Para Inspirar

Renata Rocha em “Conheci a meditação pela dor, mas fiquei por amor”

A oitava temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história da coach de vida e propósito Renata Rocha. Aperte o play e inspire-se!

19 de Junho de 2022


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


Renata Rocha - Muitas pessoas dizem assim: “Meditação não é pra mim, porque eu penso demais, eu sou muito ansiosa”. Pois eu garanto que a meditação é EXATAMENTE pra quem fala isso. A agitação mental é nociva para o ser humano. A pessoa fica presa em distrações, se preocupando com o futuro ou remoendo o passado.

É por causa disso que, hoje, os nossos grandes males são a ansiedade e a depressão. Meditar é um remédio poderoso para curar essas e outras doenças. É uma ferramenta gratuita, que está disponível para pessoas de todas as idades, de todas as classes sociais, de qualquer lugar do mundo. A meditação é universal.

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Geyze Diniz:
Já imaginou ficar 10 dias em silêncio? Meditando por 9 horas? Renata Rocha, coach de vida e propósito, passou por esta experiência e ressignificou seu olhar para o mundo e para si mesma. Conheça a história de transformação pessoal e profissional da fundadora do Positiv App, a partir da sua espiritualidade. Ouça no final do episódio as reflexões do rabino, escritor e dramaturgo Nilton Bonder para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Renata Rocha:
Quando eu tinha 22 anos, eu fui diagnosticada com fibromialgia, uma doença autoimune que causa dores intensas no corpo todo. Os sintomas começaram no mesmo dia em que terminei um namoro com uma pessoa de quem eu gostava muito, mas com quem era impossível eu me relacionar em paz. Era uma dor que eu nunca tinha sentido na vida, num lugar que se chama fáscia, entre o osso e o músculo. Parecia uma inflamação generalizada no corpo inteirinho, que me paralisava e impedia de trabalhar.

Eu passei 2 anos tendo crises, procurando médicos e tomando remédios. Mas o tratamento era só paliativo e não resolvia direito. Quando eu não via mais saída para essa dor, pra esse sofrimento, eu comecei a tomar antidepressivo. Eu não tinha depressão, mas o remédio aumenta a quantidade de serotonina no corpo e funciona como um analgésico.

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Um dia, o meu chefe na época me convidou pra ir a um evento com música, mantras e meditação. Foi no estúdio de yoga da minha amada professora Márcia De Luca, em São Paulo. Era um programa bem inusitado pra mim, não tinha nada a ver com o meu universo na época, mas eu fui de coração aberto.
Quando eu fechei os olhos e fui conduzida na meditação, eu senti como se eu tivesse vivendo um reencontro com um lugar familiar, aconchegante dentro de mim.

Eu pensei: “UAU! Isso aqui é incrível! Como eu não conhecia isso antes?”. E
u me senti tão bem, que eu me matriculei na hora na escola e comecei a praticar meditação e yoga. Duas semanas depois… as dores da fibromialgia sumiram. Quanto mais eu meditava, menos desconforto eu sentia. Depois de algum tempo, eu não precisei mais tomar medicamento nenhum.

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Quando a gente sente uma dor, seja ela física, emocional ou mental, parece que só ela existe e que a gente não tem nenhum controle sobre aquela situação. Mas, com a meditação, eu consegui enxergar o meu próprio sofrimento à distância. Eu me vi maior que a dor e, aos poucos, eu fui me auto regulando e me curando.

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Isso já é bastante coisa, mas foi só o começo do que a meditação fez por mim.

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Meditar abriu um portal de espiritualidade na minha vida.
A conexão que eu passei a sentir com algo maior do que eu foi tão forte, que eu deixei o meu trabalho. Na época, eu era headhunter de presidentes de empresas e eu senti que aquele não era mais o meu lugar.

Eu precisava ir pro Oriente, para o Oriente que estava dentro de mim, mais pautado pelo ser, pela cultura de bem viver e de autocuidado. Eu saí da sociedade do escritório e abri mão do sucesso ou pelo menos do que eu conhecia de sucesso. E aí eu embarquei para um sabático de 1 ano e meio pela Ásia, sozinha.

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A minha viagem começou na Índia, especificamente em Rishikesh, que é a meca da meditação e do yoga no mundo. Foi pra lá que os Beatles viajaram, nos anos 60, e revelaram a meditação transcendental pro Ocidente. De Rishikesh, eu fui pra Dharamsala, também na Índia, o exílio do Dalai Lama desde que ele precisou fugir do Tibete.

Nessa cidade espetacular, rodeada pelas montanhas dos Himalaias, eu participei do meu primeiro retiro de vipassana. Na tradição budista, vipassana em pali, que é a língua de Buda, significa insight, algo que acontece quando a gente entra num estado de concentração profunda. No retiro, a gente passava 9 horas meditando por dia, durante 10 dias. Não era permitido conversar com ninguém, nem sequer olhar no olho de ninguém. Não podia ler, escrever, ouvir música, praticar algum exercício. Todos os dias, todo mundo acordava às 4 da manhã e sentava na posição de lótus às 4h30. Era um lugar de muito silêncio, exceto pelo barulhos dos corvos.

Mulheres e homens ficavam separados em alojamentos e no salão de meditação. Eu era uma das poucas estrangeiras, no meio de muitas indianas, e nos três primeiros dias, a gente recebeu a seguinte instrução: “Preste atenção no ar que entra e sai das suas narinas”. Só isso, 9 horas por dia. Eu achei que eu fosse enlouquecer, e comecei a pensar: “Esse pessoal não sabe de nada. Eu aprendi técnicas muito mais evoluídas do que essa que eles estão ensinando aqui”.

Eu quis ir embora, mas a professora do curso, que já estava acostumada com gente querendo fugir do retiro, veio conversar comigo. E muito gentilmente, ela me explicou que eu ia melhorar, que eu ia ficar mais tranquila e aproveitar aqueles dias de meditação e as práticas. Eu resolvi dar uma chance, porque eu entendi que a revolta era do meu ego, que não gosta de ser nada controlado. E aí, lá pelo sétimo dia, eu tive uma experiência que eu nunca imaginei.

Talvez você já tenha escutado ou lido alguma coisa sobre os chakras. Eles são os centros de energia do nosso corpo, que vão da base da coluna até acima da coroa da cabeça. Quem pratica yoga sempre ouve falar sobre eles. Eu já tinha ouvido falar, mas nesse retiro eu entendi exatamente como eles funcionam.

Quando eu estava em estado de concentração total, eu vi os meus sete grandes chakras em movimento. E de olhos fechados, eu vi eles girando em círculos, em altíssima velocidade, cada um com uma cor. Eles funcionavam sem parar, regulando diferentes sistemas do nosso corpo. Era algo que eu já sabia na teoria, mas nunca tinha experimentado e nunca mais experimentei. Foi impressionante.

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O budismo explica que a mente é como se fosse um lago e os pensamentos como o vento. Quando o ar sopra, ele forma ondulações na água. Assim, tudo que você vê no reflexo do lago é uma distorção. A meditação é um treino para deixar a mente cristalina, sem ondulações nem distorções. Se a gente consegue aquietar a mente, entramos em um estado de relaxamento profundo e acessamos uma frequência energética mais elevada. É um lugar tão sutil onde não há relação com tempo, espaço e nem matéria.

Eu saí desse retiro muito mexida e senti uma vontade muito grande de compartilhar a minha experiência com o maior número de pessoas. Porque o nosso coração é assim, né? Ele quer espalhar uma boa notícia. Em algum lugar do Himalaia, eu conheci um brasileiro chamado João, um cara que eu considero genial e que entende muito de tecnologia.

Ele se tornou um grande amigo e, juntos, a gente pensou em criar um aplicativo de meditação. O João trouxe outro sócio, o Helder, que manja muito de inteligência artificial e design. E assim nasceu o Positive App, que é um aplicativo que hoje tem mais de mil meditações, com vários objetivos. Tem práticas pra dormir, pra focar, pra relaxar, pra quem tá tendo um ataque de pânico e precisa se acalmar na hora.

Tem ainda cursos de autoconhecimento e autodesenvolvimento. É um aplicativo brasileiro, em português, com profissionais seríssimos que fazem um trabalho consistente. O app veio da vontade de fazer do mundo um lugar mais positivo e por isso o nome da Positiv. A nossa ideia é deixar o nosso entorno melhor do que a gente encontrou.

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Já tem 12 anos que eu fiz aquele sabático. Eu parei aqueles meses pra me dedicar só a mim, ao meu estudo e à minha relação com a espiritualidade. Eu estava com 28 anos na época e pensava: “Nossa! Se todo mundo tivesse a oportunidade de se dedicar ao espírito em uma parte da vida, o planeta certamente seria melhor”. Na tradição dos Vedas, que deu origem ao hinduísmo, as pessoas se devotam ao espírito no quarto final da vida, depois dos 60 anos. Na verdade, eu acho que quanto antes a gente puder descobrir esse caminho, melhor será a nossa existência. Ter a percepção de que o mundo espiritual está aqui, em todos os lugares, é algo maravilhoso.

Falando dessa maneira, pode parecer até algo enigmático, esotérico. Mas não é bem assim. Os benefícios da meditação já foram super validados pela ciência. E a prática é tão ancestral, quanto moderna, e é o grande remédio do século 21. Isso eu escutei do Jon Kabat Zinn, que é professor na escola de medicina da Universidade de Massachusetts.

Foi ele que levou o mindfulness
pro ambiente acadêmico e popularizou essa técnica no Ocidente. Em 2014 eu organizei uma viagem para um grupo de brasileiros e tive a graça de passar um dia inteiro com ele. E nesse dia, ele pegou o ideograma chinês de “meditation” e mostrou: as palavras “meditação” e “medicação” têm a mesma raiz etimológica.

Esse cara criou na universidade um programa para redução de dor, que depois virou um programa para redução de estresse. O curso dele dura 8 semanas e é muito disseminado no mundo. Ele fala: se você praticar meditação, você vai melhorar. E não é que você vai ganhar um poder super místico. Não. Você vai treinar a sua mente e, a partir desse treinamento, a sua cabeça vai funcionar de uma forma diferente pra lidar com o estresse, com a depressão, com a ansiedade. E ou você vai se curar de uma dor, porque você vai conhecer ela melhor, e vai ter ferramentas que podem funcionar como um remédio para aquele sofrimento.

É como um tratamento alopático mesmo. Se você precisa tomar um remédio por 8 semanas, você tem pelo menos uma expectativa de falar: “Na segunda semana, eu vou estar melhor. Na sexta, eu vou estar MUITO melhor. Na oitava então, eu vou me livrar  desse medicamento”. O Jon Kabat Zinn propõe algo assim com a meditação. Hoje, médicos do mundo todo já estão prescrevendo a prática de mindfulness, banhos de floresta e exercícios de respiração.
Não é uma questão de fé. Simplesmente funciona, porque de fato a gente se conecta com quem a gente é de verdade.

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Eu sou a prova viva disso. A fibromialgia é incurável. Ela já voltou pra minha vida algumas vezes, em momentos de estresse. Mas hoje eu conheço a dor e a minha mente. Eu não preciso mais de remédio para amenizar o meu incômodo que a doença traz. Quando a dor começa a chegar, eu sei que preciso retomar as práticas de uma forma mais firme e consistente. E nesse quesito, eu desenvolvi a minha médica interior e ganhei muita autonomia. Eu conheci a meditação pela dor, mas fiquei nela, com certeza, por amor.

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Nilton Bonder:
Renata nos traz o seu testemunho sobre a meditação como um recurso de cura. Porém, ao mencionar que a meditação é o remédio do século XXI, diagnostica também a doença do século XXI. Essa doença é a autoconsciência, um excesso ou overdose da consciência. Se o pensamento é um vento, os pensamentos do século XXI são uma tempestade, uma enxurrada de impulsos externos e internos.

Talvez haja uma crise climática interna como existe externamente. E se a meditação é reconhecida como eficaz pela medicina, o estresse é ainda mais comprovado como danoso à saúde. O estresse não é um estado de atenção, mas de alerta. É uma neurose de consciência, não uma reação de exagero à uma experiência, mas a reação em exagero de experiências. 

Tenho certeza de que a meditação é um santo remédio. Ela faz você prestar atenção ao respirar, ao invés de ficar alerta. Traz calmaria aos pensamentos e faz você se sentir sendo, ao invés de se possuir e controlar. Mas cá pra nós, é melhor prevenir do que remediar, então pode ser no Himalaia, mas ar fresco e cuca fresca é a “véia” dica do matuto para uma vida mais harmônica.

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Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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Para Inspirar

Ana Lucia Villela em “A criança deve habitar em todos nós”

Na quinta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, a empreendedora social Ana Lucia Villela une infância, propósito e construção de mundo.

27 de Junho de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Ana Lucia: Quando eu estava na quinta série, eu fiz um intercâmbio que mexeu comigo. Eu tinha 11 anos e eu fui passar um mês nas Filipinas. Fiquei hospedada na casa do sobrinho da Imelda Marcos, que era a primeira-dama do país. Um dia, a gente foi almoçar na casa dela, era um palacete gigantesco. Ela morava num condomínio fechado com um muro bem alto do condomínio. Eu me lembro da cena da chegada nesse condomínio como se fosse ontem. Eu estava sentada no carro e, pela janela, eu vi do lado de fora do muro uma pilha enorme de lixo com várias criancinhas bem pequenininhas procurando alguma coisa pra comer. Eu já tinha visto pobreza no Brasil, claro. Mas, uma discrepância tão escancarada entre a riqueza e a miséria, separadas por um muro, era uma cena inédita pra mim e ficou gravada na minha memória. 

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Geyze Diniz: Pedadoga, dedicada às causas sociais e a tudo que impacta direta ou indiretamente a vida da criança, Ana Lucia Vilela é cofundadora e presidente do Instituto Alana. Com vontade e trabalho, Ana Lucia teve um despertar precoce para trabalhar por um mundo melhor. A partir de um acontecimento pessoal, ela conheceu a dor da vulnerabilidade que tantas crianças sentem no Brasil e no mundo. Desse sentimento nasceu uma missão: honrar e proteger a infância. 

Conheça a linda história, cheia de propósito, de Ana Lucia Vilela. Ouça, no final do episódio, as reflexões do rabino Michel Schlesinger para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 

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Ana Lucia: Meus pais morreram num acidente de avião quando eu tinha 8 anos. Ainda estavam procurando os corpos quando eu percebi uma movimentação estranha e escutei a notícia pela televisão, atrás de uma porta. Demorei para absorver aquela informação  e perguntar : “Escutei isso na TV. É verdade?”. E foi assim que eu fiquei sabendo que eu perdi  a minha mãe E o meu pai ao mesmo tempo.

No imaginário da criança, tem aquele medo de ficar desabrigado, sem comida, ir morar num orfanato, ter uma madrasta malvada. Eu me lembro de quando eu senti essa sensação assustadora. Aí eu procurei me tranquilizar, dizendo pra mim mesma: “Calma, tá tudo bem, eu não vou passar por isso. Eu tenho vó, vô, tio, tia. Eu tenho casa, eu tenho escola”. Mesmo sendo tão pequena, eu tinha noção de que a grande maioria das crianças no mundo eram muito, muito mais vulneráveis do que eu. E ainda assim, eu senti um medo terrível.

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Olhando pra trás, eu percebo que dessa sensação de fragilidade nasceu a minha vontade de proteger crianças. Esse desejo virou um propósito, que pauta a minha vida.

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Eu nasci numa família ligada à filantropia. Estudei numa escola católica que também tinha esse olhar. Minha tia Milú, criava um projeto de voluntariado no Brasil que havia sido referência até pra ONU. Ao mesmo tempo, a minha tia Helena, que me criou, era voluntária em um projeto social do meu colégio e às vezes eu ia com ela na Favela do Jaguaré, em São Paulo. Eu ficava com as crianças, enquanto ela fazia atividade com as mães. Meu irmão Alfredo e eu, a gente conversava às vezes sobre a vontade de desenvolver algum projeto relacionado à infância quando a gente crescesse.

Eu terminei a escola e quando eu entrei na faculdade, escutei um discurso que eu já tinha ouvido outras vezes e mexia comigo num nível que eu não sei explicar. Era assim: “Se uma criança não foi bem alimentada, ela não vai conseguir se desenvolver, não vai conseguir estudar, não vai fazer um bom trabalho, não vai ter dignidade”. “O adolescente se envolveu com drogas? Ah, esquece!” Era como se não valesse a pena apostar em pessoas que passaram por alguma dificuldade na vida. 

Eu não engoli essa narrativa de que gerações inteiras estavam totalmente perdidas. Tinha raiva dessa fala e queria provar que esse pensamento era errado. Um dia, numa aula com o Paulo Freire, na faculdade, eu tive a chance de dividir com ele essa minha inquietação. Ele respondeu pra mim algo assim: “Concordo com você. Toda vez que eu fiz essa aposta deu certo. É só você ir lá que vai dar certo. Não desista, você tem razão”.

[trilha sonora]

Nessa mesma época, eu recebi um telefonema do meu irmão. A gente havia herdado uma área enorme na Zona Leste de São Paulo. Ele me disse assim: “Ana, eu acho que esse terreno foi ocupado, o caseiro não vem pegar o salário dele já faz um tempo. Será que não é um lugar pra gente pensar  num projeto social? Deve ter um monte de problema, um monte de gente sem casa . Deve ser um lugar sem esgoto encanado, sem água, sem energia, sem escola”.

Eu chamei um amigo e a gente foi de carro até lá, pra essa comunidade chamada Jardim Pantanal. Eu fiquei impressionada quando cheguei. Não dá para saber o tamanho exato da ocupação, mas tinham milhares de moradores. A gente saiu perguntando quem era a liderança comunitária. Sentamos pra conversar com essas pessoas, tomamos café e eu senti que ali eu poderia mesmo criar um projeto. Eu me identifiquei pra eles como estudante. Demorei alguns anos pra dizer que eu era uma das donas do terreno. 

Comecei a ir na ocupação nos fins de semana. A ideia era dar ferramentas às lideranças comunitárias e ajudá-las a fazer melhorias na ocupação. Com o envolvimento da comunidade, a gente ergueu um galpão pra fazer as reuniões sobre como regularizar o terreno, construir escola, enfim, tudo o que fosse necessário.

Foi assim que nasceu o Instituto Alana, batizado com as minhas iniciais e do meu irmão. Naquele primeiro projeto, eu comprovei a teoria de que as pessoas só precisam de oportunidade. Eu vi que se a gente pegasse uma criança que não soubesse ler, podia ter 12 anos, era só ensinar. Ensina a primeira letra, que ela vai conseguir se desenvolver depois. Todos os dias eu tinha uma demonstração de que as pessoas não são casos perdidos. Eu ficava totalmente deslumbrada com as histórias e ia contar pra todo mundo o que estava acontecendo. Eu descobri na prática que todo ser humano é criativo e tem potencial. Ele só precisa que alguém acredite nele.

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Eu carrego essa experiência do Jardim Pantanal no coração, porque ela abriu um mundo pra mim. Ela me fez enxergar um tripé fundamental pro trabalho do Alana hoje: educação, comunicação e advocacy. E a nossa causa, no Alana, é a criança, é honrar a infância.

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A partir da minha experiência de quase 10 anos como professora em escolas públicas e privadas, surgiu um segundo projeto do instituto. Eu conhecia dos alunos pobres aos da classe AA. E percebi algo em comum a todos eles: a forte ligação com o consumo e o pouco contato com a natureza. Eles tavam mais preocupados com o ter do que com o ser.    

Eu via em comunidades paupérrimas as crianças implorando pra mãe por uma Barbie. Aí a mãe se matava pra comprar a boneca, e logo a menina queria outra coisa. Os meninos entravam pro tráfico pra ter o tênis da época. Nas escolas particulares não era diferente. As crianças sabiam reconhecer os logotipos das empresas antes de saberem o seu sobrenome, ou o nome da árvore na frente da casa dela ou de uma fruta ou legume que deveriam fazer parte da sua dieta alimentar. Quase nunca olhavam o céu. 

Eu pensava: “Ninguém tá vendo isso? Não é possível! A gente tá formando um exército de consumidores, não de cidadãos” Se o mundo for pra esse caminho, a humanidade já era!” E assim nasceu o projeto Criança e Consumo, dedicado a debater a publicidade dirigida ao público infantil.

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Quando eu me casei com o Marcos, eu convidei ele pra dividir esse propósito de vida comigo.  Juntos a gente criou a Maria Farinha Filmes, produtora que acredita no poder transformador de uma história bem contada. O Alana, que começou em São Paulo, se espalhou pelo Brasil, avançou pra América Latina e, quando a gente viu, tava no mundo inteiro.

Não apenas com os filmes, produzidos pela Maria Farinha, mas com vários projetos, como a plataforma Videocamp, ou o Criativos da escola, Criança e Natureza, o Tinis, Rainforest Xprize , o Alana Down Syndrome Center na MIT, enfim, muito projetos e que perseguem um melhor viver com o foco na criança. Dessa criança que pode ser a brasileira, mas que pode ser africana, pode ser asiática. A criança para um mundo melhor não está presa em fronteiras. 

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O Alana foi crescendo totalmente antenado com o que tá acontecendo ao redor do mundo e muito pouco preso ao planejamento estratégico, a metas tri-anuais. Por trás de todos os projetos está o propósito de honrar a criança. Eu tenho muito orgulho de ter juntado um time de pessoas unidas por esse propósito, trabalhando pelos direitos da infância e pelo meio ambiente, porque são duas causas que andam juntas. A gente não tem funcionário, a gente empreendedor, sócio. Sócio do mesmo sonho.  A gente tem uma lista de conquistas palpáveis do Alana, mas pra mim a maior de todas é colocar a prioridade na infância como a grande pauta. 

Tudo que afeta o mundo, afeta muito mais a criança. Por isso, o meu desejo é que o mundo entenda que é preciso levar o público infantil em consideração antes de criar qualquer coisa que seja. Porque se aquilo for bom pra criança, vai ser bom pra todos nós. Eu posso dizer que antes de planejar uma cidade, uma série, um livro, um site , um web, qualquer coisa, a gente devia pensar em como colocá-la no mundo com um design centrado nas crianças. 

Imagine se a internet tivesse começado pensando também na criança como usuária? Tudo seria tão mais fácil. Agora a gente não estaria discutindo a privacidade de dados, os efeitos do tempo de tela pra saúde, o impacto mental dos games, o estímulo ao consumo… Uma internet segura pro público infantil é segura pra qualquer um. A mesma lógica vale pro lançamento de qualquer produto ou serviço. Se o mundo fizer esse exercício permanentemente, de lembrar que as crianças existem e merecem respeito, a gente vai construir uma sociedade muito melhor.

Eu não gosto de falar da criança na perspectiva de futuro. A criança é agora. O que a gente vai fazer por e com elas é agora que importa. Porque é essa formação que vai fazer com que ela seja uma melhor cidadã. E o que é uma sociedade interessante senão um conjunto de pessoas interessantes? 

Quando eu perdi os meus pais, aos 8 anos, eu não podia esperar que alguém se preocupasse comigo depois.  A minha necessidade era urgente. Eu tive a sorte de contar com adultos que pegaram na minha mão e me ajudaram a ser quem eu sou hoje. E é isso que eu quero fazer pelas outras crianças. O meu propósito está totalmente entrelaçado com a minha vida. 

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Miguel Schlesinger:  Existem duas questões urgentes e entrelaçadas na história de Ana Lucia: uma é a infância, a outra o meio ambiente. De fato, as crianças não são o futuro, elas são o presente. O que acontece nessa fase da vida, de bom e de ruim, deixam marcas para sempre. Por isso, cuidar da infância é para hoje. Podemos dizer a mesma coisa em relação a preservação da natureza. 

A gente costuma projetar o impacto ambiental das nossas ações para daqui a 100, 300 anos. Esse horizonte é tão distante e inalcançável que parece não ter sentido agir agora. Esse pensamento está errado. A gente já paga um preço alto por descuidos do passado e não pode usar a desculpa do futuro para não colocar toda a energia necessária para cuidar das crianças e do planeta hoje. São duas questões que a gente, como sociedade, muitas vezes negligencia e adia. Só que a gente tem que saber que as consequências desse adiamento são irreversíveis, num caso e noutro. 

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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