Parada obrigatória
Passar uma vida inteira em busca de uma missão pode ser tão sufocante quanto não ter uma
20 de Janeiro de 2021
Missão: em seu sentido figurativo, significa “a principal razão de ser; fim, propósito” - segundo o dicionário Michaelis . O fato é que não há indivíduo que não tenha se perguntado ao menos uma vez: para que eu existo? Por que estamos aqui? Qual é a minha função nessa passagem pelo planeta Terra?
Essas questões tão guturais e profundas são inerentes à nossa existência humana. Afinal, justamente o que nos difere dos demais animais da natureza é também a grande causadora desse “desconforto existencial”: a racionalidade. Só existimos a partir do que podemos ver, enxergar e racionalizar - e demais questões metafísicas as quais não compreendemos em sua totalidade, nos assustam na mesma medida que nos atrai.
Esse “desconforto existencial” mencionado é tão intenso e comum que constantemente se torna tema dos mais diferentes filmes. Mas ninguém parece esmiuçá-lo com tamanha maestria do que os estúdios de animação da Pixar. Afinal, Soul (2020), seu mais novo lançamento e objeto de estudo deste artigo, não é o primeiro longa da empresa a tratar das várias camadas do sentimentalismo humano.
Voltar para casa parece uma frase simples, mas pode esconder uma série de significados. Em Soul, essa máxima é tratada da maneira mais subjetiva e delicada que pode existir: voltar para casa pode ser, muitas vezes, voltar para dentro de nós mesmos.
Por trás de um enredo simples e divertido, o filme é conduzido pelo encontro quase que mágico do músico frustrado Joe que, ao se acidentar justamente “no dia mais importante de sua vida”, vai parar em um plano espiritual fora da Terra, destino das almas que já partiram ou estão para nascer, e conhece a turbulenta alma Número 22.
Rebelde aos olhos dos outros, o grande dilema da Número 22 é nunca conseguir encontrar a sua missão de vida para então se tornar apta a mergulhar - no sentido literal da palavra, pois é um salto de fé e velocidade com o Planeta Terra sendo o destino final - e se tornar uma pessoa. Para ela, não há empolgação ou sequer um sentido na existência humana que faça valer a pena.
Em contrapartida, Joe busca desesperadamente voltar para a sua vida, ainda que ela pareça tão comum e vazia, e precisa da ajuda da 22, portanto, passa ao longo da trama tentando convencê-la de que vale a pena viver. O que ele não poderia imaginar é que justamente os papéis inverteriam, e quem iria ensiná-lo seria ela.
O resto é história. E que história! Com a ajuda da já conhecida excelência em animação dos estúdios Pixar, a trama traz seu primeiro protagonista negro em um contexto não necessariamente racial, mas sim, de questões humanas vivenciadas por qualquer ser humano.
Ela também traz conceitos espíritas, budistas e até hippies, tudo com um toque de humor e doçura. Por fim, a alusão feita entre o Jazz e a vida é a cereja do bolo. Isso porque o ritmo musical é conhecido por ser feito na hora, no improviso, e para tal, precisa que o músico e os ouvintes estejam de corpo, coração e alma presentes. E o que é isso senão a vida, todos os dias?
Após uma linda jornada de 101 minutos, o legado que o filme nos deixa é entender que, ao passar uma vida inteira em busca de uma missão, pode ser tão sufocante quanto não ter uma. Quando estamos tão focados em um único propósito, perdemos as miudezas da vida, que acontecem a todo tempo, ao nosso redor.
Se libertar dessa pressão de forma espontânea e também se encontrar e se permitir enxergar a beleza dos dias como eles são. Em uma sociedade capitalista e imediatista, nos vemos desde a mais tenra infância soterrados em missões e finalidades, onde tudo precisa de um porquê.
Aqui no Plenae, falamos constantemente da importância que o propósito de vida tem. Mas vale ressaltar que não somos feitos de um só propósito ou uma só missão, como bem nos lembrou Luciana Pianaro em seu Plenae Drops . Somos feitos de pequenos anseios, vontades, metas, que podem mudar o tempo todo, pois estamos em constante mudança.
A vida, quando recebe esse peso de ter um único objetivo, acaba-se por se perder em seus pedacinhos. Ao sujeito que ainda não encontrou essa resposta mágica para sua própria existência, relega-se ao “fracassado”, ou com a sensação de não pertencimento, um defeito de fábrica.
Não há valor maior do que simplesmente viver em todas as suas possibilidades e impermanências, repleta de paixões que podem ser vividas em sua plenitude, mas não devem se tornar o seu único norte. Tornar-se sua própria casa e refúgio é, de fato, o maior desafio humano.
Vítima de uma Síndrome de Burnout, a jornalista divide como foi ver de perto seu corpo sucumbindo ao cansaço da mente, e até onde a carreira pode ser um vício
28 de Dezembro de 2020
O episódio de Corpo da terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir, é narrado por ela, que viu como a mente e o corpo podem ser um só de perto: a jornalista Izabella Camargo.
Depois de quase 3 décadas de carreira na comunicação, Izabella viu seu físico sendo acometido cada vez mais por diferentes doenças, até que descobriu o nome do que tinha: a Síndrome de Burnout.
“Eu aprendi que burnout é um nome novo para um problema antigo. Existe registro de 1869, com o nome de neurastenia. Naquela época, não existia nem luz elétrica, mas já havia pessoas estressadas e angustiadas pelo excesso de trabalho na modernidade”, conta ela.
Apesar de não ser nova, a Síndrome de Burnout vem sendo cada vez mais constante em um mercado de trabalho imediatista e hostil que não pode parar. Mas, apesar de acometer milhares de brasileiros, ela ainda é rodeada de preconceitos.
“A síndrome é cercada de julgamento e preconceito, porque por muitos séculos medidas higienistas tacharam como loucas pessoas com qualquer desequilíbrio mental, de lapso de memória a esquizofrenia”.
Depois de alguns anos trabalhando em jornais da madrugada, Izabella chegou ao seu limite e passou a ter apagões. Seu pior mal não foi só o excesso de trabalho, mas a privação de sono que a vaga lhe impunha.
“Eu colocava o trabalho na agenda antes de mim mesma. Só que pra acumular mais e mais tarefas, eu tinha que abrir mão de alguma coisa. E essa coisa era eu e as minhas horas de sono. Eu passei a dormir muito pouco. E a privação de sono fez a mente e, por consequência o meu corpo, saírem do eixo.
Antes de chegar ao diagnóstico final, ela visitou diferentes médicos. “Os alimentos levaram a culpa, e eu cortei lactose e café, como se a comida fosse a minha inimiga. As pessoas acham que, se alguém tem uma doença, é porque não buscou ajuda. Só que nem sempre procurar ajuda resolve a origem do problema”
“Quando eu dizia pros outros o que estava acontecendo, parecia reclamação. Mas na verdade eu estava pedindo socorro. Quem rege o corpo é a mente. O meu cérebro já tinha dado todos os sinais de que algo não ia bem”.
Após um afastamento de dois meses, Izabella retornou ao seu emprego com a ânsia traiçoeira que mora em todos os que sofrem de Síndrome de Burnout, e foi demitida. Essa ânsia opera como um vício, mas o objeto viciante nesse caso é a própria carreira. Mesmo após ver tão de perto, ela ainda tomou outros tombos pelo mesmo motivo, e hoje entende que seu gatilho é o excesso de trabalho.
Hoje, Izabella vive escrevendo para ajudar os outros a não chegarem ao limite como ela chegou. “O burnout é um desequilíbrio invisível, diferente de um pé quebrado. Além de cuidar da minha saúde, eu tinha que lidar com o julgamento alheio”.
Para ela, o suporte emocional e a compreensão de quem está perto é de extrema importância. “Na minha opinião, a melhor maneira de oferecer ajuda é dizendo: ‘Quando você estiver confortável, eu estou aqui para te ouvir’, ou: ‘Como eu posso te ajudar’”.
Conheça mais sobre esse forte e inspirador relato na terceira temporada do Podcast Plenae - Histórias Para Refletir.
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