Andava na Faria Lima em um dia de trabalho como outro qualquer quando meu caminho cruzou com o de um morador de rua.
30 de Novembro de 2022
Andava na Faria Lima em um dia de trabalho como outro qualquer quando meu caminho cruzou com o de um morador de rua. Mas esse não foi um encontro qualquer. O morador andava sorrindo, como quem desafia a dureza de sua própria realidade, e chamava seu cachorro por um nome que não pude ouvir, mas foram as notas doces em sua voz que me tocaram. Foi esse carinho intenso que me acompanhou pelo resto do percurso.
Por vezes, esquecemos que somos bichos também. Viemos da natureza e a ela pertencemos. Mamamos como qualquer outro mamífero, parimos e precisamos descansar, fechar nossos olhos, uma imposição natural que insiste em nos lembrar diariamente: não somos máquinas.
A interação entre um morador de rua e seu cachorro é a síntese de tudo isso. A sociedade criou camadas, castas, realidades paralelas. Inventou o dinheiro, as leis, as palavras, as religiões. Construiu muros ao seu redor para se proteger do que nem se sabe e criou a concepção de nação, para reforçar a ideia de que não estamos todos juntos, há linhas imaginárias que nos separam.
E então chega o cachorro, domesticado há pelo menos 12 mil anos segundo pesquisas, e somos novamente bichos da natureza. Dividimos nosso pão e nosso afeto com um ser que não pede nada em troca. Que não vê credo, crença ou cor. Que ama incondicionalmente e não se curva à lógica maniqueísta do bem e do mal. Sobre quatro patas, ele acompanha o rico em viagens internacionais e o pobre em perabulanças cotidianas.
E sorri, à sua própria maneira. Abana o rabo e nos faz entender tudo que há de mais simples e mais precioso também. Desarma até mesmo o mais vil dos homens com uma simples lambida e nos deixa uma saudade abissal quando parte. Sua própria vida curta é uma mensagem: não há tempo para rancor, vingança ou mágoas e é preciso amar enquanto há tempo.
Engana-se quem pensa que a nostalgia é restrita somente ao que passou
15 de Dezembro de 2024
Engana-se quem pensa que a nostalgia é restrita somente ao que passou, a uma saudade simples e quase óbvia daquilo que mora no antigamente, terra sem donos e imperfeições. É possível sentir nostalgia ainda no durante, nesse percurso que chamamos de agora e que nos leva para o que vem depois.
Essa talvez seja a mais pungente forma de se estar nostálgico. Quando sabe-se que é feliz enquanto a felicidade está sendo servida. Quando se olha ao redor com olhos açucarados e o pensamento de que aquele ínfimo momento é valioso e fará falta.
Não se trata de uma tristeza nua e crua, não é sobre entregar-se aos embalos da melancolia. É sobre olhar com ternura para aquilo que já se sabe que irá embora. É demorar esse olhar, que pode sim estar emocionado, mas que carrega junto um sorriso leve, torto, discreto e gentil.
A nostalgia, afinal, é sobre esse abraço que se permite durar alguns segundos a mais na despedida. É o segurar as mãos na hora do tchau e a espiada por cima do ombro depois que se vai. Aceno, enfim, para aquilo que fez parte do meu caminho e, portanto, agora é parte também de quem sou.
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