Para Inspirar
Quase tão antiga quanto a humanidade, a religião teve papel importante ao longo dos séculos e ainda exerce efeitos positivos e negativos na nossa sociedade
14 de Abril de 2023
O último episódio da décima primeira temporada do Podcast Plenae fica por conta do publicitário Nizan Guananes, representando o pilar Espírito. Em sua narrativa, pudemos perceber que a religião, ainda que nunca incentivada dentro do seu lar, foi algo que brotou nele espontaneamente - como devem ser os sentimentos relacionados à fé. Ela também foi sua poderosa aliada em momentos difíceis.
“Nessa minha redescoberta da religião, eu aprendi que a Bíblia não é só um texto. Ela é uma palavra viva. Você lê uma passagem num dia e ela não te diz nada. De repente, você lê o mesmo trecho em outro dia e… abracadabra! Parece que a cabeça se expande. A Bíblia é quase um metaverso”, reflete ele, que conta ter ligação com a Igreja Católica mas também com o Candomblé, crença que explicamos melhor neste artigo.
A origem da palavra
A palavra religião existe no dicionário da língua portuguesa aproximadamente desde o século XIII, mas sua origem ainda é cercada por dúvidas. Há algumas hipóteses. A primeira delas - e provavelmente a mais aceita -, é a de que a palavra vem do latim religio, que significa “louvor e reverência aos deuses”, segundo o Dicionário Etimológico.
Porém, outros estudiosos acreditam que a palavra tenha surgido a partir da junção do prefixo re. Ele funciona como uma espécie de intensificador da palavra que o sucede, ou seja, neste caso ligare, que significa “unir” ou “atar”. Dessa forma, religare teria o sentido de “ligar novamente”, “voltar a ligar” ou “religar” o humano com o que era considerado divino.
Uma terceira teoria ainda diz que foi a partir do verbo latino relegere que se deu a origem da palavra religião. Relegere significa “reler” ou “revisitar” e foi associado ao ato da constante releitura e interpretação dos textos bíblicos e sagrados para que os religiosos pudessem seguir os desejos das divindades que veneram da forma mais fiel possível.
Independente de sua origem, o fato é que hoje a religião é o conceito que define “um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que a humanidade considera como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças”, ainda segundo o mesmo dicionário. E são muitas crenças espalhadas pelo mundo!
Mergulhando mais fundo
Gordon Melton, fundador do Instituto para o Estudo da Religião Americana e editor da "Enciclopédia das Religiões Americanas", calcula que a cada ano surgem de 3000 a 4000 novas religiões no mundo - ou seja, por volta de dez por dia. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, ele diz acreditar que dessas novas que surgem, de 1000 a 2000 desaparecem anualmente.
"As pessoas fazem releases dizendo que fundaram uma nova religião, mas não fazem releases para contar que elas morreram. Quando usamos o termo religião, o usamos como o equivalente de denominações cristãs. Há entre cerca de 40 mil e 60 mil religiões diferentes no mundo. Pode-se dizer cerca de 50 mil, a grosso modo", afirma Melton ao jornal.
Segundo Christopher Partridge, da Universidade de Chester (Reino Unido) e editor do "Dicionário de Religiões Contemporâneas no Mundo Ocidental", mais da metade dessas religiões seriam variações do cristianismo. "Há 33.830 diferentes denominações cristãs, por exemplo: catolicismo romano, assembleias de Deus, metodismo. Também deve ser observado que algumas religiões são confinadas a áreas geográficas específicas e, às vezes, a grupos étnicos únicos”, diz ele à Folha.
Mas esses são números estimados, pois há uma dificuldade intensa em fazer um levantamento real sobre isso. São vários os motivos para essa dificuldade, mas principalmente porque é difícil cravar o que é uma religião em si. “Se estabelecemos o critério do que constitui uma ‘grande religião mundial’ como a presença em mais de um único país, há talvez apenas 22 grandes religiões mundiais, incluindo, é claro, cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo e hinduísmo", diz Christopher.
As novas religiões, continua o artigo, costumam refletir a época em que surgem. Se nos anos 50, houve um "boom" de religiões em que deuses e anjos eram seres de outros planetas, hoje há uma tendência em várias religiões de vincular a proteção ao ambiente à espiritualidade. Como o Panteísmo, que te contamos neste artigo.
Apesar de serem várias as religiões, das mais conhecidas e outras menos - como essas que desmembramos por aqui -, o fato é que os jovens atuais são mais “sem religião” do que antigamente - sejam ateus ou agnósticos - e já superam o número de católicos e evangélicos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, como conta o jornal BBC.
No Censo de 2010, os sem religião eram 8% da população brasileira, ou mais de 15 milhões de pessoas. Esse percentual vem crescendo década após década: os sem religião eram 0,5% da população brasileira em 1960, 1,6% em 1980, 4,8% em 1991 e 7,3% em 2000. Dados mais recentes, do Datafolha de 2022, trazem que, entre os jovens de 16 a 24, o percentual dos sem religião chega a 25% em âmbito nacional.
O impacto na sociedade
Esses números são importantes porque trazem o que parece ser o início de uma decadência na força que a religião sempre teve através dos séculos. Em “Sapiens: uma breve história da humanidade”, o historiador Yuval Noah Harari menciona ainda nos primeiros capítulos como a capacidade de crer é uma espécie de “superpoder” humano que nos impulsionou a conquistar territórios e estreitarmos laços.
Quando começamos a constituir sociedades mais elaboradas, ali estava ela: a religião. Dos Egípcios antigos, passando pelo Império Romano. Da Idade Média, feudalismo e até os dias de hoje, quando ainda infelizmente testemunhamos guerras em nomes de Deus, sejam elas por território ou outros motivos.
Ela já ditou leis, hierarquizou papéis, uniu e afastou. Em nome dela, templos foram erguidos e ajudam a contar um pouco da história do mundo. Em seus escritos, também observamos uma parcela do que já fomos e, com isso, conseguimos entender o que somos hoje em dia.
Sua importância pode ir desde fazer com que um indivíduo específico se sinta bem ao realizar sua “fézinha” - como nos esportes, que te contamos aqui -, até mesmo trazer força e esperança para toda uma comunidade. Ela pode acolher em centros sociais e servir de casa para quem não tem uma e também pode oferecer uma visão de mundo mais unido e pacífico.
Independente de qual o propósito por trás de uma religião específica - e comentamos aqui sobre esse tema -, até mesmo a ciência, antagonista milenar desse tema, estuda de perto alguns efeitos da fé, como seus efeitos no cérebro que te contamos aqui, ou os efeitos da Antroposofia, que também te trouxemos em artigo.
Como mencionamos anteriormente, a religião fala muito sobre o momento atual em que aquela sociedade se encontra, e ela também vai se modificando com o tempo para se adequar às novas normas. É o caso do Papa Francisco, conhecido por suas declarações “modernas” em comparação aos discursos da Igreja Católica.
Apesar de julgado por uma parte mais conservadora e tradicional da instituição, ele é aclamado por outra parte que acredita que seu posicionamento mais “pop” pode aproximar justamente os jovens que vêm se distanciando cada vez mais. As redes sociais também têm seu papel, sobretudo no que diz respeito a desmistificar antigos preconceitos em torno de algumas crenças historicamente perseguidas, como islamismo, judaísmo e ou umbandismo.
Ela também parece ter popularizado mais correntes como o budismo, que dentre suas práticas incentivadas, está a meditação. A atividade meditativa é um assunto à parte, exaustivamente trabalhado aqui no Plenae e que vem ganhando muitos adeptos nas últimas décadas.
Seja você deísta ou agnóstico, monoteísta ou politeísta. O importante não é o nome de sua religião ou seus ensinamentos, mas sim, a fé que te move a fazer coisas boas e buscar ser sua melhor versão. A força de sua fé não pode funcionar como um julgamento para a atitude alheia. É preciso que ela seja como um fogo que não queima, mas sim, aquece quem se aproxima.
Para Inspirar
Há diferentes abordagens para se tratar de um mesmo tema: o rompimento desnorteador que a perda de alguém pode significar na vida de um indivíduo
29 de Novembro de 2020
Não é preciso consultar um dicionário para saber o que significa a palavra luto. Mas, segundo o dicionário Michaelis , ele pode corresponder desde um tipo de pano usado em momentos fúnebres, até “o aspecto tristonho das coisas”. Todas as seis definições que o dicionário relata apontam para um mesmo sentimento: a mágoa profunda proveniente de uma perda.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, escreveu um de seus textos mais densos e estudados de toda a sua obra, “Luto e Melancolia” (1917), onde cravou-se o termo Trauerarbeit , que significa “o trabalho do luto”.
Nesse escrito, Freud também implica uma denominação “oficial” ao que se dizia o luto: “a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante”.
Apesar da notoriedade que o artigo conquistou, ele não era novo no repertório de Freud. Dois anos antes, em 1915, o psicanalista já tratava dos temas morte e perda no seu escrito “Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte”. É nele que Freud traz à luz a questão da compreensão da morte do outro, e como nossos afetos estão implicitamente interligados à isso. É o que torna a morte de um ente querido muito mais insuportável do que a de um inimigo, por exemplo.
De lá para cá, o tema já foi amplamente estudado. Isso porque, enquanto vivermos, haverá perdas - tanto físicas quanto simbólicas - sendo a perda então inerente à existência humana. Mas ainda gera tabu, como contamos
nesta matéria.
Para a psicóloga clínica especialista em luto, Juliana Picoli Santiago, “o luto é uma resposta natural e esperada diante de um rompimento de um vínculo emocional, afetivo que seja significativo para uma pessoa. Ao longo das nossa vida, vivemos alguns lutos, como o crescimento, as transições, rompimento afetivo, mudança de cidade ou país. Tudo aquilo que tem um vínculo afetivo e passa uma situação de rompimento, traz consigo essa resposta, que é o luto”.
Sendo assim, estamos constantemente expostos - e isso não significa que devemos superar algo, mas sim, aprender a conviver justamente com as dores que se foram e as que virão.
Expor os fatos a grosso modo pode parecer cruel e até um pouco mórbido. Mas a verdade é que, uma vez que se enxerga o luto como parte natural da complexidade dos sentimentos humanos, torna-se mais palpável lidar com ele também. E o que isso quer dizer? Não é que será mais fácil, mas será necessário senti-lo em toda a sua integridade para que haja algum avanço para além da tristeza paralisante.
“A morte de um ente querido é a experiência mais desorganizadora que um ser humano pode viver no seu ciclo vital. Quando vivemos o luto, vivemos a queda do mundo presumido, ou seja, aquilo que dá para nós o conforto e a segurança de que as coisas são de uma certa maneira aquilo que nos coloca no mundo e nos faz viver. E o vínculo é na sua base e excelência a busca e também o oferecimento de proteção e de segurança" explica Juliana.
Esse vínculo é o que nos mantém vivos, afinal, o ser humano é um ser vinculado e sociável por essência. Mas é justamente o fator que nos faz ser quem somos que também nos joga em um poço fundo. Perder vínculos é também perder-se junto, ainda que momentaneamente.
O ano era o de 1969, e a psiquiatra nascida na Suíça e especialista em cuidados paliativos, Elisabeth Kübler-Ross, escrevia o livro que seria um marco na sua carreira e nos estudos sobre luto, “Sobre a Morte e o Morrer”. Nele, por meio de entrevistas com pacientes terminais e suas famílias, Elisabeth cravou o que denominou como sendo os estágios comuns do luto.
Eles são amplamente conhecidos até mesmo pelo público leigo: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação - nem sempre nessa mesma ordem, mas obrigatoriamente enfrentando todas elas em algum nível. O que caracteriza essa linha de pesquisa é sobretudo uma promessa de “cura” ao final do processo. Ou seja, uma vez enfrentado os cinco estágios, você está “curado” dessa perda.
“Na clínica contemporânea, já existem muitos psicólogos que trabalham de outra forma, que é pautado no modelo da teoria do apego, do John Bobe. Ele diz que a dor do luto é correspondente a experiência do vínculo. Nós lidamos com essa dor a partir da forma como nós nos vinculamos com alguém”. Lembra de Freud e seus escritos de 1915, sobre a relação da dor da perda X nossos afetos em relação o falecido? É bem por aí.
E é justamente essa maneira que nós nos vinculamos com o mundo e conosco é o que nos dá base suficiente para dar base de integrar os lutos da vida. “O luto não acaba, o luto está integrado. Isso significa que há a capacidade de se encher novamente de novos significados apesar de ter vivido tão dolorido” diz ela.
O luto, portanto, não desaparece após um belo dia. Ele se torna parte da complexa rede de sentimentos que um único ser humano pode sentir, saindo de sua fase mais aguda para se tornar parte de quem somos.
Em seu episódio para o Podcast Plenae
, Veruska Boechat relata ter percebido que “o luto não é linear: você tá péssima, depois fica média e depois boa pra sempre. Não. Um dia tá bem, no outro mal, no outro pode ficar bem de novo, e assim vai".
Essa não é uma percepção somente dela, mas sim, um processo comum para os enlutados. Justamente por ser ter desconcertante, ele leva um tempo para ser significado dentro de nossa psique - e esse tempo é individual de cada um. “Cada sujeito vai viver o luto de uma maneira diferente, às vezes até dentro de uma mesma família, integrantes vão viver de forma particular. Mas pode-se afirmar que todos os aspectos da experiência humana vão sentir” diz Juliana.
Ao contrário do que muitos pensam, a memória deve sim ser explorada, justamente para combater o que a psicanálise chama de “recalcamento” - que é a tendência que a nossa mente tem de lidar com apenas reminiscências de um acontecimento muito estressante, ou seja, fragmentos que podem ser até manipulados por nós de forma inconsciente.
“É adequado que nós possamos falar sobre a pessoa que se foi, sobre sua história, não se deve evitá-la. É importante que possamos trazer ao nível da palavra aquilo que nos traz significado. E muitas vezes, dar significado a uma perda, está necessariamente ligado ao poder falar sobre o que aquela pessoa significava, trazia na sua experiência e no seu papel pra vida de quem ficou” explica a psicóloga.
As redes de apoio, como mencionamos nesta matéria, também são absolutamente necessárias como parte do processo. Saber respeitar o que se vive é importante. “Muitas pessoas confundem a dor de um luto agudo com um quadro depressivo. Luto inclui saudade, tristeza e dor - o luto dói e é natural que doa” diz.
Mas estar atento ao nível desses sintomas é importante, para que eles não se tornem incapacitantes a longo prazo. Por isso, outro passo importante para a vivência do luto é procurar ajuda profissional caso sinta essa necessidade. “Uma dica de ouro é tomar cuidado com o sono. É um fator de proteção à essa pessoa, pois quando regulado, dá uma capacidade muito maior de viver um processo de integração de situações que incluam dificuldades emocionais” conta.
Por fim, estar consciente de que a jornada é interna e intensa, um mergulho dentro de si e “da própria percepção de temporalidade” como crava Juliana. Entender que não há como falar de vida sem falar de morte, e não há como falar de morte - mesmo a mais abstrata delas - sem falar de luto.
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