Para Inspirar

Quais são os estágios do luto e por que é tão importante vivê-los

Há diferentes abordagens para se tratar de um mesmo tema: o rompimento desnorteador que a perda de alguém pode significar na vida de um indivíduo

29 de Novembro de 2020


Não é preciso consultar um dicionário para saber o que significa a palavra luto. Mas, segundo o dicionário Michaelis , ele pode corresponder desde um tipo de pano usado em momentos fúnebres, até “o aspecto tristonho das coisas”. Todas as seis definições que o dicionário relata apontam para um mesmo sentimento: a mágoa profunda proveniente de uma perda.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, escreveu um de seus textos mais densos e estudados de toda a sua obra, “Luto e Melancolia” (1917), onde cravou-se o termo Trauerarbeit , que significa “o trabalho do luto”.

Nesse escrito, Freud também implica uma denominação “oficial” ao que se dizia o luto: “a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”.

Apesar da notoriedade que o artigo conquistou, ele não era novo no repertório de Freud. Dois anos antes, em 1915, o psicanalista já tratava dos temas morte e perda no seu escrito “Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte”. É nele que Freud traz à luz a questão da compreensão da morte do outro, e como nossos afetos estão implicitamente interligados à isso. É o que torna a morte de um ente querido muito mais insuportável do que a de um inimigo, por exemplo.

O luto é tema que vem sendo oficialmente estudado há mais de 100 anos

De lá para cá, o tema já foi amplamente estudado. Isso porque, enquanto vivermos, haverá perdas - tanto físicas quanto simbólicas - sendo a perda então inerente à existência humana. Mas ainda gera tabu, como contamos nesta matéria.

A iminência da dor

Para a psicóloga clínica especialista em luto, Juliana Picoli Santiago, “o luto é uma resposta natural e esperada diante de um rompimento de um vínculo emocional, afetivo que seja significativo para uma pessoa. Ao longo das nossa vida, vivemos alguns lutos, como o crescimento, as transições, rompimento afetivo, mudança de cidade ou país. Tudo aquilo que tem um vínculo afetivo e passa uma situação de rompimento, traz consigo essa resposta, que é o luto”.

Sendo assim, estamos constantemente expostos - e isso não significa que devemos superar algo, mas sim, aprender a conviver justamente com as dores que se foram e as que virão.

Expor os fatos a grosso modo pode parecer cruel e até um pouco mórbido. Mas a verdade é que, uma vez que se enxerga o luto como parte natural da complexidade dos sentimentos humanos, torna-se mais palpável lidar com ele também. E o que isso quer dizer? Não é que será mais fácil, mas será necessário senti-lo em toda a sua integridade para que haja algum avanço para além da tristeza paralisante.

“A morte de um ente querido é a experiência mais desorganizadora que um ser humano pode viver no seu ciclo vital. Quando vivemos o luto, vivemos a queda do mundo presumido, ou seja, aquilo que dá para nós o conforto e a segurança de que as coisas são de uma certa maneira aquilo que nos coloca no mundo e nos faz viver.  E o vínculo é na sua base e excelência a busca e também o oferecimento de proteção e de segurança" explica Juliana.

Esse vínculo é o que nos mantém vivos, afinal, o ser humano é um ser vinculado e sociável por essência. Mas é justamente o fator que nos faz ser quem somos que também nos joga em um poço fundo. Perder vínculos é também perder-se junto, ainda que momentaneamente.

As diferentes abordagens

O ano era o de 1969, e a psiquiatra nascida na Suíça e especialista em cuidados paliativos, Elisabeth Kübler-Ross, escrevia o livro que seria um marco na sua carreira e nos estudos sobre luto, “Sobre a Morte e o Morrer”. Nele, por meio de entrevistas com pacientes terminais e suas famílias, Elisabeth cravou o que denominou como sendo os estágios comuns do luto.

Eles são amplamente conhecidos até mesmo pelo público leigo: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação - nem sempre nessa mesma ordem, mas obrigatoriamente enfrentando todas elas em algum nível. O que caracteriza essa linha de pesquisa é sobretudo uma promessa de “cura” ao final do processo. Ou seja, uma vez enfrentado os cinco estágios, você está “curado” dessa perda.

“Na clínica contemporânea, já existem muitos psicólogos que trabalham de outra forma, que é pautado no modelo da teoria do apego, do John Bobe. Ele diz que a dor do luto é correspondente a experiência do vínculo. Nós lidamos com essa dor a partir da forma como nós nos vinculamos com alguém”. Lembra de Freud e seus escritos de 1915, sobre a relação da dor da perda X nossos afetos em relação o falecido? É bem por aí.

E é justamente essa maneira que nós nos vinculamos com o mundo e conosco é o que nos dá base suficiente para dar base de integrar os lutos da vida. “O luto não acaba, o luto está integrado. Isso significa que há a capacidade de se encher novamente de novos significados apesar de ter vivido tão dolorido” diz ela.

O luto, portanto, não desaparece após um belo dia. Ele se torna parte da complexa rede de sentimentos que um único ser humano pode sentir, saindo de sua fase mais aguda para se tornar parte de quem somos. Em seu episódio para o Podcast Plenae , Veruska Boechat relata ter percebido que “o luto não é linear: você tá péssima, depois fica média e depois boa pra sempre. Não. Um dia tá bem, no outro mal, no outro pode ficar bem de novo, e assim vai".

Essa não é uma percepção somente dela, mas sim, um processo comum para os enlutados. Justamente por ser ter desconcertante, ele leva um tempo para ser significado dentro de nossa psique - e esse tempo é individual de cada um. “Cada sujeito vai viver o luto de uma maneira diferente, às vezes até dentro de uma mesma família, integrantes vão viver de forma particular. Mas pode-se afirmar que todos os aspectos da experiência humana vão sentir” diz Juliana.

Os possíveis passos

Ao contrário do que muitos pensam, a memória deve sim ser explorada, justamente para combater o que a psicanálise chama de “recalcamento” - que é a tendência que a nossa mente tem de lidar com apenas reminiscências de um acontecimento muito estressante, ou seja, fragmentos que podem ser até manipulados por nós de forma inconsciente.

“É adequado que nós possamos falar sobre a pessoa que se foi, sobre sua história, não se deve evitá-la. É importante que possamos trazer ao nível da palavra aquilo que nos traz significado. E muitas vezes, dar significado a uma perda, está necessariamente ligado ao poder falar sobre o que aquela pessoa significava, trazia na sua experiência e no seu papel pra vida de quem ficou” explica a psicóloga.

As redes de apoio, como mencionamos nesta matéria, também são absolutamente necessárias como parte do processo. Saber respeitar o que se vive é importante. “Muitas pessoas confundem a dor de um luto agudo com um quadro depressivo. Luto inclui saudade, tristeza e dor - o luto dói e é natural que doa” diz.

Mas estar atento ao nível desses sintomas é importante, para que eles não se tornem incapacitantes a longo prazo. Por isso, outro passo importante para a vivência do luto é procurar ajuda profissional caso sinta essa necessidade. “Uma dica de ouro é tomar cuidado com o sono. É um fator de proteção à essa pessoa, pois quando regulado, dá uma capacidade muito maior de viver um processo de integração de situações que incluam dificuldades emocionais” conta.

Por fim, estar consciente de que a jornada é interna e intensa, um mergulho dentro de si e “da própria percepção de temporalidade” como crava Juliana. Entender que não há como falar de vida sem falar de morte, e não há como falar de morte - mesmo a mais abstrata delas - sem falar de luto.

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Bernardinho em "Errei muito mais do que acertei"

O quarto episódio da décima terceira temporada do Podcast Plenae é com Bernardinho, representando o pilar Mente!

8 de Outubro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


[trilha sonora]

Bernardinho: Seria possível viver do voleibol? Quando eu recebi a proposta pra ser treinador, eu fui conversar com meus pais. A minha mãe, mais zelosa, preocupada, ficou desesperada, achou que era uma loucura. Já o meu pai me falou: “Se é o que você ama fazer, vai. Mas faz bem feito e só volta quando der certo”. Ele sabia que ia ser difícil, que eu ia querer desistir. Ao longo da minha vida, sempre que eu me deparo com situações dessa natureza, eu penso: só volta quando der certo. 

[trilha sonora]

Geyze Diniz: A trajetória do técnico Bernardinho não é só marcada por suas vitórias, mas também por seus aprendizados. Seus erros e acertos dentro e fora da quadra foram importantes lições para ele e para todos que o acompanham. Bernardinho reconhece a importância de aprender e se adaptar para um mundo em constante transformação. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

[trilha sonora]

Bernardinho: Nós fomos apresentados ao esporte muito cedo. Era uma estratégia dos meus pais, Maria Ângela e Condorcet, para gastar a energia dos 5 filhos e também para nos educar. Eu pratiquei judô, futebol, natação e tênis, sem talento pra nenhuma modalidade. O vôlei eu conheci por acaso, nas areias de Copacabana, junto com meu irmão, Rodrigo. Não era nada sério, que a gente praticasse com a intenção de jogar pra valer. A gente só queria mesmo era brincar.

Só que um vizinho achou que nós levávamos jeito e aí nos convidou pra fazer um teste no time mirim do Fluminense. Foi lá que eu conheci Benedito da Silva, o Bené, o meu primeiro treinador. Esse cara me ensinou tantas lições que eu carrego até hoje. Uma delas foi aprender a ouvir “não”.

Desde pequeno, eu não gostava de perder. Eu já tinha um espírito resmungão, dava palpite no jogo alheio e cobrava o desempenho dos outros jogadores. E meu alvo preferido era o meu irmão. O Rodrigo não ligava pros chiliques que eu dava. Ele tem um ótimo temperamento e me deixava brigar sozinho. Sempre que isso acontecia, o Bené me expulsava do treino. Eu tinha uns 13, 14 anos e me sentia perseguido, injustiçado. Era aquele pensamento: “Tudo eu! Tudo eu! Sempre eu!”.

Muitos anos depois, já treinador da seleção feminina, fui perguntar pro Bené porque ele fazia isso comigo. Ele disse: “Você queria tanto jogar, que eu te mandava embora e você voltava. O seu irmão não queria muita coisa. Mas ele jogava muito bem e o time precisava dele também”. O Bené sabia, como eu sabia também, que eu não tinha muito talento pro vôlei. Se eu quisesse cavar o meu espaço, eu ia ter que saber lidar com os desafios. E o Bené não tinha medo de falar “não” e de me desafiar.

[trilha sonora]

Quando eu tinha 15 anos, já capitão da equipe infanto juvenil, fui convidado pra jogar com o time adulto do Fluminense. Fiquei me achando. Eu aceitei o convite, mas nem cheguei a jogar, passei a partida inteira no banco. O problema é que, no mesmo final de semana, o meu time infanto juvenil também tinha um jogo. Quando eu me reapresentei pro Bené, ele me falou: “Você é o capitão da equipe, você abandonou justamente os jogadores que mais precisavam de você”. Eu nunca esqueci disso. Com poucas palavras, o Bené me deu uma lição sobre a importância da humildade e do senso de coletividade.

[trilha sonora]

Os meus pais não viam com bons olhos o meu interesse crescente pelo vôlei. Nos anos 60, 70, 80 mesmo, o esporte era só uma profissão pra quem jogasse futebol. 

[trilha sonora]

Os meus pais queriam que eu estudasse, fizesse faculdade e eu fui fazer economia na PUC do Rio. Eu adorei o curso e levei os estudos em paralelo à vida de atleta. Foi uma época em que tive muitas dúvidas sobre o meu futuro profissional. Só que a paixão acabou falando mais alto do que a razão.

Com muito empenho, eu conquistei uma vaga na seleção brasileira que ficou conhecida como a “geração de prata”. Nós ganhamos a primeira medalha olímpica do vôlei brasileiro, em Los Angeles 1984. Os jogadores principais eram Bernard, William, Fernandão, Renan, Amauri, Montanaro, Xandó, Badá. Eu era reserva. Nunca fui aquele cara que entra em quadra pra decidir, mas eu sempre cobrei muito de quem tinha condições para isso.

Desperdício de talento era e ainda é até hoje uma das coisas que mais me incomodam. Eu me considero esforçado. O meu diferencial é que eu não desisto. Isso pode ser uma qualidade, mas por outro lado leva a um certo desequilíbrio. Eu certamente pequei pelo excesso, muitas vezes, por uma quase paranoia permanente por performance, por evolução.

[trilha sonora]

Quando eu tinha 26 anos, nasce meu primeiro filho, o Bruno. Eu tinha me casado com uma jogadora de voleibol da época, a Vera Mossa. Foi uma época em que eu comecei a olhar pra várias direções, sem saber que rumo tomar na carreira. Eu me tornei sócio de um pequeno restaurante chamado Delírio Tropical, hoje uma cadeia com 10 unidades, e tava gostando de empreender. Eu continuava jogando pra complementar a renda, mas já caminhando pro final da minha trajetória como atleta. 

Só que um convite inesperado mudou os meus planos. Uma amiga, ex-jogadora, Dulce Thompson, me telefonou e perguntou se eu queria treinar o time feminino do Perugia, na Itália. Era uma equipe que estava em último lugar no campeonato italiano. Eu me perguntei: “Como? Eu nunca treinei ninguém”. E ela respondeu: “Mas você tem tudo pra isso. Você conhece o voleibol, tem capacidade de liderança, é perfeccionista, chato, cricri”. Enfim, foi uma daquelas bifurcações que de repente mudam a direção de nossas vidas.

[trilha sonora]

Meus anos de Perugia foram muito duros, mas ricos demais. Eu aprendi uma nova cultura, aprendi a liderar um grupo de mulheres, aprendi o que é ser um treinador. Mais do que isso, estava aprendendo a ser um líder. Treinador tem a ver com questões técnicas, mas o líder, tem a ver com questões humanas.

Eu lidava com meninas de 16 anos, muito jovens, e com atletas campeãs ao mesmo tempo. Foi também a minha primeira experiência liderando uma pessoa da minha família, porque a Vera Mossa veio reforçar o meu time. Mas eu precisava fazer dar certo. Eu queria provar que aquela loucura de ser treinador ia dar certo. 

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Ao final de três anos, o Perugia não só se salvou do rebaixamento, como foi vice-campeão do campeonato italiano por duas vezes e campeão da Copa Itália. Depois dessa experiência na Europa, eu recebi o convite para assumir a seleção feminina brasileira. Era uma geração desacreditada. Mas tinha um monte de talentos. Fernanda Venturini, a grande levantadora, Ana Moser, uma super  atacante, Marcia Fu, Ana Paula, Ana Flávia, enfim, muitos nomes fortes. Mas elas não ganhavam títulos. O problema da equipe é que não existia um compromisso único, um propósito em comum. Os valores estavam desalinhados. Do ponto de vista pessoal e financeiro, também não estava fácil pra mim, porque eu tinha me separado. Enquanto eu me reerguia, eu trabalhava pra unir as jogadoras e criar um time.

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Às vezes eu ia pelo caminho do sofrimento. A dor une as pessoas. As atletas se uniam para resistir àquele treinador louco que gritava com elas. Não tenho dúvida que, em alguns momentos, eu passei do ponto. E, quando eu passei, eu pedi desculpas. Isso aconteceu, por exemplo, num treino para as Olimpíadas de Atlanta de 96. Nós jogamos um amistoso contra uma equipe masculina no ginásio do Maracanãzinho. O time vinha jogando bem, mas nesse amistoso jogou muito, muito mal. Eu fiquei enlouquecido, explodi várias vezes.

Eu fui pra casa e lembro que nesse dia eu estava sozinho com o Bruno. Ele era uma criança de uns 10 anos. Eu fiquei refletindo sobre a partida. Por que será que elas tinham jogado tão mal? Daí me dei conta que elas tavam cansadas, vinham de uma sequência de treinamentos duros. Existiam alguns elementos que eu não estava levando em consideração.

No dia seguinte, elas iam malhar, não tinha treino com bola. Eu nem ia aparecer no centro de treinamento, até para elas poderem descansar um pouco de mim. Mas eu peguei minha bicicleta e fui. Quando elas me viram, fizeram aquela cara de susto, tipo: “hm, lá vem ele…”. E eu então disse: “Ontem eu explodi com vocês e quero me desculpar em público. Eu errei na forma, mas não na intenção. A minha intenção era tirar o melhor de vocês. Eu sei que ontem vocês não estavam conseguindo por N motivos, mas deram o melhor que tinham. Eu não percebi e cobrei de uma forma exagerada”. Elas se olharam, e nós seguimos. Isso aconteceu algumas vezes. 

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Eu treinei a seleção feminina por 7 anos. Foi nesse período que eu conheci a minha segunda esposa, Fernanda Venturini. Nossa relação profissional no começo era conflituosa. Eu era exigente demais com ela, eu reconhecia um enorme talento naquela atleta. Com o tempo, fui reconhecendo que estava exagerando um pouco na cobrança. Ela foi admitindo que deveria se entregar mais pro grupo. Eu costumo dizer que eu briguei tanto com a Fernanda pra transformá-la numa atleta mais completa, que acabei me casando com ela. Juntos, nós tivemos duas filhas, a Júlia e a Vitória.

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No ano 2000, após as Olimpíadas de Sydney, aceitei o convite para ser técnico da seleção brasileira masculina. O tempo é realmente um professor incrível. Com ele, eu aprendi a dosar a cobrança sobre os jogadores, como foi com a Fernanda.

O meu termômetro são os atletas, aqueles atletas que são referências, que aguentam o rojão. Como um Serginho, um Bruno, um Giba, um Murilo. Quando um desses caras fica calado, cabisbaixo, sem energia… Opa, atenção! Esses jogadores estão com você em qualquer situação, mas eles mudam de atitude se interpretam que você está pegando pesado demais. Eu avalio muito os sinais que eles e elas nos emitem.

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Nos meus últimos anos à frente da seleção masculina, eu tive que mudar ainda mais o meu jeito de interagir com o time. Em 2012, nós fomos vice-campeões olímpicos em Londres. Em 2014, vice-campeões mundiais após um tricampeonato mundial. Aquela geração tinha uma expectativa enorme sobre ela que a medalha de prata parecia uma desgraça. Aquela geração, ela não ganhava prata, ela perdia o ouro. Até que um dia, em 2015, o Bruno, meu filho, atleta e capitão da seleção, bateu no meu quarto e pediu pra conversar. Ele veio falando que “nós” precisávamos mudar. Mas o que ele realmente queria dizer é que “eu”, o treinador, precisava mudar. Ele explicou que aquela geração era diferente. Nem melhor nem pior que as anteriores, só diferente. 

Eu, do alto da minha arrogância, pensava que, se eu tinha vencido tudo, aqueles garotos que se adequassem a mim. Só que não é assim. E o Bruno me disse: “Nós precisamos encontrar um caminho para que você se conecte com eles e consiga extrair o melhor de cada um. Se você não mudar a forma de lidar, nós vamos continuar no ‘quase’. O time tem um respeito reverencial por você. E você continua na base da pressão, pressão, pressão, porque foi uma metodologia que deu certo com a geração anterior”.

Ele tinha razão. O Bruno me deu mais uma lição de humildade. Mais uma na minha carreira. Eu, que insisto tanto pros jogadores não se deixarem levar pela vaidade, tinha sido vítima dela. Tem aquela frase do filme “O Advogado do Diabo”, em que o demônio diz: “A vaidade é o meu pecado favorito”. O ego é o inimigo das boas decisões que nós devemos tomar. 

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Eu baixei a bola e fui buscando formas de interagir com os jogadores. Eu finalmente consegui me conectar com eles durante as Olimpíadas do Rio, em 2016. Nos dias de folga, a gente jantava num dos nossos restaurantes do Delírio Tropical, ali na Barra da Tijuca, perto de onde nós treinávamos. Eu trouxe as famílias para jantar conosco: os pais, as esposas, os filhos, sogras. Durante 1 hora e meia, nós jantávamos e eu ajudava a servir os jogadores e as suas famílias. Aí eu passei a conhecer as famílias, a mãe de um, fazia um carinho no filho do outro. Ou seja, foi criada uma dimensão mais humana no grupo. Eles deixaram de me ver apenas como um louco que obriga todo mundo a acordar mais cedo para treinar.

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Eu acredito que o desconforto gera crescimento, então provocar um certo desconforto é interessante. Mas não pode ser demais, senão a corda arrebenta. 

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Essa pequena iniciativa dos jantares gerou números, porque o objetivo não era só ser bonzinho, simpático, popular, era melhorar o desempenho. E nós ganhamos a medalha de ouro.

A foto mais bonita que eu tenho da minha carreira são meus três filhos abraçados depois que ganhamos a medalha de ouro. O Bruno tá de costas. A Júlia, a do meio, tá com a cabeça debruçada no ombro dele. E a Vitória, a caçula, espremida entre os irmãos, como um sanduíche, chorando. Ver uma menina de 7 anos chorando de emoção não é algo muito comum. As duas realmente se sentiam parte do time naquela conquista.

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Recentemente, eu recebi um convite, um desafio gigantesco de treinar a seleção masculina da França visando as Olimpíadas de Paris em 2024. Durou poucos meses. Eu, que tinha acabado de me separar da Fernanda, pedi demissão do cargo por razões familiares. Eu costumo dizer que na vida todos nós tomamos uma série de decisões e essas decisões têm que estar pautadas em três pilares fundamentais: o primeiro é a saúde, sem a qual não cuidamos das outras duas, que são: família e trabalho. A saúde física, a saúde emocional para que a gente possa realmente estar bem, tomar boas decisões e cuidar da nossa família e do nosso trabalho. Sair da seleção da França e desistir daquele processo eu estava realmente priorizando aquilo que muitas vezes não foi minha prioridade, e erros que eu cometi durante a minha carreira.

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As pessoas enaltecem as minhas conquistas, e ok, que foram significativas. Mas, ao longo da minha vida, eu errei muito mais do que acertei. Para tomar decisões certas, eu cometi erros que me trouxeram muita experiência. Errar dói, mas traz aprendizados. Com o tempo, nós percebemos o quão pouco nós sabemos. 

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Hoje, eu me sinto um aprendiz, um aprendiz assustado. Eu tenho um certo temor de não conseguir aprender tudo que eu gostaria de aprender para me adequar a um mundo em constante transformação. Mas eu continuo tentando. No fundo, eu continuo o mesmo garoto inquieto que começou a jogar vôlei nas areias de Copacabana. 

O que eu preciso fazer pra alcançar o que eu quero? O meu espírito curioso e dedicado continua o mesmo, o mesmo.

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


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