Para Inspirar

Os efeitos da fé no nosso cérebro

A força poderosa que distingue o ser humano das demais espécie exerce grande efeito em nosso sistema nervoso

18 de Junho de 2021


Você já deve ter ouvido falar no livro “Sapiens”. Escrito pelo historiador contemporâneo, Yuval Noah Harari, o best-seller traz revelações e reflexões sobre a evolução da nossa espécie. Em um dos capítulos, Harari discorre sobre a fé e seu papel social.

Para ele - e outros pesquisadores - ela é um fator importante na história da nossa evolução. Graças a capacidade de crermos, conseguimos cooperar mutuamente em nome de um mesmo objetivo. Era por acreditarmos que a ilha do outro lado do oceano abrigava propriedades mágicas, que cooperávamos mutuamente para chegar até lá, em um exemplo mais simples.

E assim a fé nos trouxe longe e se mantém ainda como um importante pilar para o equilíbrio de nossas vidas. Em seu episódio na quinta temporada do Podcast Plenae, Fafá de Belém relata como essa espiritualidade a acompanha de forma tão intrínseca, que teve início ainda antes do seu nascimento.

Quando vivencia manifestações sagradas, seja em missas, celebrações ou meras visitas a templos, a cantora relata uma sensação de “flutuar”, como se estivesse se afastando do chão e elevando-se à um estado de consciência maior e diferente. E essa sensação pode ter uma explicação científica.


A ciência e a fé

Apesar de serem tidas como antônimas ao longo dos séculos, a ciência parece ter alimentado um interesse genuíno nas manifestações espirituais. Uma das conclusões mais conhecidas e exploradas acerca da sensação que a cantora Fafá de Belém relata são as experiências extracorpóreas.

Dois pesquisadores da Universidade de Ottawa decidiram examinar o cérebro de uma mulher que dizia sentir essa sensação de estar “fora do corpo” enquanto ela acontecia. Os resultados, publicados na revista Frontiers of Human Neuroscience , foram surpreendentes: o scanner cerebral utilizado para essa análise apontou uma desativação intensa do córtex visual, em contrapartida a um aumento significativo do lado esquerdo associado à imagens cinestésicas.

Vale lembrar que a cinestesia é “o sentido da percepção de movimento, peso, resistência e posição do corpo, provocado por estímulos do próprio organismo" segundo definição do dicionário Oxford. É ela quem permite que a gente se sinta exatamente onde nosso corpo está em relação ao resto do mundo.

O que isso tudo significa, afinal? Que o cérebro não está mentindo, e que a percepção neurológica daquela pessoa é de realmente estar “fora” de si. Mas não há confirmações científicas de que essa sensação tenha algo a ver com alma ou outras explicações astrais.

É quase como se fosse uma alucinação, desencadeada por algum mecanismo neurológico ainda não esclarecido totalmente. Os pesquisadores desse mesmo estudo ainda reforçam que experiências fora do corpo podem ser induzidas “por traumas cerebrais, privação sensorial, experiências de quase-morte, drogas psicodélicas e dissociativas, desidratação, sono e estimulação elétrica do cérebro”,  e que, em algumas pessoas, isso pode ser induzido a acontecer.


A espiritualidade navegando pelo cérebro

Além da experiência extracorpórea mencionada, a fé ainda gera outras movimentações cerebrais. Já se sabe que, quando uma pessoa está em plena atividade espiritual, o seu cérebro ativa a região de recompensa - a mesma área ativada quando estamos apaixonados , quando um sujeito usa droga, escuta música ou até quando recebemos um like nas redes sociais.

Tudo que é ligado ao prazer ativa esse mesmo circuito, que por sua vez, libera uma cadeia de hormônios em nossa corrente sanguínea, todos relacionados ao nosso bem-estar - como a dopamina e a serotonina.

Um outro estudo, esse comandado pela Universidade de Utah, nos Estados Unidos, revelou que "poderosos sentimentos espirituais estão claramente associados à ativação do núcleo accumbens, uma região do cérebro que tem papel fundamental no sistema de recompensas, cuja função é receber e propagar pelo organismo os estímulos de prazer".

Raul Marino Júnior, o neurocirurgião autor do livro “A religião do cérebro: as novas descobertas da neurociência a respeito da fé humana”, trouxe ainda mais dados em entrevista ao G1 . “Quando o homem começa a se dar conta que ele não é só matéria, que ele deve ter algo por trás, um sopro qualquer que dá a vida pra ele - ele não sabe como surgiu - não adianta você querer explicar as coisas só pela ciência”, diz ele.

Marino explica que a fé é controlada por uma rede de neurônios, “que são células cerebrais que dão ao homem uma coisa que os animais não têm: a capacidade de pensar abstratamente, criar uma metafísica, criar um sistema filosófico, espiritualizado de religião.”

Junto ao fisiologista e psicólogo, Michael Persinger, Raul concluiu um experimento que pesquisava de que maneira o cérebro responde a estímulos eletromagnéticos. A dupla percebeu que, durante um estado de contemplação, muito comum quando estamos rezando, por exemplo, algumas áreas cerebrais são ativadas, como o lobo pré-frontal e frontal, responsáveis pelo controle das emoções. Eles ainda cravaram a existência de um quarto estado de consciência, que seria o estado de meditação.

Um terceiro especialista no assunto, o psicobiólogo Marcello Árias, explica que o homem não tem necessidade de religião, mas sim, de uma espiritualidade que pode dar sentido à vida. Ele diz que neurocientistas começaram a identificar pequenos comportamentos neurobiológicos que podem fazer com que algumas pessoas tenham uma tendência maior a vivenciar uma experiência mística, enquanto outras, por mais que tentem, não vão chegar lá.

Para a coordenadora do Museu de Anatomia da USP, Maria Inês Nogueira, ainda na mesma entrevista, quando a pessoa acredita em algo, o cérebro reage de outra maneira. “Ele reage produzindo substâncias que ajudam você a caminhar de forma melhor ou identificar aquilo que você acredita que seja mais adequado para realizar o seu objetivo”, diz.

Tudo isso nos leva a crer que perder a fé é extremamente prejudicial ao cérebro, como contamos nessa matéria , já que ele é tão impactado positivamente por ela e, em sua ausência, pode ser prejudicado. Independentemente do efeito exato que a falta de crença tem em nossa atividade neurológica e processos de pensamento resultantes, muitas evidências sugerem que “ter algum tipo de crença espiritual está associado a ser mais psicologicamente ajustado e ser fisicamente mais saudável”, segundo Anthony Jack, do Laboratório de Cérebro, Mente e Consciência da Universidade Case Western Reserve.

Você tem trabalhado a sua espiritualidade? Mantenha suas crenças - quaisquer que sejam elas - em dia! Isso mantém o seu cérebro saudável e o seu pilar espírito em ação, rumo a uma vida ainda mais equilibrada.

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Plenitude da vida, plenitude do ser

Nos tempos em que vivemos, em que mindfulness tem estado no topo das pesquisas e conversas científicas, acabamos tendendo a falar dela como uma técnica ou ferramenta desenvolvida para resolver problemas.

24 de Abril de 2018


Nesse painel, Freeman falou sobre mindfulness sob um ponto de vista pouco abordado nos estudos científicos, aproximando-o da religião ocidental. Falando sobre religião e meditação de uma maneira leve e ao mesmo tempo bastante profunda, o monge encerrou seu talk com um exercício coletivo de meditação.

A MEDITAÇÃO NÃO FOI INVENTADA EM HARVARD

Nos tempos em que vivemos, em que mindfulness tem estado no topo das pesquisas e conversas científicas, acabamos tendendo a falar dela como uma técnica ou ferramenta desenvolvida para resolver problemas. Porém, é importante lembrar de sua origem: a meditação nasceu como uma disciplina, uma prática que nos liberta dos medos e desejos de nosso ego (que nada mais é que uma palavra contemporânea para pecado).

Isso mesmo: a meditação não foi inventada em Harvard. Desde que nós, como humanos, tornamo-nos conscientes de nós mesmos e do outro começamos a desenvolver práticas semelhantes à meditação. 40.000 anos atrás já tínhamos nossos jeitos de contemplar o mundo para conviver com os altos e baixos da vida.


A contemplação é algo comum a todas as religiões. Se tem um elo que as une, por trás de tantos nomes, instituições, dogmas e sistemas de crenças separados é este estado pleno, de busca de sabedoria por meio da contemplação. A experiência de silêncio, solidão e simplicidade que reside nesse estado é comum a todas as pessoas.

Ela está no coração psicológico e espiritual de nossa consciência como humanidade. O estado de contemplação nos traz à meditação e seu poder de transformar o jeito como olhamos para os problemas e nos relacionamos com as situações da vida.

MEDITAÇÃO COMO APRENDIZADO CONTÍNUO

É interessante lembrar que o conceito de mindfulness surgiu dentro de um contexto específico na filosofia budista. Nesse contexto, esse estado é apenas um dentre alguns estados de preparação que acontecem durante a meditação. Mas meditação como um todo não é apenas ficar presente em si mesmo – é transcender a si mesmo.

Quando meditamos, nos conectamos e encontramos dentro de nós uma pessoa com maior compaixão, capaz de escutar, reconciliar e perdoar. É importante não meditarmos com o intuito de reorganizar conceitos e sair do outro lado com soluções. Meditação é mais sobre entrar dentro de uma experiência que nos oferece sabedoria, uma visão mais ampla e contato com a verdade.

Por isso, não devemos praticar a meditação como uma técnica destinada a alcançar algum resultado ou meta, mas sim como um aprendizado contínuo. Nesse sentido, a meditação é parecida com a prática de música ou de esportes: uma atividade prazerosa que nos envolve e na qual estamos constantemente aprendendo e evoluindo. No cristianismo, meditação é chamada de oração.

E existem diferentes tipos de orações: em palavras, leituras, danças, cantos, ou mesmo os rituais que acontecem dentro das igrejas. O importante, para aprofundar o sentido contemplativo da oração, é ela não virar uma atividade repetitiva – e sim uma jornada, um relacionamento que está sempre acontecendo e que vai evoluindo a cada nova conversa.

Para os cristãos, Jesus deixou ensinamentos bem claros sobre a maneira correta de orar (ou meditar): “vá até seu quarto privado, feche a porta e ore para seu Pai que está naquele lugar secreto. Não faça como os pagãos, que acham que quanto mais falam, mais serão ouvidos”. Também disse que “Deus sabe o que você quer antes de pedir. Não se preocupe com o que vai comer, onde vai dormir e o que vai vestir.

Olhe para a beleza da natureza ao seu redor e como tudo funciona”. Isso tudo é um ensinamento, um convite para a contemplação. O cristianismo ensina um método simples de oração: uma oração que vem do coração. Teologicamente, na oração cristã devemos encontrar Cristo dentro de nós e fazê-lo emergir.

Nesse caso, é o espírito que deve orar dentro de nós, muito mais profundamente que qualquer palavra ou conceito. Este movimento em direção ao silêncio, à interioridade e à equanimidade deveriam sempre ser relembrados. Pois a mente de Cristo é esse senso de quietude. Essa quietude da mente é que devemos tentar atingir no meio da vida diária. A quietude, como uma combinação entre contemplação e ações guiadas por ela, deve ser o centro de todas as atividades de nossa vida.

MARTA E MARIA E O QUE ELAS TÊM A NOS ENSINAR EM TEMPOS DE MULTITASKING

No Evangelho de Lucas, uma passagem fala de Marta e Maria, duas irmãs que estão em casa e veem Jesus se aproximando, com seus amigos. Marta os recebe e logo começa a cuidar da casa, distraída por muitas tarefas. Maria, mais contemplativa, fica aos pés de Jesus, ouvindo suas histórias.

Algum tempo depois, Marta, estressada, vai até o quarto onde Cristo está e diz “Mestre, não vê que estou fazendo tudo sozinha? Fale para Maria me ajudar!”. Jesus responde: “Marta, Marta, você está ansiosa e preocupada com tantas coisas, mas só uma coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e isso não será tirado dela”.

Se analisarmos esta história friamente a resposta pode até não parecer justa a um primeiro olhar. Mas a chave é analisarmos as duas personagens fazendo uma relação com os dois momentos de mente que nós temos dentro de cada um: o ansioso e o contemplativo. Jesus era um professor da contemplação e nos deixou a mensagem de que “ser” vem antes de “fazer”.

Primeiro, devemos ser. Depois, fazer. Essa é uma história prática que nos ajuda a reavaliar o balanço, harmonia e equilíbrio das nossas vidas, constantemente escolhendo prioridades erradas e sentindo estresse do jeito errado. Há milhares de anos atrás, muito antes do primeiro smartphone ser lançado, Cristo já recomendava que o melhor para viver bem era não nos preocupar tanto com as distrações da vida, mas sim ficar presente no momento e contemplar.

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