Na oitava temporada do Podcast Plenae, conheceremos a história do autor de sucesso Itamar Vieira, representando o pilar Contexto
16 de Maio de 2022
Crescido na Cidade Baixa, um bairro histórico e portuário de Salvador, Itamar Vieira se tornou, antes de ser escritor, um leitor por vocação. Isso porque não houve nenhum incentivo de sua família, que não era habituada a ler, sem falar no pouco acesso que ele tinha aos livros. O que ele não podia esperar é que, futuramente, seria o seu nome na capa de uma obra - e de sucesso!
Representante do pilar Contexto na oitava temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, o geógrafo Itamar Vieira Junior alcançou sucesso instantâneo ao publicar o seu primeiro romance. Torto Arado já vendeu 240 mil exemplares, um número expressivo pro mercado editorial brasileiro, e ganhou prêmios importantes da língua portuguesa, como o Leya, o Jabuti e o Oceanos.
O livro conta a história de duas irmãs, que vivem em condição de trabalho escravo contemporâneo no sertão da Bahia. A bagagem acadêmica de Itamar, que acabou se tornando doutor em estudos étnicos e africanos, e seu trabalho em terras quilombolas como funcionário concursado do Incra, deram densidade e profundidade pras personagens que o autor imaginou aos 16 anos, quando escreveu o primeiro rascunho da obra.
“A minha professora [de literatura], era apaixonada pelo tema e falava sobre os livros com paixão, com brilho nos olhos. Por influência dela, eu li Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz. Esses autores me apresentaram o mundo rural, que eu só conhecia pelas memórias do meu pai, criado no campo até os 15 anos. Nessa época, eu escrevi 80 páginas do que seria o primeiro esboço de Torto Arado, uma história sobre duas irmãs que viviam numa propriedade rural e tinham o pai como uma figura importante. O manuscrito se perdeu numa mudança de casa, mas o enredo ficou na minha cabeça até se tornar um livro, 25 anos depois.”
Filho de pais muito simples e pouco letrados, Itamar não esperava nem mesmo se formar na escola. Mas ele não só se formou como entrou para a graduação de geografia, que lhe encantou pela possibilidade de “conhecer outros mundos”, gostinho que a própria literatura já havia deixado.
De lá para o mestrado e enfim para o concurso do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que viria a ser o seu trabalho por décadas e, novamente, fonte de inspiração para sua principal obra - que apesar de muito importante, não foi a primeira. “Como servidor do Incra, acompanhei muito de perto a vida de mulheres e homens em assentamentos de reforma agrária, e também em terras quilombolas e indígenas. Eu descobri que as histórias que meu pai contava sobre a infância dele eram reais e atuais. O campo ainda tem uma certa natureza preservada, uma paisagem social e econômica que se modificou pouco ao longo dos anos. Até hoje, estão lá o conflito entre a modernidade e a tradição, e relações sociais que remontam ao período do Brasil Colônia”, pontua.
É justamente sobre o processo dessa escrita, sobre uma infância marcada por dificuldades financeiras e uma sede de literatura e, por fim, sobre toda a sua trajetória nos cantos mais afastados do Brasil que ele trata em seu episódio. “Aos 40 anos, eu penso que minha vida não basta pra mim, ela é pouca. Eu preciso viver outras coisas, e a leitura me proporciona esse contato com o mundo, com personagens, com dilemas humanos, com tanta coisa que a minha existência nunca alcançará. A literatura é um instrumento de humanização forte, porque, quando a gente se engaja numa leitura, vive a vida desses personagens”, diz.
Mergulhe no mundo de Torto Arado e Itamar Vieira no primeiro episódio que abre essa temporada recheada de muitas histórias boas! Ele está disponível aqui, em plenae.com, ou no seu streaming de preferência. Aperte o play e inspire-se!
O Plenae Apresenta a história de Daniel Munduruku, que encontrou na força das palavras uma forma de manter sua cultura viva
19 de Agosto de 2024
Contar
histórias é uma das práticas mais antigas da nossa espécie e que já nos
garantiu até mesmo a sobrevivência. No caso dos povos originários ou de
minorias oprimidas, compartilhar narrativas é uma forma de manter a sua cultura
viva e atravessando gerações, diante de todas as tentativas diárias de apagamento
cultural que sofrem.
Daniel
Munduruku, representante do pilar Contexto na décima sexta temporada do Podcast
Plenae, é parte fundamental dessa dinâmica. Ele elevou a outras potências a velha
roda de histórias ao redor de uma fogueira e publicou livros, ministrou
palestras e segue rodando o mundo garantindo que seus ideais e pensamentos
estejam vivos e caminhantes por aí.
Mas, como você que nos lê pode imaginar, nem sempre foi fácil
– e ainda não é. “Eu sofri muito preconceito na escola por causa da minha
origem. Mas eu acho que, de certa maneira, ser escritor me libertou um pouco
dessas memórias ruins. Eu consigo escrever sobre a minha infância e
adolescência sem nenhum ranço daquele período”, relembra.
Originário de um povo cujo significado é “formiga vermelha”,
a mais temida das formigas, ele relata em seu episódio que os Mundurukus eram
os mais temidos na região Amazônica, e hoje estão espalhados em três estados:
Amazonas, Mato Grosso e Pará.
Dentre os ensinamentos que aprendeu em sua aldeia, ainda na
infância, o silêncio é o mais valioso. “Não tinha energia elétrica, e aprender
a ficar em silêncio era parte da nossa educação. O silêncio era necessário pra
gente não despertar a fúria dos outros seres da natureza, sejam eles animais,
sejam eles espirituais”, conta.
Além do silêncio, ter os sentidos apurados também foi uma
lição ensinada e não pela figura de um professor, já que em sua cultura não há
um único detentor do saber, mas sim os saberes coletivos. Sobreviver, para as
crianças, era quase uma atividade lúdica e sem o peso que lhe cabe,
entendimento que só chegou muito tempo depois.
A obrigação imposta pelo Regime Militar no Brasil de que os
indígenas em idade escolar se integrassem aos trechos urbanos e estudassem ao
lado de crianças brancas foi um divisor de águas na vida de Daniel, que
relembra da época como um período de angústia e confusão.
“Aos 15 anos, eu já tinha completado o Ensino Fundamental II
e recebido um diploma de gráfico off-set. Pros militares, era hora de começar a
trabalhar. Pros indígenas, eu já era considerado adulto. Se eu voltasse pra
aldeia, seria a hora de me casar e ter filhos. Mas eu não queria nem uma coisa
nem outra. Eu tinha o desejo de ajudar e fazer com que a sociedade brasileira
entendesse melhor a realidade dos povos indígenas. E pra isso eu precisava
estudar mais”, diz.
Para conseguir subverter ambas as lógicas, Daniel fingiu ser
interessado em seguir a vida religiosa. “Os padres disseram que eu era muito
jovem pra tomar essa decisão, mas me permitiram continuar estudando. Aos 18
anos, eu entrei no Seminário Diocesano de Belém. Terminei o Ensino Médio,
estudei filosofia e saí da ordem, porque o que eu queria mesmo era ser
professor”.
Foi quando ele se mudou para São Paulo, no início dos anos 90,
começou a dar aulas no Ensino Médio e se deparou com a possibilidade de fazer
um mestrado em antropologia na USP - o começo do resgate de suas minhas origens,
vale dizer, já que seu objeto de pesquisa era, justamente, o povo Munduruku.
“Eu cheguei na aldeia com uma consciência crítica muito elaborada sobre a
realidade dos indígenas. Os Mundurukus estavam sendo muito assediados por
garimpeiros e eu me vi num conflito: estudar ou me envolver mais diretamente na
luta pela sobrevivência do meu povo. Eu acabei perdendo o prazo para defender a
dissertação e fui jubilado. Eu não tinha cabeça para fazer pesquisa naquele
momento”, desabafa.
Apesar de terem chegado a uma solução pacífica nesse conflito
em questão, a chama tinha sido acesa de vez dentro do militante e professor.
Foi no poder da contação de histórias e inspirado por um aluno de 9 anos de
idade que Daniel concluiu que escrever livros e passar adiante suas ideias
seriam sua principal e mais potente arma.
Para saber mais sobre a encantadora história de força e
resistência dos Mundurukus e de Daniel especificamente, você terá que ouvir
todo o episódio, disponível aqui e no também no Spotify. E acredite: é uma
viagem sem volta. Aperte o play e inspire-se!
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