Para Inspirar
Entenda os benefícios dessa prática que é quase tão antiga quanto a humanidade e porque ela é tão positiva para a nossa mente
9 de Junho de 2023
Você certamente já ouviu ou contou uma história ao longo de sua vida - é impossível passar imune a essa experiência. No Podcast Plenae, o objetivo é literalmente contar histórias que te façam refletir sobre a sua jornada. Daí o seu nome: Histórias para Refletir.
Por lá, já acumulamos mais de 60 histórias inspiradoras, sem data para acabar. Nessa décima segunda temporada, conhecemos a trajetória do renomado surfista Carlos Burle que, dentre os vários temas relevantes que ele comentou, um em particular marcou: o poder de saber contar uma história.
Esse poder, no caso de Burle, era focado em fortalecer o seu esporte e quebrar todo o preconceito que havia ao redor dele. Contando para o mundo de forma coesa e sincera, as pessoas se aproximariam do surfe e entenderiam mais, deixando para trás velhos estigmas.
Mas, e em outras frentes da nossa vida? Qual o benefício de contar histórias? É sobre isso que vamos falar a seguir!
Por muito tempo, a linguagem oral era a única linguagem que o ser humano tinha à sua disposição. Havia, é claro, a linguagem corporal, para que um semelhante entendesse aquilo que o outro estava passando sem sequer falar. Esse tipo de comunicação é tão automático e espontâneo que nem mesmo nos damos conta do que estamos fazendo e o que estamos demonstrando com o nosso próprio corpo.
Já a linguagem oral não entra nessa dinâmica. Há sempre uma intenção por trás dela. Você precisa raciocinar, ainda que por um milésimo de segundo, antes de formular uma frase. Isso, por si só, já a difere da linguagem corporal. Mas, mais do que isso, ela se tornou uma ferramenta. A comunicação e o poder de contar histórias nos levou longe, como conta o antropólogo Yuval Noah Harari, em “Sapiens: uma breve história da humanidade”.
Segundo Priscila Gabriele Martins Silva, mediadora do Núcleo de Ações Educativas e Acessibilidade da Universidade Federal de Minas Gerais, o ato de ouvir e contar histórias contribui muito para o desenvolvimento do pensamento crítico dos sujeitos. Em artigo, ela relembra um pouco da história da própria história.
“Nos tempos antigos, era comum as pessoas se reunirem ao redor do fogo para contar histórias. Até hoje, podemos encontrar nas calçadas, nas praças, na casa dos parentes e vizinhos e durante as festividades, pessoas contando e repetindo histórias, preservando velhas tradições e costumes. Em muitas culturas africanas, por exemplo, o hábito de contar e escutar histórias é uma atitude que se mantém valorizada e ensinada de pais para filhos”, diz.
O cientista social e professor universitário Luis Mauro de Sá Martino reforça essa ancestralidade da história em vídeo para a Casa do Saber. “Contar histórias é uma das atividades mais antigas da humanidade, e nós fazemos isso por várias razões. Uma delas é nos sentirmos parte de alguma coisa, justamente quando a gente precisa saber quem a gente é, da onde a gente veio, não só no sentido individual, mas também como grupo, como profissão e até mesmo como país”, reflete.
Para ele, o que chamamos de realidade nada mais é do que um grande entrelaçado de histórias, sejam as pequenas ou as grandes, porque cada vez que se conta algo, estamos produzindo um conhecimento e criando um pedacinho da realidade. “Por exemplo, a começar do seu nome. O seu nome tem uma história, os seus pais não deram esse nome pra você aleatoriamente, eles têm uma razão. E, quando isso aconteceu, você sem saber já foi envolvido ou envolvida em uma história: a história do pertencimento à sua família”, diz ele.
É também contando e ouvindo histórias que resgatamos nossas memórias culturais e afetivas, fundamentais para descobrir quem somos e como lidamos com os outros - como conta a Priscila. “Diz-se muito que as pessoas que desenvolvem bem a habilidade de ouvir se tornam pessoas mais capazes de lidar com as diferentes questões do cotidiano. É aprendendo com as experiências dos outros que construímos melhores experiências no futuro”, pontua.
Por fim, a história nos coloca em uma posição ativa perante a vida, uma atitude intencional de analisar os fatos, organizá-los e então, produzir uma narrativa a respeito dele. A história tem o valor cultural, pessoal e educacional - e tudo de maneira sutil, sem que a gente perceba.
Ao contar um fato ou ouvir, várias áreas do seu cérebro são ativadas. Como explica este artigo no UOL, esse mecanismo é semelhante a um quebra-cabeça, onde peça por peça se encaixa dentro de suas próprias ideias e experiências e assim, a assimilação de fatos melhoraram o poder de fixação na sua mente.
A atividade é tão intensa e complexa que há até mesmo um nome para esse processo: neural copling, ou acoplamento neural, em tradução livre. É ele que faz com que todos os envolvidos naquela história - do narrador aos ouvintes -, experimentem as mesmas sensações, pois as atividades cerebrais são similares.
Mas, antes, é preciso dar um passo para trás, já que essa dinâmica se inicia ainda nos olhos. Isso mesmo, as informações que captamos por meio do olhar e, aí sim, são encaminhadas para diferentes partes do córtex visual, uma região específica do cérebro.
Em seguida, essa mensagem captada é enviada para outra região cerebral: o córtex frontal, aquela região que já te contamos em outros artigos ser a responsável pela cognição, comportamento social e tomada de decisões. Ele recebe informações que são chamadas de operacionais e que são de curto prazo, para serem utilizadas de forma imediata.
Essas informações são encaminhadas ainda para uma terceira região do cérebro: o hipocampo. Ele é que será o responsável pelo armazenamento, dessa vez a longo prazo, dessas informações. E será ali também que fatores emocionais individuais serão vinculados às informações ouvidas, para que elas possam ser reativadas quando precisamos lembrá-las.
Esses fatores emocionais nos auxiliam no processo de memorização e são formados por conexões neurais localizadas na amígdala, uma estrutura muito pequena em nosso cérebro, mas a responsável pelo processamento e regulagem de nossas memórias, emoções, estruturação e armazenamento de recordações.
Quando então processamos os fatos e histórias que escutamos depois de todo esse processo, duas áreas do cérebro são, por fim, ativadas: a broca (responsável pela produção da linguagem) e wernicke (responsável pelo conhecimento, interpretação e associação das informações) - sem contar as outras áreas que uma boa história pode ainda ativar.
Parece complexo - e é! Mas, é um processo automático e extremamente rápido que não nos damos conta de que ele está acontecendo. É por isso que você pode se emocionar, ficar eufórico ou até irritado ouvindo algo: esse mecanismo tem como destino final as suas emoções e a criação de memórias e significados na sua mente.
É como aprender matemática: nem tudo que você ouviu em sala de aula será de fato utilizado em sua vida, mas tudo contribuiu para a formação do seu raciocínio a longo prazo. Somos constituídos pelas histórias que ouvimos, tanto a nível emocional, cultural, comportamental, cerebral, individual e até como sociedade. Por isso mesmo, trata-se de uma atividade milenar e que faz mais parte da sua vida do que você imagina!
Para Inspirar
Na quinta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, inspire-se com a fé generosa de Fafá de Belém
13 de Junho de 2021
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
[trilha sonora]
Fafá de Belém: A primeira vez que eu senti uma grande manifestação Divina foi na minha Primeira Comunhão. Eu tinha uns 9 anos. Fiz a confissão sozinha, solitária, e fui orar. Em determinado momento, era como se eu não estivesse ali. Eu me lembro perfeitamente. Essa sensação se repetiu várias vezes na minha vida. Senti isso na igrejinha onde os 3 pastorinhos de Fátima foram batizados, em Fátima, Portugal. Senti em Santiago de Compostela, na Espanha. No Círio de Nazaré, em Belém do Pará, também é assim. De repente, eu começo a chorar sem saber o porquê. Na Porciúncula, em Assis, na Itália, o choro foi tão intenso, que eu não conseguia me controlar. Morri de vergonha, porque eu urrava. Vem uma onda de frequência Divina tão alta, muito, muito, muito alta, que me arrebata.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Ela nasceu como Maria de Fátima, nome em homenagem a uma promessa à Nossa Senhora de Fátima. Mas depois se tornou Fafá de Belém, em homenagem a sua terra natal, Belém do Pará. Fafá é peregrina, devota e, acima de tudo, dona de uma trajetória de fé que vai desde seus encontros com Papas, até suas conversas íntimas com Nossa Senhora de Nazaré.
Mergulhe na emocionante trajetória de fé e espiritualidade de Fafá de Belém. Ouça, no final do episódio, as reflexões do rabino Michel Schlesinger para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
[trilha sonora]
Fafá de Belém: A minha relação com a fé começa antes de eu existir. Quando o meu pai tinha 7 anos, em Portugal, na década de 30, ele teve febre tifóide. Foi desenganado pelo médico e recebeu a extrema unção. E uma tia dele muito, muito religiosa, estava voltando de Fátima e então ele fez uma promessa pra Nossa Senhora. Ele beberia a água do Santuário e se recuperaria e a primeira filha que ele tivesse seria dela.
Eu acredito que nós temos um Deus interior muito, muito poderoso, que é a fé. Ela empurra a gente pra frente, mesmo quando todo mundo diz que não tem luz no final do túnel. Qualquer fagulha de um fósforo se apagando é luz, e luz é esperança. O meu pai criança tinha essa fagulha divina, de que ele ficaria bom bebendo a água de Nossa Senhora de Fátima, que já vinha carregada de emoção e fé. Ele se recuperou, teve 3 filhos antes de mim, meus irmãos, e eu fui obviamente dedicada à Nossa Senhora de Fátima, que me acompanha desde então.
[trilha sonora]
A minha relação com a fé é ainda mais forte, porque eu nasci em Belém do Pará, a cidade com a maior procissão mariana do mundo: o Círio de Nazaré. O Círio acontece no segundo domingo de outubro, desde 1793. A fé do paraense é tão próxima e poderosa que, quando chega final de setembro, ela é quase palpável. A frequência de Belém muda. É como se a cidade inteira brilhasse, num estado de amor absoluto.
A relação que qualquer paraense estabelece com a fé não é do medo, nem da punição. A nossa fé é FELIZ. Nós temos uma amiga, uma companheira, uma mãezinha, uma confidente que nos ouve, pra quem nós confessamos o inconfessável, pra quem nós pedimos o que não se pode pedir pra ninguém. Ela é Nossa Senhora de Nazaré. Ela é tão próxima de nós, que ela é Naza, Nazinha, Nazarezinha, Nazoca, e até Nossa Senhora de Nazaré, pra quem não tem muita intimidade. Eu entendo também que a fé não tem nada a ver com religião.
O primeiro Círio de Nazaré a gente acompanha no colo de alguém, vestidinho de anjo. No segundo, você vai com alguém te segurando, sentadinho numa varanda ou numa cadeirinha, vestidinho de anjo, com a sua coroa. Pelo resto da vida INTEIRA, todos nós paraenses temos um grande amor pelo Círio. Eu participei de todos, nos meus 64 anos. Quando eu não podia tá lá presencialmente, alguém me avisava pelo telefone: “Lá vem a Santa! A santa tá chegando!”. Aí eu me ajoelhava, onde quer que estivesse. Cantava o hino Vós Sois o Lírio Mimoso, rezava uma Ave Maria, agradecia à saúde, à família, aos amigos, pedia paz, pedia amor. Depois da internet, eu podia acompanhar virtualmente. Mas sempre que foi possível, eu estive lá.
A igreja católica vai à frente do Círio, claro, mas a procissão é ecumênica. Todo mundo tá lá: candomblé, umbanda, muçulmano, judeu, espírita, e até os ateus. Entre os evangélicos, a Adventista de Sétimo Dia e a Igreja Batista abrem seus templos para distribuir água e receber peregrinos ou romeiros, que precisam de um acolhimento. Todos pedem bênçãos à Nossa Senhora de Nazaré, aquele ser de luz que passeia em forma de uma imagem, pequenina, pelos rios e ruas de Belém.
[trilha sonora]
Há 10 anos, eu organizo a Varanda de Nazaré, um espaço pra receber pessoas de outros lugares e mostrar pra elas a nossa fé alegre. Eu levo amigos, artistas, teólogos, jornalistas, intelectuais, pessoas que não necessariamente têm conexão com a espiritualidade. Eu quero que eles sintam o que é ver 2 milhões de pessoas em estado de fé, felicidade e gratidão.
O historiador Leandro Karnal escreveu que a Varanda de Nazaré foi uma das experiências mais bonitas que ele já teve. Ele, que já foi coroinha, mas é ateu, de repente rezando Salve Rainha e cantando todas as músicas religiosas, de Maria de Nazaré a Oração de São Francisco. Essa é a grande transformação do Círio. O Círio não exige nada de ninguém. Basta você estar aberto pra sentir a experiência.
Quem vai na procissão, diurna ou noturna, não consegue andar. Tem que soltar o corpo e sentir aquela grande onda que navega pelas ruas de Belém. O corpo não pode oferecer resistência, porque quem comanda o ritmo é a procissão. Isso, por si só, já é um poder muito grande. Todas as casas, prédios chiques ou simples, barracas de feira, comércios, todos têm o cartaz do Círio. A gente ouve histórias de cura, de livramento. Relatos de milagres temos todos os dias. Eu acredito que tudo que a gente quer com muita fé e que vem do fundo da alma acontece.
[trilha sonora]
Em 1995, eu tive um ano muito difícil. Profissionalmente foi ótimo, mas enfrentei o final de um relacionamento muito doloroso. Custei a me recuperar. E um ano depois, ainda abalada, eu estava em Portugal e fui passar uns dias na Itália com a minha filha, Mariana, uma amiga, Marluce e a filha dela, Roberta. Achei estranho, porque eu não estava conseguindo achar lugar em nenhum hotel. Mas finalmente conseguimos 2 quartos geminados, na Piazza di Spagna. Chegamos na quinta-feira e eu falei: “Meu Deus, que coisa linda tá a cidade”. E minha amiga, que é muito mais conectada do que eu, que sou muito desligada, respondeu: “Fafá, a gente tá na Páscoa! Na Itália, em Roma!”. Cara, eu estava passando por um período tão complexo, que eu nem me dei conta da data.
No dia seguinte, sexta-feira da Paixão, fomos jantar num restaurante próximo ao Vaticano, uma trattoria que eu adoro. E na saída, ouvíamos cantos gregorianos, cânticos, e fomos atrás daquele som que vinha pelas ruas. A gente foi andando até o Vaticano e aí, nas muralhas do Vaticano, nas arcadas, havia centenas de peregrinos com violão, outros só em coral, outros só abraçados acompanhando, cantando em louvor ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Estava uma Lua cheia, uma coisa linda, e nós voltamos pro hotel e eu fiquei com aquela imagem na cabeça. No sábado, a gente assistiu tudo pela televisão, a cidade tomada de gente e no domingo, domingo de Páscoa, eu acordei bem cedo, comecei assistir a missa pela televisão e eu disse: “Não, eu vou”. Tentei chamar a Mariana, acordar, não conseguia. Liguei pra minha amiga que também não atendia o telefone e a filha dela atendeu e disse: “Tia, eu vou com a senhora”.
Nós saímos correndo pela Piazza di Spagna, não tinha táxi, não tinha nada que nos levasse a lugar nenhum, e aí fomos a pé até o Vaticano. E foi incrível. Era uma concentração de fé tão forte, que me arrebatou fisicamente. Parecia que eu estava trocando de pele. Eu, que sempre tive grande admiração pelo Papa João Paulo II, porque eu acredito que ele foi o primeiro, pelo menos do que eu tenha memória, a não se colocar como Deus, mas como homem, de repente, ele apareceu na janela. Foi aquela comoção, gritaria, choro. Eu desejei do fundo da minha alma um dia abraçá-lo. E falei pra Beta, filha da minha amiga: “Tudo que eu queria na vida era um dia poder abraçar esse homem”.
[trilha sonora] Um ano depois, eu estava voltando de Angola, no dia 25 de agosto de 1997. Quando o avião aterrissou, peguei o celular e a caixa postal estava lotada. Tinha 10 mensagens de um amigo, muito amigo meu falando “Fafá, onde você tá!? O Papa quer falar contigo!” e coisas nesse tom, e eu achei que era aquela brincadeira "ninguém consegue te achar, é mais fácil falar com o Papa". Mas, a última mensagem era ele me dizendo numa voz mais séria: “Fafá, por favor, me liga assim que você pegar essa mensagem”. Eram 7h30 da manhã, ele é uma pessoa que acorda tarde, mas eu telefonei assim mesmo. Ele falou: “Graaaaças a Deus, porque eu não aguento mais tá atrás de ti. O Vaticano quer falar contigo”. E eu: “Você tá brincando comigo, né?”. Ele falou: “Não, não estou brincando com você. E eles queriam te fazer um convite. Mas o interlocutor disse que tem que falar com você antes, porque não se pode dizer ‘não’ ao Vaticano. E o Vaticano não pode retirar um convite feito”. Aí eu pensei: “Meu Deus do céu, só falta ser uma oportunidade pra eu assistir à missa do Papa! Eu falei com tanta gente pra descolar um convite pra ver o Roberto Carlos cantar pra ele!”. Nunca podia imaginar que o convite era pra EU cantar. Eu cantar pro Papa. [trilha sonora] Era 25 de agosto de 1997. E do dia 25 ao dia 4 de outubro, eu não tive uma noite completa de sono. Eu acordava a meia noite angustiada e incomodei todos os meus amigos. Eu tirava o tom, voltava com o tom, achava que estava tudo errado. Era muito, era muito pra mim. Sabe, uma menina, nascida na beira do Igarapé, em Belém do Pará, que tem Nossa Senhora de Fátima como a proteção desde antes de nascer, receber um convite do Vaticano. Aquele convite significava muita coisa. O Papa, naquele momento e naquele ano, estava reconhecendo a importância da mulher. E além do mais, ele era devoto de Nossa Senhora de Fátima. Eu queria aproveitar a oportunidade pra realizar meu grande sonho e dar um abraço nele. Pedi para a organização, pedi para a Guarda Suíça, mas todo mundo dizia que não podia, não podia, não podia. Aí, no dia do evento, aconteceu um negócio muito louco. Cheguei no Maracanã e dormi até a hora que eu tinha que subir no palco pra cantar. Quando eu comecei a cantar a Ave Maria, em determinado momento, eu não via mais o Maracanã. Eu via a campanha das Diretas. Eu via o povo brasileiro. Eu via o Brasil. E no intervalo do solo da orquestra, eu desliguei completamente e quando eu voltei, eu estava abraçada com o Papa. Eu voltei a mim, abraçada com o Papa, e lembrei que não podia, eu tinha aprendido isso, eu não podia, ajoelhei e beijei o anel dele. [trilha sonora] Eu fiquei fora do ar uns 3 ou 4 dias, em estado de êxtase. Eu via a cena pela televisão e chorava e me perguntava: “Por que eu?”. [trilha sonora] Eu sempre fui uma pessoa fora do convencional. Usava e uso decote, tenho uma filha que eu tive sem me casar, nunca fiquei militando de carola, com bandeiras, pregando a favor da castidade, ou contra não sei o quê, eu sempre fui muito privada na minha fé. Eu perguntava pra mim: por que eu? Não tinha uma resposta.
Nove anos depois, eu recebi outro convite do Vaticano, dessa vez pra cantar pra Bento 16, em Valência, na Espanha. Seria eu e a cantora lírica Montserrat Caballé. Quando o meu olhar cruzou com o do Papa Bento 16, eu fiquei fascinada. Eu vi nos olhos dele todo o mar. E mais uma vez eu perguntei: mas, por que eu?
Levei essa dúvida pra Dom Romer, que durante muito tempo esteve ao lado do arcebispo do Rio de Janeiro, e ele me disse: “Minha filha, você foi a escolhida porque tem um discurso que é absolutamente coerente com as suas ações". Segundo ele, haviam vários nomes na mesa e o fator decisivo foi a coerência entre o que eu faço e o que eu falo, porque é isso que a Igreja precisa.
Eu nunca imaginei que esse ponto teria sido fundamental pra minha escolha. E pra mim foi muito importante, porque eu defendo essa coerência desde que me entendo por gente. Eu cresci tendo que administrar muitos “nãos”. Saí de casa aos 17 anos. Eu nunca era a mais bonita, eu não era a menina que queria ser miss, eu não era aquela que estava atrás de um casamento, eu não era magra e vinha do Norte, um lugar completamente fora do eixo artístico convencional. E mesmo assim, eu achei o meu lugar, sem abrir mão do que eu sou e do que eu acredito.
Eu ainda cantei para um terceiro Papa! Em 2013, quando eu soube que o Papa Francisco vinha pra Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, eu me ajoelhei diante de Nossa Senhora de Fátima e disse pra ela: “Agora TEM que ser eu”. E fui escolhida novamente e tive a honra, a graça e a glória de levar o Círio de Nazaré pro Papa Francisco e para todo mundo conhecerem o que é a fé da minha terra.
[trilha sonora]
Acho o Papa Francisco um grande ser humano. Estou lendo um livro dele, em que ele diz que a gente, quando se confessa, não é para ser punido, é pra conversar com Deus, para refletir junto com ele sobre os nossos atos. Deus não manda o pobre se ajoelhar no milho, nem o rico construir um templo pra poder perdoá-los. Quando a gente reza dez Ave Marias ou dez Pai Nossos, é porque isso vai fazer a gente refletir sobre o que nos levou a tomar uma atitude contrária à nossa natureza, ao que julgamos correto e ao que é correto. E a minha fé é assim, a minha fé é leve, intuitiva, e é puro amor. Sou Fafá de Belém, sou católica, mas a minha religião é a fé.
[trilha sonora]
Miguel Schlesinger: Cada religião tem a sua linguagem, os seus rituais. Mas a fé, a espiritualidade, é algo que extrapola as doutrinas e as diferenças entre elas. Quando a Fafá de Belém fala sobre a presença de várias religiões no Círio de Nazaré, é sobre este elo em comum a que ela se refere. Tanto faz se o seu ritual é um pouco assim ou um pouco assado, o que importa é essa busca por um sentido da vida, é a crença em algo maior.
Existe um conceito judaico que se chama Tikun Olam, em hebraico, a ideia se refere ao aprimoramento do Universo. Esse conceito está presente em todas as religiões. A gente tem o dever de fazer do mundo um lugar melhor. O sentido da vida está justamente em aproveitar essa nossa passagem por aqui para deixar uma marca, uma pegada, e essa pegada que a gente deixa é o aprimoramento do indivíduo, da sociedade e do mundo.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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