: essa é uma dualidade frequente no mundo da nutrição. Ora um alimento é um superalimento, ora ele é um super vilão. Nessa dinâmica maniqueísta, ficamos completamente perdidos no meio dessas discussões, sem saber o que é bom de verdade e o que não é. 

Mas, isso é parte do problema: quando começamos a encarar a comida somente com um foco restrito aos seus nutrientes, sem considerar tudo que envolve o processo alimentar? Afinal, somos a única espécie que pensamos a respeito do que vamos nos alimentar, preparamos esse alimento e nos sentamos juntos para degustá-lo. 

A cozinha é um processo que envolve afeto, como te contamos em outro Plenae Entrevista, e é preciso que enxergue o alimento como nosso aliado, e não como nosso inimigo. Nesse Dia do Nutricionista, conversamos com Thaís Poças, nutricionista clínica funcional, especialista em fitoterapia e plantas medicinais pela Universidade de São Paulo, com formação em neurosuplementação, sobre todos esses processos. Confira o papo completo a seguir! 

Você já ouviu falar em nutricionismo? Se sim, o que tem para falar sobre esse movimento?

O famoso dilema vilão versus mocinho na alimentação é a melhor representação do nutricionismo na minha visão. Quando não enxergamos o alimento como um conjunto complexo de nutrientes que se complementam, sabores, aspectos culturais e sociais, passamos a moralizá-los (vilões x mocinhos).

As maneiras sobre como nós associamos alguns alimentos e o próprio ato de se alimentar a um sentimento de culpa e vilania, nos faz perder de vista a verdadeira essência da nutrição. Sendo assim, o nutricionismo é uma abordagem simplista da nutrição, na qual os alimentos são reduzidos a números e listas de nutrientes, principalmente os macronutrientes: proteínas, carboidratos e gorduras. 

Essa abordagem reducionista tem implicações profundas e muitas vezes prejudiciais, e nos leva a enfatizar demais os nutrientes isolados, ignorando a sinergia e as interações entre os componentes dos alimentos. Perdemos de vista a riqueza de benefícios para a saúde que os alimentos integrais podem oferecer quando são consumidos em sua forma natural e em contextos tradicionais.

Quais são os riscos do nutricionismo? 

O nutricionismo abre as portas para a influência da indústria alimentícia. Muitas vezes, as empresas de alimentos processados exploram essa abordagem ao utilizar informações nutricionais de forma seletiva para comercializar produtos que podem ser pobres em nutrientes essenciais, mas ainda assim são promovidos como saudáveis. Isso cria confusão no consumidor e mina os esforços para fazer escolhas alimentares conscientes.

A influência do nutricionismo também se estende à política alimentar e às diretrizes dietéticas. Muitas vezes, essas políticas são baseadas em estudos que se concentram apenas em nutrientes isolados, sem considerar o quadro geral da dieta e o contexto cultural em que as pessoas se alimentam. Isso pode levar a recomendações dietéticas simplistas e inadequadas.

Por fim, o nutricionismo pode levar à perda da diversidade alimentar. Ao enfatizar a importância dos nutrientes isolados, ele pode promover dietas monótonas, nas quais as pessoas se concentram apenas em alguns alimentos considerados "saudáveis" em detrimento de uma ampla variedade de alimentos. Isso pode prejudicar a saúde a longo prazo, uma vez que a diversidade alimentar desempenha um papel fundamental na obtenção de todos os nutrientes necessários para uma vida saudável.

Para você, o que é a alimentação?

É uma experiência rica e multifacetada que envolve não apenas a ingestão de nutrientes, mas também a celebração da cultura, a comunhão social e a conexão com o ambiente ao nosso redor.

Portanto, é essencial que repensemos nossa abordagem à ela. Precisamos ver os alimentos como parte de um todo maior, integrando aspectos nutricionais, culturais, sociais e ambientais. Somente assim poderemos desfazer o dilema simplista do vilão versus mocinho na alimentação e abraçar uma visão mais holística e saudável da nutrição.

Como aspectos culturais impactam a nossa nutrição?

Os aspectos culturais, políticos e socioeconômicos têm uma influência profunda em nossa relação com a comida e, consequentemente, em nossa saúde nutricional. Ignorar essa interconexão é negligenciar uma parte fundamental do que molda nossas escolhas alimentares e, por extensão, nossa saúde.

Nossa cultura não apenas nos dá um senso de pertencimento, mas também determina o que comemos e como comemos. Alimentos tradicionais são frequentemente muito mais do que apenas comida: eles são uma expressão de nossa história e identidade. As tradições culturais e religiosas dão forma aos nossos hábitos alimentares, desde as celebrações festivas até às restrições alimentares durante datas especiais.

A cultura também dita nossos modos à mesa, desde o compartilhamento de pratos até a velocidade com que comemos. Respeitar e entender esses aspectos culturais é essencial para promover escolhas alimentares saudáveis sem desconsiderar a riqueza da diversidade cultural.

E os aspectos políticos e socioeconômicos, como eles nos afetam? 

As políticas governamentais desempenham um papel crucial em nossa alimentação. Regulamentações sobre rotulagem nutricional, segurança alimentar e publicidade de alimentos afetam diretamente nossa capacidade de tomar decisões informadas sobre o que comemos.

As diretrizes dietéticas, muitas vezes formuladas por órgãos governamentais, influenciam o aconselhamento nutricional que recebemos e podem impactar profundamente nossas escolhas alimentares. Além disso, políticas fiscais, como impostos sobre alimentos prejudiciais à saúde e subsídios para alimentos saudáveis, podem tornar os alimentos mais acessíveis ou inacessíveis para diferentes grupos da sociedade.

A renda e a localização geográfica também desempenham um papel enorme na disponibilidade de alimentos saudáveis. Em comunidades de baixa renda ou em áreas com poucos supermercados, a obtenção de alimentos frescos e nutritivos pode ser um desafio. A insegurança alimentar é uma realidade socioeconômica triste, que afeta a capacidade das pessoas de se alimentar de forma suficiente e  nutritiva. 

Além disso, a falta de recursos educacionais sobre nutrição e habilidades culinárias pode criar disparidades no conhecimento sobre alimentação saudável. O estresse financeiro também pode levar a escolhas menos saudáveis, pois alimentos ultraprocessados e fast food frequentemente são mais baratos e convenientes. Reconhecer e abordar esses aspectos é fundamental para promover a saúde nutricional.

Isso não se trata apenas de educar as pessoas sobre escolhas alimentares saudáveis, mas também de criar políticas públicas que garantam o acesso a alimentos saudáveis para todos, de respeitar e celebrar a diversidade cultural na alimentação e de abordar as desigualdades socioeconômicas que podem impedir o acesso a dietas nutritivas. 

O que caracteriza uma má alimentação? 

Uma má alimentação é uma ameaça real à nossa saúde e ao nosso bem-estar. É uma via direta para a falta de nutrientes essenciais que nosso corpo precisa para funcionar adequadamente e prosperar. Ela muitas vezes começa com escolhas alimentares de baixa qualidade.

Optamos por alimentos ricos em calorias vazias, mas pobres em nutrientes essenciais: fast food, alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas frequentemente lideram a lista. Esses alimentos podem satisfazer nossos desejos momentâneos, mas deixam nosso corpo faminto por nutrientes vitais.

Uma dieta inadequada também pode ser caracterizada pelo excesso de gordura saturada, açúcares adicionados e sódio. Esses compostos estão escondidos em muitos dos alimentos industrializados consumidos diariamente, aumentando o risco de doenças crônicas, como doenças cardíacas, diabetes e hipertensão.

A falta de variedade em nossa alimentação pode resultar em deficiências de nutrientes específicos. É importante lembrar que uma má alimentação não apenas afeta nosso corpo físico, mas também pode ter um impacto negativo em nossa saúde mental.

E o que caracteriza uma boa alimentação? 

Uma dieta equilibrada normalmente envolve a ingestão de uma ampla gama de alimentos de diferentes grupos alimentares, garantindo que nosso corpo receba todos os nutrientes necessários. Consumir mais calorias do que o corpo necessita regularmente leva ao ganho de peso não saudável e obesidade.

Essa condição está associada a uma série de problemas de saúde, incluindo problemas cardiovasculares e distúrbios metabólicos. Uma alimentação deficiente frequentemente carece da ingestão adequada de frutas e vegetais. Esses alimentos são ricos em vitaminas, minerais, fibras e antioxidantes, que desempenham um papel fundamental na proteção do nosso corpo contra doenças e na promoção do bem-estar.

A hidratação inadequada é outra característica comum da má alimentação, portanto, é um ponto de atenção. A água é essencial para muitas funções do nosso corpo, e a falta dela pode levar a uma série de problemas de saúde, incluindo desidratação e disfunção renal.

A falta de conhecimento sobre nutrição muitas vezes dificulta a tomada de decisões alimentares saudáveis. Educação e conscientização são ferramentas cruciais para fazer escolhas alimentares informadas. Uma dieta equilibrada, rica em alimentos nutritivos, é fundamental para manter uma boa saúde e prevenir doenças.

Quais são os perigos envolvidos no reducionismo nutricional?

É fundamental reconhecer que a nutrição vai muito além da análise de nutrientes. Enxergar o quadro completo da alimentação e valorizar os alimentos integrais e as dietas equilibradas é essencial para uma abordagem verdadeiramente saudável. Vamos trilhar esse caminho de entendimento e adotar uma perspectiva mais abrangente, baseada nos alimentos, em vez de nos prendermos apenas aos nutrientes isolados.

Essa visão é, geralmente, a mais benéfica para a nossa saúde em longo prazo. A visão simplista que o reducionismo nutricional nos oferece tem suas falhas. Ela foca apenas nos nutrientes individuais, como vitaminas, minerais, proteínas, carboidratos ou gorduras, negligenciando a complexidade dos alimentos em sua forma integral.

Alimentos não são apenas uma soma de nutrientes isolados. Eles contêm uma rede de compostos bioativos, fibras, antioxidantes e outros elementos que interagem de maneira complexa para afetar nossa saúde. O reducionismo nutricional tende a promover dietas monótonas, nos empurrando na direção de alimentos processados que são fortificados com nutrientes específicos, mas carecem de outros benefícios associados aos alimentos integrais, como fibras e fitoquímicos.

A abordagem reducionista muitas vezes nos leva a exagerar na suplementação, que nem sempre é tão eficaz quanto a obtenção desses nutrientes a partir de alimentos integrais. A indústria de alimentos muitas vezes explora esse método para promover produtos que são ricos em um único nutriente (como cereais enriquecidos com vitaminas), enquanto negligencia outros aspectos nutricionais importantes.

Ainda, ao se concentrar apenas em nutrientes, o reducionismo nutricional pode afastar as pessoas da verdadeira conexão com a comida. Isso resulta em uma abordagem mecânica em relação à alimentação, em vez de uma apreciação pela comida como parte da cultura e da experiência social.

Ele ainda pode contribuir para o desenvolvimento de distúrbios alimentares, criando comportamentos obsessivos prejudiciais, e não leva em consideração que cada um de nós possui necessidades nutricionais distintas, influenciadas por fatores como idade, sexo, nível de atividade e condições de saúde. 

Há um verdadeiro movimento que prioriza acima de tudo as proteínas. Isso pode ter se tornado exagerado?

Há diferentes movimentos dietéticos, como a dieta paleolítica e a cetogênica, que propõem abordagens extremas em relação à alimentação. Enquanto alguns exageram no consumo de carboidratos e gorduras sem valor nutricional, outros focam excessivamente em proteínas, negligenciando uma dieta equilibrada.

A dieta paleolítica promove a eliminação de grãos e sementes, com a justificativa de sermos caçadores por natureza. No entanto, essa abordagem pode levar a extremos, deixando o consumo de vegetais e frutas de lado, e priorizando produtos ultra processados com o apelo da fonte proteica.

O que observamos na maioria dos casos é o excesso de proteína em uma única refeição, quando a distribuição equilibrada ao longo do dia é mais adequada. A dieta cetogênica, originalmente usada para tratamento de doenças neurológicas, é frequentemente adotada para perda de peso.

No entanto, muitas pessoas a utilizam sem orientação adequada, distorcendo a qualidade dessa estratégia alimentar, que preconiza o consumo de vegetais (fibras), gorduras de boa qualidade, proteína controlada (não à vontade) e praticamente zero consumo de carboidrato.

É essencial destacar que o excesso de proteína em uma única refeição é comum na população de alta renda, enquanto a baixa renda enfrenta carências desse macronutriente essencial, devido a questões socioeconômicas. A recomendação de alto consumo de proteína para atletas também pode levar a exageros não fundamentados.

Algumas dietas de emagrecimento enfatizam proteínas para saciedade, mas a obsessão com esse nutriente pode prejudicar a ingestão de fibras, vitaminas e minerais. As necessidades de proteína variam de pessoa para pessoa, dependendo de vários fatores. Por isso se faz tão importante a presença de um nutricionista.

Como pensar em uma nutrição que funcione sem exageros?

Brinco com os meus pacientes e digo que somos feitos de nutrientes, não de aditivos químicos. É por isso que devemos priorizar o que a natureza nos oferece em nossas refeições. Além disso, é crucial estar consciente de que nosso corpo fala conosco, e ouvir seus sinais é de extrema importância para entender e respeitar nossos limites e necessidades individuais.

Existem alguns princípios fundamentais que ajudam a manter o equilíbrio nutricional:

  1. Comer com presença: devemos fazer das refeições momentos de presença total, sem distrações, e mastigar com atenção. Isso nos permite desfrutar da comida de forma mais completa e reconhecer os sinais de saciedade.

  2. Entender a saciedade: é importante se conectar com a sensação de saciedade e observar como as emoções afetam nossas escolhas alimentares. Muitas vezes, comemos por razões emocionais, e essa consciência pode ajudar a fazer escolhas mais saudáveis.

  3. Escutar o corpo: prestar atenção às respostas do corpo após as refeições é essencial. Problemas de digestão, alterações na evacuação, dores de cabeça, fadiga extrema e outros sintomas desconfortáveis são sinais de que nossa alimentação precisa ser ajustada para atender às nossas necessidades individuais.

  4. Hidratação adequada: a falta de água pode causar diversos sintomas desconfortáveis, portanto, é importante manter-se hidratado ao longo do dia.

  5. Evitar alimentos processados: O excesso de alimentos processados, e especialmente os ultraprocessados, deve ser evitado em nossa rotina alimentar sempre que possível. Eles geralmente são carregados de aditivos e ingredientes prejudiciais à saúde.

  6. Buscar informação confiável: buscar orientação sobre alimentação em fontes confiáveis é fundamental. Devemos entender que o que importa é o que fazemos na maioria dos dias, não as exceções conscientes.

  7. Atividade física e sono: manter um estilo de vida ativo e garantir um sono de qualidade também influenciam nossas escolhas alimentares.

  8. Escolher alimentos naturais: faça suas compras em feiras e hortifrutis sempre que possível. Priorize alimentos naturais e minimamente processados, descasque mais e desembale menos. Essa é uma escolha consciente em direção a uma alimentação mais saudável e sustentável.

Em resumo, nutrir nosso corpo com alimentos naturais, ouvir o que ele nos diz, manter um equilíbrio entre o físico e o emocional, e buscar conhecimento confiável são os pilares para uma alimentação saudável.

Há alguma diretriz oficial sobre essas boas práticas? 

Temos um guia alimentar para a população brasileira, feito pelo Ministério da Saúde, que pode ser utilizado como uma ferramenta de educação nutricional acessível a todos. A elaboração de guias alimentares insere-se no conjunto de diversas ações intersetoriais que têm como objetivo melhorar os padrões de alimentação e nutrição da população e contribuir para a promoção da saúde.

Neste sentido, a OMS propõe que os governos forneçam informações à população para facilitar a adoção de escolhas alimentares mais saudáveis em uma linguagem que seja compreendida por todas as pessoas e que leve em conta a cultura local. Isso importa muito.

Compartilhar:


Inscreva-se na nossa Newsletter!

Inscreva-se na nossa Newsletter!


Seu encontro marcado todo mês com muito bem-estar e qualidade de vida!

Grau Plenae

Para empresas
Utilizamos cookies com base em nossos interesses legítimos, para melhorar o desempenho do site, analisar como você interage com ele, personalizar o conteúdo que você recebe e medir a eficácia de nossos anúncios. Caso queira saber mais sobre os cookies que utilizamos, por favor acesse nossa Política de Privacidade.
Quero Saber Mais