Entrevista com

Daise Rosas Natividade

Professora, doutoranda e presidente da REAFRO

“Coisa de mulher”: uma conversa sobre o cenário do empreendedorismo feminino no Brasil

Conversamos com Daise Rosas Natividade, professora, doutoranda e envolvida com o cenário do empreendedorismo no Brasil há anos.

5 de Março de 2024



Há alguns anos, publicamos por aqui uma matéria sobre empreendedorismo feminino, inspirados pelo episódio de Zica Assis na primeira temporada do Podcast Plenae. Ela, que assim como muitas mulheres no Brasil, mudou sua vida por meio da prática. 

Mas ela também é o retrato desse movimento que nasce sob circunstâncias muito diferentes das dos homens: a imensa maioria das mulheres empreendem por necessidade e suas motivações são sobretudo o sustento, desatreladas dessa ideia primária do propósito. 

Segundo a última pesquisa do Sebrae, feita com base em dados do IBGE, mostra que, no terceiro trimestre do ano passado, havia 10,3 milhões de mulheres donas de negócios no país, mais de 34% dos empreendedores, como conta a matéria no G1. Pensando nisso, resolvemos conversar com quem está intimamente ligada ao movimento. 

Diretora nacional na Rede Brasil Afroempreendedor (REAFRO) e presidente Estadual no Rio de Janeiro da mesma instituição, Daise Rosas Natividade é muitas em uma só - característica comum em mulheres empreendedoras. Professora, psicóloga, empresária, doutoranda, dentre outros tantos papéis, ela conversou com o Plenae para falar afinal, o que é “coisa de mulher” quando o assunto são negócios. Confira a conversa completa abaixo!

Conte um pouco sobre a sua trajetória profissional

Caí logo no terceiro setor e por uma questão social. Estava sentada num consultório odontológico e vi uma matéria sobre uma instituição chamada São Martinho - que depois eu vim saber que é o santo do dia do meu nascimento, 11 de novembro. Fui trabalhar nesse lugar porque haviam meninos e meninas de rua, negros em sua maioria, o que chamou minha atenção. 

Eu ainda nem estudava psicologia, atuei lá como voluntária por longos anos até eu me formar, durante os 5 anos de formação. Dali, eu fui parar na docência, sempre fazendo essa conexão com a atividade profissional. Acho que há uns 30 anos da minha vida fui professora universitária, a maior parte do meu tempo dando aulas de administração. 

Qual a sua relação com a psicologia em si?

A psicologia sempre foi muito elitista, né? Então, para uma mulher negra como eu, retinta e psicóloga, eu não me sentia tão aceita, a não ser nos âmbitos mais sociais. Aí eu comecei a ficar meio contrária à psicologia, pensava não ser pra mim essa área, porque eu sou muito do social e a psicologia em si não falava da questão de gênero e raça na época. De uma década para cá é que isso vem sendo ponto de pauta, senti a diferença e voltei a clinicar.  

Mas eu sempre atuei com a psicologia como presença na minha vida, seja clinicando, nas áreas sociais ou na própria docência. Atualmente eu faço parte da Associação Nacional dos Pesquisadores Negros e Psicólogos, que é a ANPSINEP. Sou também doutoranda da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, estudando psicologia social, abordando as questões da interseccionalidade das políticas públicas com a autoestima e pertencimento de mulheres que desenvolvem negócios. 

Estou sendo orientada por um professor negro, que para mim é um é um grande estímulo, e dentro dessa perspectiva da psicologia social, trabalhando gênero e raça. Mas com essa pegada de como é que as políticas públicas podem fortalecer esse lugar. Isso faz muito mais sentido pra mim e fui me encontrando nesses caminhos. 

Atualmente, quais têm sido as suas conquistas?

Recentemente eu fui participar do fórum nacional de empreendedorismo, micro e pequenas empresas, e até então, nenhuma mulher negra havia ocupado esse espaço anteriormente nos últimos 21 anos anteriores. Eu chego no ano de 2023 sendo a primeira mulher negra a ocupar esse lugar que fala de empreendedorismo, sendo que 52% da população empreendedora é negra. E aí, como não ter pessoas negras pensando a política pública para si mesmo? Não é só tendo protagonismo não negro nesse lugar. 

Eu fui representando a Rede Brasil Afroempreendedor, que é uma instituição que eu presido aqui no Rio de Janeiro e faço parte da diretoria nacional. Ela atende 22 estados do país, vários públicos diferentes do Acre ao Rio Grande do Sul. Hoje em dia, inclusive, temos um programa chamado afro-indígena uberim, onde nós estamos com um grupo de um pouco mais de 300 mulheres negras e indígenas participantes de 18 estados do Brasil onde estão inseridas. 

Esses programas são financiados por uma instituição e por uma outra e nós entramos dando orientações de gestão de negócios, de orientação de negócio para esse grupo. Também atuo diretamente com uma empresa de tingimento natural na floresta, pensando toda a questão da moda aliada com a sustentabilidade. 

Na REAFRO, estamos nesse programa de capacitação, qualificação e orientação de gestão de negócios com esse grupo de 300 mulheres. Dentro do Governo do Estado, eu faço parte do Conselho, fui convidada recentemente para fazer parte do conselho da Secretaria Estadual de Política das Mulheres. No município, eu faço parte do Conselho de Inclusão Produtiva. 

No Governo Federal, faço parte do fórum de empreendedorismo das micro e pequenas empresas. E em todos esses lugares eu tenho pensado muito sobre a política pública para esse grupo feminino, mas em particular para as mulheres negras e as mulheres indígenas. 

E quais têm sido os avanços nessa área?

Nós temos trabalhado com uma proposta de microempreendedor familiar. E por quê familiar? Porque a população negra e a população indígena vêm de uma matriz com marco civilizatório coletivo. Nós não fazemos a coisa no individual, fazemos as coisas pelo coletivo. É claro que há ainda muito dos nossos que estão nesse processo de descolonização e que absorveram esse lugar do individual. 

Mas, todas as nossas matrizes - e principalmente se a gente olha para esse lugar do empreendedorismo, seja ele feminino, ou seja ele masculino em particular da população negra - tem esse lugar da família. Então por isso é familiar, trata-se desse grande ambiente coletivo. Não estamos sozinhos, estamos um com o outro.

Recentemente, a convite do Ministério de Desenvolvimento Social, fomos convidados a pensar no empreendedorismo que vai se implantar implementar no Brasil, com pessoas do Cadúnico nessa implementação. Em uma conversa com caciques, foi mencionado: “nós aqui não precisamos disso que você está me trazendo. Nós precisamos que as coisas sejam coletivas, porque aqui somos todos uma coletividade”. E é preciso ter isso em vista quando falamos de políticas públicas para essa população.

Mais especificamente sobre o empreendedorismo feminino, qual é o cenário no Brasil? 

O empreendedorismo feminino no Brasil hoje ainda é muito no âmbito da necessidade, né? E isso aumentou no pós-pandemia, porque o processo pandêmico vulnerabilizou muitas de nós e nessa vulnerabilização não nos devolveu para o mercado de trabalho no mesmo padrão. 

Mesmo quando essa mulher retorna, é já com alguns recursos financeiros a menos no bolso e tendo que se sujeitar a lugares diferentes. Isso impacta diretamente a vida dessa mulher que, majoritariamente, também são as chefes de família. Diante desse cenário, com menos recursos e muitas vezes menos conhecimento necessário para a empreitada, a mulher se lança no empreendedorismo para cobrir esse buraco, tanto as negras quanto as não-negras. 

Uma das principais dores de todas elas já começa na gestão financeira. A questão da autoestima, da segurança, do acesso ao conhecimento, gestão do tempo entre as múltiplas tarefas do dia e até ao acesso de financiamentos possíveis, tudo isso são gargalos do empreendedorismo feminino - que vale dizer, se concentra majoritariamente nas áreas de estética, moda, gastronomia, turismo e tecnologia, essa última área vem ganhando espaço. Tudo isso é “coisa de mulher”.

As instituições que fazem as avaliações trazem dados que apontam a 45% de mulheres nesse universo tão amplo. A interseccionalidade dos ministérios precisam fazer algumas ações que possam favorecer o empreendedorismo feminino para a permanência dela hoje, tendo em vista as demandas da população negra.

Qual é um gargalo importante para você quando se trata de empreendedorismo em geral?

O Brasil está numa posição que é segunda ou terceira de pessoas mais empreendedoras. Mas, nesse universo, ainda temos demandas de crescimento. As nossas políticas públicas, estão no processo de fortalecimento. Agora temos um Ministério do Empreendedorismo, que vai olhar para as micro e pequenas empresas, e eu creio que isso vai fortalecer esse ambiente.

Mas, uma coisa que eu acho que é muito importante a gente pensar, sobretudo no caso das mulheres, é nesse quesito de precarização. Porque, ao empreender, a pessoa entra no lugar do trabalho e renda, mas ele tira de alguma forma os direitos trabalhistas também. Esse empreendedor não vai ter o 13º, férias, fundo de garantia, aposentadoria, entre outros direitos. Quando se é MEI, há ainda alguns direitos garantidos, mas a gente tem um alto índice de pessoas que não estão pagando os seus meios e isso vulnerabiliza os nossos

Como isso tudo atinge a população negra? 

Dentro desse cenário, a gente tem um percentual de 52% de pessoas negras empreendendo no todo. Mais de 60% das mulheres negras empreendem por necessidade e muitas são mães solo, que vão ter que dar conta de cuidar de tudo. A questão do crédito e microcrédito é algo muito importante para todas as mulheres, mas esse acesso ao recurso financeiro com juros muito mais baixos e para pagamento mais longe é ainda mais difícil para as mulheres negras. 

Falta ainda a qualificação da orientação para que ela possa saber empreender da melhor forma possível, oferta de um ambiente onde ela possa apresentar ali o seu negócio dentro da sociedade e ampliar as suas redes de negócios. O próprio poder público poderia fazer um levantamento de quais são esses negócios e trabalhar e utilizar esses negócios internamente para a própria política pública.

Ainda falta um ajuste fiscal, já que as mulheres negras vão de alguma maneira ter um poder aquisitivo menor em alguns casos, mas elas vão ter que arcar com as mesmas despesas e tributações. E por fim, tem a questão da idade. As mulheres negras geralmente estão até a idade de 65 anos empreendendo, em alguns casos até iniciando os seus negócios, porque não conseguem sobreviver com os recursos que dispõem, em uma idade onde outros públicos já estão mirando a aposentadoria.

O que há de mais positivo no movimento de mulheres que empreendem?

As mulheres se apoiam, né? Uma apoia a outra nos seus negócios, então quando uma não pode, a outra abre espaço. A gente vê a importância que elas dão às suas relações. Sempre que uma tem uma oportunidade, ela chama a outra para fazer parte desse lugar e às vezes, ela até cede o lugar para essa outra, porque percebe que essa outra tem uma necessidade maior, né? Essa relação de pertencimento também é algo muito forte nesse processo. 

Ainda, nosso índice educacional também é maior hoje do que o dos homens, nós estudamos mais, apesar de termos menos acesso e ganharmos 39% a menos. Somos muito criativas e muito proativas, então apostar em um negócio feminino é sempre muito positivo, o universo “coisa de mulher” é muito rico. 

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#PlenaeApresenta Gustavo Ziller e os horizontes ampliados

O quarto episódio da décima sétima temporada é sobre enxergar o topo do mundo, mas não só sobre o Monte Everest.

28 de Outubro de 2024



Até onde o seu olhar alcança? O empresário Gustavo Ziller teve que subir no pico do monte mais alto do mundo, o Monte Everest, para entender que não é preciso uma atitude tão drástica para ampliar os seus horizontes. Representando o pilar Mente, ele nos conta que, assim como muitos em sua área, ele assistiu o seu corpo padecer por conta da exaustão da mente. 

Em uma das passagens mais marcantes de seu relato, Ziller lembra de quando desmaiou ainda no trânsito e acordou no hospital, sem entender o que tinha acontecido. Mas é claro que ninguém atinge esse ponto de um dia para o outro, e é essa história mais profunda que iremos conhecer ao longo do episódio. 

“Fazia três anos e pouco que eu tinha mudado de Belo Horizonte pra São Paulo. Eu era sócio de uma empresa de produção de conteúdo com clientes gigantes. Eu tinha uma rotina repetitiva, e a minha função era basicamente resolver pepino. Eu tenho muita facilidade pra desenrolar coisas encalacradas. E quando você vira um polo de solução de problemas pras pessoas, elas te demandam pra tudo.  

Eu lembro direitinho que eu dormia cansado, sentindo muito desânimo, e acordava exausto. Não tinha nenhum hobbie. Não fazia exercício. Não tinha tempo de qualidade com os meus três filhos. Por outro lado, eu ganhava muito dinheiro e proporcionava um padrão de vida alto pra minha família. Então, de alguma maneira, eu achava que tava valendo o sacrifício. Nessa cilada eu não caio mais”, relembra.

Seduzido pela falácia da meritocracia, Ziller acreditava que se desse duro, a recompensa viria, mas não era capaz de enxergar tudo que colocava em jogo a cada vez que ele saía para longas e intensas jornadas de trabalho - e tudo que ele perderia no futuro. A Síndrome de Burnout era questão de tempo e não tardou a vir.

“Eu desmaiei um dia no meio do trânsito, em 2012. Eu não lembro direito o que aconteceu, mas sei o que me contaram. Eu tava num evento chamado Social Media Week, falando sobre o futuro das redes sociais, em São Paulo. Aí eu saí desse evento, que foi no Morumbi, peguei meu carro, atravessei a ponte Cidade Jardim e em cima da ponte comecei a dirigir meio em ziguezague. Quando eu fui entrar numa ruazinha à direita pra pegar a Avenida Faria Lima, eu apaguei”, relembra. 

Foi o taxista que dirigia atrás dele que o levou para o hospital, onde ele acordou em um quarto com sua mulher, vários médicos ao redor e muitas dúvidas pairando pelo ar. Foi nesse momento que ficou evidente o tamanho descontrole físico que o seu mental havia lhe causado e agora ele colhia inúmeros diagnósticos. 

“Descobri que meus exames estavam alterados. Aos 36 anos, eu tinha colesterol alto, triglicérides alto, pressão alta e pré-diabetes. Tava pesando 112 quilos. Não foi exatamente uma surpresa, porque eu sabia que o meu estilo de vida não era legal. Mas, de qualquer maneira, aquele apagão foi um choque, porque você nunca acha que vai acontecer com você. Até que acontece”, conta. 

Em um primeiro momento, a recomendação foi a clássica nesses casos: era preciso que ele se afastasse por muitos dias do seu trabalho. Mas a mudança precisa ser mais profunda do que essa, nós sabemos. E Gustavo, que ainda não sabia, estava prestes a descobrir. Foi tendo tempo de qualidade com a sua família e conversando com amigos que ele entendeu que os desafios precisavam ir além do escritório, e foi quando a natureza surgiu em seu horizonte. 

A primeira parada foi o Nepal, indicação de um amigo. Apesar de ter feito escalada em sua temporada no exército, havia anos que ele estava sem condicionamento físico para essa façanha. “Eu treinei firme por alguns meses, e essa disciplina foi me ajudando a restabelecer o bem-estar e a organizar as ideias. No dia 9 de abril do ano seguinte, eu embarquei pro Nepal. Fiz sozinho um trekking até o campo base de uma montanha chamada Annapurna. Foram 35 dias de muita reflexão sobre a minha saúde, o meu trabalho, o meu relacionamento e a paternidade. Eu tinha pensamentos que flutuavam na minha cabeça como se fossem uma constelação de planetas que precisava ser realinhada”, conta.

E foi. Os astros se alinharam internamente quando Ziller entendeu que dinheiro era importante, mas não podia mais ser o protagonista de sua vida, porque foi essa ideia que o desconectou de forma tão brusca de sua essência. Gustavo e sua família voltaram a morar em Belo Horizonte e diminuíram drasticamente o padrão de vida, mas lentamente ele foi entendendo um pouco mais sobre si. 

Escreveu um livro, sucesso absoluto de vendas, sobre escalada. Do processo de escrita, veio a ideia de um programa de TV, que também se tornou um sucesso. Até que a escalada deixou de ser apenas um tema secundário e tomou conta de sua vida, bem como o esporte em geral se tornou fundamental. O destino final não poderia ser diferente: o gigantesco Monte Everest iria surgir em seu horizonte e a sua vida nunca mais seria a mesma. 

Para conferir o resto dessa história, ouça o episódio completo, disponível no Spotify ou aqui em nosso site. Tome um fôlego, areje as ideias e quebre paradigmas. Deixe o novo entrar e reconecte-se. Aperte o play e inspire-se!

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