Para Inspirar

Os caminhos do trabalho voluntário no Brasil atual

Mais necessário do que nunca, o voluntariado oferece diferentes meios para ser colocado em prática, mas a adesão ainda é mais baixa do que o necessário

23 de Setembro de 2022


Aqui no Plenae, somos entusiastas do trabalho voluntário por acreditar em seus inúmeros benefícios. Já te contamos quais são os tipos de trabalho voluntário e como ele pode ajudar cada um de seus pilares, trouxemos dados de sua relação com a longevidade e explicamos como ele pode ser benéfico não só para a pessoa que recebe, mas também para quem o coloca em prática.

Também dedicamos a newsletter Tema da Vez de agosto inteirinha para o assunto, aprofundando ainda mais no assunto. Não contentes, convidamos para encerrar a nona temporada o médico mais conhecido do Brasil: Drauzio Varella. Representando o pilar Propósito, ele ganhou notoriedade não só pelo papel que desempenha democratizando a ciência nos meios de comunicação, mas também pelo seu trabalho voluntário como médico dentro de penitenciárias há mais de 30 anos. 

Inspirados por sua forma de ver e viver a vida, decidimos mais uma vez mergulhar no tema da filantropia, dessa vez consultado um especialista no assunto: Marcelo Nonohay, fundador da MGN, uma empresa que trabalha com apoio e gestão de projetos para transformação social, mais especificamente com projetos ligados a investimento social privado de institutos e empresas, e também com programas de diversidade e equidade de inclusão também nas organizações. 

Separamos alguns pontos fortes de nossa conversa a seguir e esperamos que ela possa te inspirar a doar não só bens materiais e valores financeiros, mas também o seu tempo e seus talentos, dois fatores tão valiosos nos dias de hoje.

As formas de ajudar que o Brasil mais precisa atualmente

Difícil cravar. Essa é a resposta imediata de Marcelo. Isso porque o país, atualmente, carece de diferentes ajudas, em praticamente todas as frentes possíveis. “Eu costumo dizer que o Brasil sempre precisou e depois da pandemia todas as causas ficaram muito urgentes. (...) Atuar e apoiar a área da educação, apoiar a área da saúde, e indo até o meio ambiente, proteção dos animais, de direitos de crianças e pessoas idosas, é tanta coisa que a gente precisa e a gente tem tanta carência infelizmente no nosso país, que é difícil dizer qual é a que mais precisa”, diz.

Para ele, mais do que definir qual causa precisa mais, é preciso criar-se a cultura de doação no país, onde a população sinta vontade de se envolver e construir um futuro melhor, ainda que isso demore um pouco mais. “O ponto é que brasileiro pode ser muito mais solidário e a gente precisa se desenvolver mais, nosso país é muito desigual, a gente tem que se ajudar mais”, pontua.

Melhorou, mas ainda há o que melhorar

Recentemente, publicaram a continuação de uma pesquisa que começou em 2001, data declarada pela ONU como ano do voluntariado, e foi sendo publicada de 10 em 10 anos ONU declarou como ano internacional do voluntariado. Em sua primeira versão, quando perguntavam aos brasileiros se a pessoa já havia realizado algum trabalho voluntário na vida, 18% responderam que sim. 

Em 2011, fizeram novamente e a resposta saltou para 25%. No ano passado, em meio ao auge da pandemia, mais um salto, dessa vez, o maior de todos: 56% dos entrevistados disseram que sim, já haviam realizado algum trabalho voluntário. “Ou seja, por essa perspectiva, temos que comemorar. Em duas décadas a gente cresceu bastante”, comenta Marcelo.

Mas - e há sempre um “mas” - há outras pesquisas não tão positivas assim. Em um ranking mundial onde se pergunta se a pessoa ajudou algum estranho, doou dinheiro ou doou tempo, o Brasil ficou em 54º lugar. “Em doar tempo, o Brasil fica em 68º, bem o meio do ranking, isso é muito ruim e podemos fazer muito mais. Só pra você ter uma ideia, a gente está falando de país que fica em primeiro lugar doando 60% do tempo. No Brasil, a resposta é 15%. E veja, é a Indonésia, não é nenhum país super rico, a gente vê nesse mesmo ranking países em desenvolvimento com tanto ou mais dificuldades que o Brasil enfrenta, mas existe uma cultura de sociedade”, conta Marcelo. 

Do que se trata o voluntariado corporativo e quais são seus ganhos

“É quando a empresa desenvolve ações de voluntariado, muitas vezes dentro de um programa estruturado, que visa engajar seus colaboradores a realizar algum trabalho voluntário na comunidade. Às vezes isso nasce de uma força que já vinha acontecendo, uma mobilização das pessoas da empresa que a própria empresa vê e decide reforçar porque vê que é uma boa prática”, explica Nonohay.

Os benefícios são muitos, é claro. São eles: engajamento da equipe, melhora  na produtividade e rentabilidade comparado ao restante da indústria, afeta positivamente o clima organizacional e o sentimento de pertencimento, é um diferencial para atrair e reter talentos, melhoria de reputação, fortalecimento de marca, ajuda os colaboradores a desenvolver novas habilidades e competências, exercita a empatia não só da equipe como também dos líderes e traz senso de urgência a partir do contato com outras realidades nessa “furada de bolha”.

Para o indivíduo como pessoa, os ganhos também são muito grandes: ganhos na saúde física como prevenção de doenças cardiovasculares, pode levar a longevidade, tem correlação com saúde mental e bem-estar, redução do estresse e ansiedade, ajuda a encontrar propósito não só na vida, mas também no seu dia a dia, melhora a capacidade de sociabilidade da pessoa e, por fim, ajuda a pessoa a encarar seus problemas sob outra perspectiva, vendo que muitas vezes eles podem não ser tão sérios quando comparado ao de outras realidades.

O papel dos empresários na construção de um país melhor

“Os empresários têm já uma função importante, porque no momento em que eles empreendem, eles estão olhando para necessidades do mercado, buscando suprir alguma delas e, no caminho disso, eles geram empregos, pagam impostos e produzem tecnologia”, diz.

“Só que hoje a barra tá mais alta, por dizer assim”, continua. “Você não pode só ser um ótimo empresário, extremamente eficiente e se dar por satisfeito por aí. Hoje em dia existe a sigla ESG (Governança ambiental, social e corporativa, em tradução livre) tão falada e tão importante, que coloca em pauta não só os desafios a se atingir da empresa, mas também os fatores externos, como cuidar do meio ambiente, das pessoas. As empresas que querem ser de ponta não tem escapatória, precisam fazer tudo bem feito e ainda cuidar desses pontos”, crava Marcelo.

Dentro do ESG cabe o voluntariado corporativo que mencionamos anteriormente, por exemplo, afinal, trata-se de uma ação onde é promovido ao mesmo tempo o engajamento interno e também o engajamento com a comunidade ao redor. Uma pesquisa recente do Datafolha revelou que 15% dos voluntários fizeram voluntariado empresarial, ou seja, as empresas ajudaram a promover essa cultura, provando o ponto de que pode ser uma ótima porta de entrada para a filantropia. 

“Quase sempre quando eu promovo trabalho voluntário dentro das empresas e pergunto se alguém ali já foi voluntário, pelo menos metade diz que não, então é uma ação inédita na vida delas que vai só trazer benefícios, disseminar essa cultura e faz com que as pessoas tenham essa vontade de participar. A empresa coloca seu capital a serviço de promover um país melhor”, diz. 


O que o cidadão comum pode fazer para tornar o mundo um lugar melhor

O primeiro passo é reconhecer sua importância individual dentro de um contexto coletivo. Ações individuais contribuem sim, e muito! Mas se a sua vontade for de voluntariado e colocar a mão na massa, o primeiro passo deve ser achar uma causa com a qual você se identifique. Uma vez identificada, é preciso que a logística caiba na sua rotina para que isso não seja um problema no futuro.

“Brasileiros mostram ter um pouco de pé atrás com as instituições, naquelas pesquisas que mencionamos. Temos medo de doar por medo, sendo que a maioria esmagadora das instituições são super sérias. Vai conhecer, vai ouvir, vai conversar com as pessoas dessas instituições, vai entender de que maneira você pode apoiar e assim você vai confiando”, relembra Marcelo.

Comprometimento deve ser regra, a pessoa deve estar comprometida como se fosse um trabalho remunerado, afinal, as pessoas envolvidas precisam de você ali. “As pessoas usam como desculpa não terem tempo para ser voluntário e o Drauzio mesmo está aí toda semana no presídio, mesmo com a agenda atribulada dele. Ele é um exemplo vivo de como o voluntariado é transformador para todos os lados e é possível de ser feito. É um compromisso de vida e é esse compromisso que a gente precisa ter”, diz.

“Parece que nesse país, tudo que é público ninguém cuida. Se é público, é de todos, a gente tem que cuidar. Então é esse tipo de cultura que tem que mudar. A gente se encaminha pra ter uma sociedade muito melhor de viver”, conclui Marcelo. Inspire-se a ser agente de mudança, você é parte do que espera ver no mundo ao seu redor e cada ação importa. Engaje-se!

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Para Inspirar

Carolina Farani em "Eu venci a guerra que eu travava contra mim mesma”

Inspire-se com o episódio de Mente da décima oitava temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir!

1 de Dezembro de 2024



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Carolina Farani: Quando eu vejo meninas com transtornos alimentares, a minha vontade é de falar que tem uma luz no fim do túnel. Ainda bem que os padrões de beleza tão mudando, mas a pressão social pela magreza ainda existe com muita força. E essa pressão quase acabou comigo. Eu vi a morte de perto, porque o meu objetivo era emagrecer até morrer.
 

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Geyze Diniz: Carolina Farani desenvolveu transtornos alimentares na adolescência que foram desencadeados pelo bullying que sofria na escola. O tratamento foi longo, mas Carolina conseguiu com o apoio da família e acompanhamento médico recuperar não só sua saúde, como sua identidade, sua autoestima e a vontade de sonhar. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Carolina Farani: Eu me mudei de Salvador pra Santos, no litoral de São Paulo, com 12 anos. Quando meu pai me contou que tinha recebido uma proposta de trabalho, eu senti medo e euforia. Era um mix de sentimentos, de querer e ao mesmo tempo de não querer ir pra outro estado. Por um lado, eu sabia que ia sentir saudades das minhas amigas. Mas por outro, era legal a ideia de conhecer um lugar diferente e fazer novas amizades.

Só que no primeiro dia de aula eu já percebi que não ia ser fácil me enturmar. Assim que eu abri a boca pra falar o meu nome, eu senti o preconceito. Carolina. Mas como eu falava na época: ‘Carolina’. Em quatro sílabas, meus colegas perceberam que eu era nordestina. Naquela época, começo dos anos 2000, ninguém falava em bullying, muito menos em xenofobia. Eu nem fazia ideia que essas palavras existiam. Mas descobri na pele o significado delas.

[trilha sonora]

Eu não podia abrir a boca, que alguém imitava o meu sotaque. Se falavam comigo, era tipo assim: “Ôxe, mainha”, “Vixe, mainha”. Eu nunca nem chamei minha mãe assim. Mas, pros alunos da classe, isso não tinha a menor importância. Era tanta perseguição, que eu comecei a tentar mudar o jeito de falar, treinando em casa olhando pro espelho. Não adiantou nada. A turma pegou implicância comigo e eu fui acusada de roubar uma prova que sumiu. Até o professor acreditou nesse boato, um absurdo.

Daí inventaram que eu tinha um caso com um moço que trabalhava na escola. O motivo: ele era nordestino. Ele era o rapaz da cantina que vendia o lanche. Mas, de repente, ele virou o meu namorado. A fake news foi tão pesada, que a psicóloga da escola me aconselhou a parar de frequentar a lanchonete. Um tempo depois, este moço foi demitido. Não sei exatamente por quê.

Meu irmão, que é dois anos mais velho do que eu, também passava pelo mesmo processo de adaptação na escola de forma nada agradável. Ele se isolou, e demonstrou estar estressado e meus pais focaram em ajudá-lo. Eu, por outro lado, percebendo a preocupação deles, não quis amolá-los com o que eu sentia. Portanto, me fechei, e comecei a descontar a tristeza na comida. Ganhei em torno de vinte quilos a mais. Ou seja, além da minha origem, passaram a implicar com o meu corpo e com a maneira que eu me vestia.

Eu comecei a ter muita vergonha de falar em sala, minhas notas despencaram e começaram a me chamar de ignorante. O ataque agora era falar que todo nordestino é burro. Chegou a um ponto em que eu não tinha mais identidade. O meu apelido na turma passou a ser Ana ou Aninha, de baiana, baianinha. Percebendo que eu era minoria e queria tanto pertencer ao grupo, que eu aceitei ser chamada assim. Mesmo odiando.

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Quando eu completei 18 anos, eu fiz uma cirurgia de redução das mamas, já que por conta do meu sobrepeso eu tinha muita dor nas costas. Na consulta pré-operatória, o médico falou assim: “Olha, eu vou ser bem franco com você. Você tem que emagrecer e tem que fazer ginástica, porque desse jeito o seu fígado vai virar uma pasta”. A partir disso, comecei a me preocupar com minha aparência e saúde.

Eu entrei na academia e comecei a excluir alguns alimentos da minha dieta. Era tipo assim: feijão dá gases, então tira o feijão. Arroz tem calorias, então corta o arroz. Depois tirei o pão, a carne, o leite, as frutas. E assim foi até chegar ao extremo de passar cinco dias sem comer nada, só bebendo litros e litros de água. Ao mesmo tempo, eu passava horas e horas na academia, com um plástico filme enrolado na barriga, pra queimar mais gordura.

Coincidiu que, nessa época, eu acabei o Ensino Médio e entrei na faculdade de propaganda e marketing. A minha vida melhorou um pouco, porque pelo menos eu parei de ser perseguida. Eu tinha me tornado uma pessoa retraída, cheia de traumas, mas consegui fazer amizades com um grupo de 9 meninas.

Só que nessa mesma época, os traumas que ficaram dentro de mim, emergiram, trazendo a questão do ser aceita em um grupo. Eu encarei aquilo como uma nova oportunidade de se refazer, porém eu não sabia lidar direito com as pessoas – por conta das coisas que eu sofri. Foi no segundo ano de universidade que se via uma modificação notória em minha aparência.

Minha pele era amarelada e meu cabelo começou a cair e ficar ralo. Com 21 anos, eu cheguei a pesar 32 quilos. Mesmo assim, eu tinha uma imagem distorcida e me enxergava gorda no espelho. Frequentava lojas de roupas infantis, porque as de adulto não cabiam em mim. Teve um dia que eu coloquei uma saia e uma das colegas percebendo minhas pernas muito finas, falou o seguinte: “Carol, você não tá muito magrinha, não?”.

Eu neguei, disse que estava bem. Mas era mentira. Eu estava mal para caramba. Eu sentia tanta tontura que às vezes eu saia da aula porque não conseguia raciocinar. Eu cheguei a me perder no caminho da faculdade pra casa, por causa da confusão mental. Teve um dia que as meninas combinaram um café da manhã na república de uma delas, mas eu não fui. Eu menti que me atrasei e só encontrei as meninas na aula.

Quando eu cheguei na faculdade, uma delas, a Priscila, me falou: “Eu guardei um pedaço de bolo que eu fiz especialmente pra você, Carol”. Aí ela me deu o tupperware na frente de todo mundo. Eu agradeci, guardei o pote na mochila e fui pro banheiro. As 9 meninas foram atrás de mim e me prensaram naquele cubículo, perguntando porque eu não comia. A Fernanda, que era a mais esquentada, falou na lata: “Qual o seu problema, Carol? Você tá magra demais, não come nada. Você tem alguma doença?”.

 Eu comecei a chorar e, pela primeira vez, falei que precisava de ajuda. Eu expliquei que eu não sabia por que eu estava comendo tão pouco. Contei que me achava gorda, que me sentia sempre cansada e que pensava em suicídio. As meninas me aconselharam a falar a verdade pros meus pais, mas eu não falei nada.

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Eu estava tão magra, que não tinha força pra andar direito. Eu me lembro que uma vez fui pra um restaurante com a minha família e me apoiei nos meus pais pra conseguir caminhar, tipo uma bengala humana. Quando a gente entrou no restaurante, todo mundo olhou pra gente. Meus pais ficaram super incomodados e meu irmão começou a gritar com uma família que estava sentada numa mesa. Só anos depois eu descobri o que tinha acontecido. Alguém dessa mesa aí comentou que eu tinha AIDS.

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A primeira pessoa a nomear a minha doença foi uma professora da academia.

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Um dia ela me perguntou se eu estava me alimentando. Eu respondi que estava um pouco inchada. Aí ela falou: “Você se acha inchada?”. Eu respondi assim: “É, preciso emagrecer alguns quilos a mais”. Nesse mesmo dia, ela ligou pra minha mãe e falou que eu tinha anorexia.

Eu estava assistindo TV, quando a minha mãe entrou no meu quarto muito brava perguntando: “Você tá doente!? O que que você tem?!”. Ela ficou horrorizada com o telefonema da professora e me proibiu de frequentar a academia. A maior indignação era com ela mesma, por ser médica e não ter percebido o que estava acontecendo comigo.

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A minha mãe me levou num psiquiatra especializado em transtorno alimentar. Depois dessa primeira consulta ela se ligou que a doença era grave e cuidou de mim durante o tratamento. Ela diminuiu o ritmo de trabalho pra poder fazer refeições comigo, um hábito que a gente não tinha mais. A reintrodução alimentar foi muito difícil. No começo, quando eu tentava comer, passava mal e vomitava. Daí a nutróloga me ensinou a comer de pouquinho. Uma colher de chá de arroz no almoço. Uma lasquinha de bife.

A nutróloga me explicou assim: “Sabe as crianças desnutridas da Somália? Você sabia que não pode colocar alimento de uma vez que elas podem até morrer? Então, não se sinta culpada se você não conseguir. Eu só quero que você tente e me conte sobre tudo que você fizer. O negócio é tentar, Carol”.

O tratamento incluía duas sessões por semana com uma psicóloga, mas no começo eu não falava nada. Eu só fui começar a me soltar quando a psicóloga encontrou um jeito de se comunicar comigo: pela escrita. Eu contei que gostava de escrever quando era criança e daí ela me deu um caderno. Ela pediu pra eu escrever tudo que se passava pela minha cabeça. Nos momentos em que eu tivesse mais desesperada, era pra desabafar o que eu estava sentindo. Foi só nessa fase que eu comecei a elaborar o estrago causado pelo preconceito na escola.

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Depois de dois anos de tratamento, dando passos de formiguinha, meu irmão veio pra Santos e me convidou pra almoçar no shopping com minha mãe. A gente foi a um restaurante por quilo e eu pedi um prato feito, que tinha arroz, brócolis e carne. Eu lembro que, quando coloquei o brócolis na boca, senti um gosto delicioso e a minha pupila até dilatou. O meu irmão ficou tão emocionado de me ver comer que levantou da mesa e foi pro banheiro chorar de felicidade. A gente até deu risada quando ele falou: “Eu não acredito que eu tô chorando porque você comeu um brócolis”.

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Esse dia foi muito marcante pra mim. Foi uma prova pra mim mesma de que eu era capaz de comer. Quando eu voltei a me alimentar, eu não recuperei só o peso e a saúde. Eu recuperei também a minha identidade e a vontade de sonhar. A minha mãe viu que eu estava pesquisando sobre a Austrália e me ofereceu um intercâmbio de um ano pra lá. Eu saí do Brasil com o aval do psiquiatra.

Ele me deu alta, mas me fez um alerta enfático quando me perguntou assim: “Você sabe que é uma doença crônica?”. Eu disse que não, daí ele me explicou: “Se você sofrer algum gatilho, o transtorno alimentar pode voltar”. Eu tive alguns momentos de compulsão e de bulimia na Austrália. Mas eu não deixei a coisa desandar e não cheguei nem perto de ficar tão magra e tão doente como eu fiquei em Santos.

É que eu tinha ganhado ferramentas e autoconhecimento pra lidar com a minha condição. Depois que eu voltei pro Brasil, não tive mais recaídas. Nem mesmo durante a gravidez. Hoje, eu tenho 39 anos e sigo uma alimentação equilibrada. Pensamentos viciosos sobre o meu corpo não me atormentam mais. As minhas preocupações agora são com a minha filha.

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Quando eu olho pra trás, eu sinto gratidão pelas pessoas que me apoiaram e por cada pequena conquista que tive ao longo do caminho. O processo foi doloroso, mas me fez renascer mais forte. Eu aprendi que a minha batalha não era apenas contra a balança ou a comida, mas por um amor próprio que eu precisava redescobrir. Esse amor me permitiu recuperar o brilho nos olhos, o prazer de compartilhar uma refeição e a coragem de ser quem sou. Mais do que vencer um transtorno alimentar, eu venci a guerra que eu travava contra mim mesma.

Hoje, eu não busco um corpo perfeito, mas uma vida equilibrada e feliz, em que me sinta bem na minha própria pele. Quando eu olho para minha filha, eu vejo que todo o esforço valeu a pena – por mim e por ela. Eu quero que ela cresça com a certeza de que o valor dela não está em um número, mas na pessoa que ela é. E se minha história puder iluminar o caminho de outras pessoas, então eu vou ter cumprido a minha missão. Porque a verdadeira cura é viver sem medo, com amor e aceitação.

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Geyze Diniz
: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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