A alimentação é muito mais do que temos lido nas manchetes por aí. E ainda temos muito o que avançar como sociedade para chegar em uma compreensão total de sua importância e alcance.
23 de Abril de 2018
Frederico Porto foi um convidado mais do que especial: começou participando da curadoria das palestras e, no meio desse processo, acabou sendo convidado para ser um palestrante. Quando começamos a falar tanto em alimentação, percebemos que ele contribuiria muito com sua experiência e ponto de vista. “Fast, mas saudável”, foi uma das ideias extremamente complexas que, passadas por Fred de maneira simples, mudou nossa maneira de encarar nossos pratos de comida.
ALIMENTAÇÃO: MUITO FALADA, POUCO ESTUDADA
Matérias e mais matérias são publicadas diariamente falando sobre o poder da alimentação. Ora é uma dieta que está na moda, ora é um alimento que caiu no gosto da mídia. A verdade é que existe uma grande confusão nos estudos de alimentação no mundo todo.
Infelizmente, a maioria deles traz manchetes simplistas como a clássica matéria estampada em uma das mais importantes revistas do mundo em 2012, que dizia, em uma associação muito pouco científica, que “a quantidade de ganhadores do prêmio Nobel em um país era diretamente ligada à quantidade de chocolate consumida nele”. Isso porque alimento vende e a mídia gosta de simplificar tudo.
Mas a alimentação é muito mais do que temos lido nas manchetes por aí. E ainda temos muito o que avançar como sociedade para chegar em uma compreensão total de sua importância e alcance.
COMO A ALIMENTAÇÃO PODE INFLUENCIAR A GENÉTICA?
Apenas para citar dois exemplos, podemos falar de dois casos no mundo animal que nos mostram de maneira simples a relação direta do alimento com o desenvolvimento do corpo. As abelhas, por exemplo: a única diferença entre uma abelha-rainha, que vive 6 anos, e uma operária, que vive 5 semanas, é o alimento. A rainha come geleia real e as operárias não.
Outro exemplo é o Agouti mice (uma espécie de rato desenvolvida para estudos): um pesquisador descobriu que ao alimentar uma mãe da espécie com ácido fólico, ela gerava um ratinho marrom e pequeno, diferente do rato maior e alaranjado comum à sua espécie.
Como pode um alimento, algo tão simples quanto um nutriente, mudar a expressão genética de um ser vivo? Graças à interação altamente complexa que existe entre o que comemos e o que somos.
MUDANÇA DE COMPORTAMENTO À MESA
Será possível mudar as reações de nosso corpo com mudanças na alimentação? Em palestra, Fred inspira a tentar. Para isso, é importante mudar o raciocínio quando o assunto é comida. É preciso entender por que comemos. Não comemos apenas para sobreviver. A biologia é sim um ponto importante – dependemos de comida para viver.
Mas fatores como contexto psicológico e sociocultural também são fundamentais. Projetamos muitas cargas emocionais em nossa comida. Somos seres sociais e devemos levar em consideração que comida é também uma fonte de prazer social, de se estar com o outro.
Da mesma maneira, o alimento é um importante fator de diferenciação de cada sociedade e estilo de vida, de pequenas tribos urbanas a grandes sociedades e religiões. É preciso entender como comemos.
Nosso corpo se sente saciado de duas formas: quando o estômago fica cheio ou quando o paladar para determinado sabor se esgota (por exemplo, comemos salgado até saciar as papilas de sal, mas abrimos espaço para a sobremesa tranquilamente).
Nesse ponto, um dos segredos para comer melhor tem a ver com o conceito de mindfulness: é preciso comer mais devagar. Quem deveria determinar o ritmo da comida é o maxilar, e não o garfo. Devemos sentir cada sabor e aproveitá-lo. É preciso entender o quanto comemos. Comemos muito, hoje mais que nunca. E sim, mais do que precisamos.
Apenas para termos uma base de comparação, o consumo de açúcar no Brasil no ano de 1700 era de 2 kg por ano. Em 1800, passou para 9 kg. Em 1900, 45 kg. Em 2000, 180 kg. Um homem da caverna, para ingerir a quantidade de açúcar presente em 1 litro de refrigerante, teria que chupar 3 metros de cana de açúcar!
Com isso em mente, é fácil nos confundirmos achando que basta reduzir a quantidade de alimentos para melhorar nossa saúde.
Porém, o cálculo é mais complexo do que a simples soma ou subtração de calorias. O que nos leva ao próximo ponto. É preciso entender o que comemos. Temos três grandes fontes de energia: proteínas, gorduras e carboidratos. Os dois primeiros grupos contêm alimentos essenciais, ou seja, substâncias que não produzimos naturalmente no nosso corpo e que por isso devemos ingerir, para um funcionamento correto do nosso organismo e uma vida mais saudável.
Mas a notícia que vai mudar seu jeito de enxergar seu próximo pão com manteiga é a seguinte: não existem carboidratos essenciais. Todo tipo de carboidrato é produzido em nosso corpo e por isso esse grupo deveria ser consumido em muito menor quantidade do que a que consumimos hoje. Em teoria, não precisaríamos buscar carboidratos fora do nosso corpo. E o mais complicado disso tudo é saber que vivemos em uma sociedade em que o carboidrato e o açúcar são os reis!
O GRANDE DESAFIO DE LER OS RÓTULOS
Estamos acostumados à cultura das calorias. A conta parece simples: quanto mais baixo o teor de calorias, mais “light” é o alimento. Certo? Errado. A conta é muito mais complexa que essa. É bom, sim, atentar às propriedades calóricas. Porém, tenha em mente que caloria é uma criação de laboratório, apenas uma medida para ser usada como um parâmetro.
Mais importantes que as propriedades calóricas são as propriedades nutritivas.
Lembre-se que um biscoito pode ter menos calorias que uma fruta, mas a fruta vai nos encher de muito mais nutrientes e nos alimentar de verdade. Mas o mais importante para nossa sociedade moderna é ele: o índice glicêmico. Esse índice nada mais é do que a rapidez com a qual o alimento é absorvido pelo nosso organismo. É ele o responsável pelo sobrepeso, triglicérides e muitas doenças da sociedade moderna.
Por quê? Quando um alimento é absorvido muito depressa, produz muita insulina. Ela sobe muito rápido e quanto mais alta fica, mais inibe a capacidade da célula de se esvaziar de gordura e transformá-la em glicose. Com a constante ingestão desses alimentos dia após dia, gordura é estocada e ganhamos peso. O resultado: muita gordura estocada, mas uma fome constante. Uma verdadeira bola de neve.
SEJA REALISTA, COMA COMIDA REAL
Hoje, muito se fala de problemas como intolerância a glúten e lactose. Esse tem sido um debate polêmico, já que ainda não existe um estudo que comprove que o número de pacientes com esses problemas realmente aumentou nos últimos tempos, ou se o que aumentou foi o número de diagnósticos.
Porém, um ponto chama a atenção: os alimentos industrializados têm aumentado cada vez mais a quantidade de glúten e substâncias químicas em suas fatias, caixinhas e latinhas. Isso favorece sim a criação de alergias e sensibilidades. E sabe-se lá quantas outras doenças.
O doutor Frederico Porto não defende uma dieta específica como a correta a ser seguida para uma nutrição ideal, mas enfatiza que quanto mais simples e pura a comida, menos industrializada e acima de tudo com menor índice glicêmico, melhor ela faz para nossa saúde.
Entretanto, de nada adianta esvaziar a geladeira e inventar dietas difíceis de serem seguidas na vida em sociedade. Uma dieta deve ser prática. Acima de tudo, precisamos ter prazer na alimentação.
É bom saber que prazer é uma adaptação hedônica. Ou seja, a primeira bola de sorvete de chocolate é a mais gostosa. A segunda e a terceira não são mais tão saborosas assim. Isso porque logo nos acostumamos com elas, já passou o primeiro impacto do prazer.
O ideal é comer com mais atenção para experimentar apenas essa primeira parte, a mais gostosa. Assim, fica fácil deixar de lado o excesso, que nem é assim tão prazeroso, comer melhor e, como resultado, quem sabe caminharmos para uma vida madura, com a sabedoria da idade, a capacidade cognitiva da experiência e a energia de uma pessoa jovem em um corpo saudável. A combinação perfeita.
O que a humanidade alcançou em conjunto é extraordinário. O que nos traz à pergunta: dentro de um planeta com tantas espécies, como foi que nós, seres humanos, chegamos tão longe?
23 de Abril de 2018
A neurocientista brasileira, com trabalho reconhecido mundialmente, assumiu o palco para falar sobre o funcionamento do cérebro humano. Em uma palestra dinâmica, repleta de curiosidades e vídeos bacanas, Suzana usou a ciência para emocionar e nos fez terminar o dia com um sentimento bom sobre nosso papel como humanos na Terra e em nossas próprias vidas.
BIOLOGICAMENTE, O QUE NOS TORNA TÃO ESPECIAIS?
Nós, humanos, somos responsáveis pela criação de tantas e tantas coisas que até nos acostumamos com elas. Encaramos nossas conquistas aqui no planeta como se fossem parte natural dele. Raras vezes – ou nunca – paramos para ver que quase tudo que há ao nosso redor é resultado do trabalho da teimosa, criativa e inquieta espécie humana.
Paredes, fios elétricos, arquitetura, sistemas complexos, a própria linguagem. Basta olhar ao redor. O que a humanidade alcançou em conjunto é extraordinário.
O que nos traz à pergunta: dentro de um planeta com tantas espécies, como foi que nós, seres humanos, chegamos tão longe? Se somos apenas primatas, mais um animal no mundo, como foi que, cientificamente falando, conquistamos essa capacidade?
Simplificar esse raciocínio é tentador. Queremos logo imaginar que foi só uma questão decidida pela evolução. Nós, humanos, somos o ápice da evolução no planeta e ponto. Mas, na realidade, a resposta é um pouco mais complexa – e maravilhosamente curiosa – que isso.
Por muito tempo, os cientistas imaginavam que nossa diferença em relação aos outros animais se devia a algumas capacidades que acreditávamos ser só nossas, como o conceito de grandezas numéricas, o reconhecimento de padrões abstratos, o uso de símbolos como linguagem, a utilização e criação de ferramentas, a empatia e a capacidade de mentir e ludibriar.
Só que quanto mais se começou a estudar todas essas propriedades, mais se descobriu que humanos não eram os únicos aqui na Terra a possuí-las. Algumas espécies de aves, outros primatas e até ratos também possuem algumas dessas habilidades que achávamos tão humanas.
Se não temos mais esta tal exclusividade, como foi então que chegamos aqui? Os últimos estudos sobre o assunto, que envolvem pesquisas mais aprofundadas sobre o cérebro, nos mostraram que não precisamos mais pensar em termos de exclusividade, mas sim começar a nos entender através do todo, ou da combinação de dois elementos: capacidade biológica e capacidade de aprendizado.
Nossa biologia, somada à nossa capacidade de aprender e transmitir conhecimento de maneira organizada foram os dois elementos que, combinados, nos ajudaram a chegar até aqui.
CAPACIDADE BIOLÓGICA E O QUE NOSSOS NEURÔNIOS TÊM A VER COM NOSSA COZINHA
Durante muitos anos, o consenso era de que espécies cujo cérebro tinham um tamanho parecido possuíam obrigatoriamente a mesma quantidade de neurônios entre si. Porém, fomos descobrindo que em espécies mais complexas, como os primatas, a evolução aconteceu de maneira tal que a quantidade de neurônios aumentou, enquanto o tamanho do cérebro se manteve o mesmo. Isso quer dizer que não era mais o tamanho do cérebro que ditava a evolução e sim sua capacidade.
Trocando em miúdos, o que biologicamente nos distingue de todos os outros animais é o número de neurônios que temos em nosso córtex cerebral – justamente a parte de cima do cérebro, que permite que a nossa vida seja muito mais que simplesmente detectar estímulos e responder a eles.
É ali que reside a capacidade do autoconhecimento, de olhar para nós mesmos, pensar no que queremos alcançar e no porquê queremos alcançar. Resolvido: nós, seres humanos, temos o maior número de neurônios dentre todas as espécies da natureza.
Claro, isso ainda não responde a questão primordial: por que nós?
Algumas pesquisas com outros primatas nos ajudam a começar a esclarecer essa questão. O que se descobriu foi que durante os milhares de anos de evolução, os outros primatas não conseguiram alcançar um cérebro mais complexo simplesmente por uma questão física: eles chegaram ao limite do que um organismo consegue sustentar em termos de energia e metabolismo.
Resumindo bastante, manter bilhões de neurônios trabalhando gasta muita caloria! Só para dar um exemplo, para conseguir manter funcionando no máximo 53 bilhões de neurônios em um corpo franzino de 25 kg, um primata com um organismo construído para a alimentação com a qual ele se sustenta normalmente deveria passar 8 horas por dia comendo.
Para ter um corpo maior que 25 kg, esse primata teria que abrir mão de neurônios, ou então passar o dia comendo, o que tornaria a sobrevivência, digamos, um tanto quanto inviável.
Ao que tudo indica, o que mudou nossa história evolutiva foi o desenvolvimento de um hábito aparentemente simples: começar a cozinhar os alimentos.
Afinal, cozinhar nada mais é que pré-digerir a comida, o que facilitou nossa apropriação de calorias ao longo dos milhares de anos – com isso, nos tornamos capazes de aproveitar mais calorias em menos tempo. Ou seja, não podemos menosprezar o papel da cozinha na definição da biologia da nossa espécie.
Esta mudança de paradigma nos levou à cultura da agricultura, à civilização com divisões de tarefas, ao mercado, à invenção da eletricidade... e aos dias de hoje, em que um simples lanchinho esquentado no micro-ondas pode garantir muito mais que as calorias de que precisamos para sobreviver. Mas isso é assunto para outra conversa.
CAPACIDADE DE APRENDIZADO E O PODER DE NUNCA DEIXAR DE ABSORVER COISAS NOVAS
Agora que entendemos um pouco mais sobre nosso cérebro, fica mais fácil entender que de fato a biologia nos tornou diferentes. Mas vai além disso. Nosso cérebro, biologicamente, é o mesmo há milhares de anos. Como foi que conseguimos evoluir da carne assada na fogueira para os grandes avanços tecnológicos que vivemos hoje?
Graças à nossa capacidade de organizar processos e sistematizar o conhecimento. De desenvolver nossas próprias capacidades e transformá-las em habilidades. E esse crescimento vem acontecendo de forma exponencial, já que mais tecnologia nos dá mais tempo disponível para pensar em mais tecnologias – e assim sucessivamente, como um ciclo.
Dessa maneira, conseguimos cada vez mais nos dedicar à nossa capacidade de aprendizado, investigando sistematicamente nosso mundo, aplicando as tecnologias que criamos e passando tudo isso adiante.
Nosso cérebro é muito mais que um córtex avantajado repleto de neurônios: temos, sim, essa facilidade biológica, mas temos também o poder de esculpir os neurônios que recebemos.
Quando nascemos, chegamos ao mundo com um excesso de sinapses. Somos como um bloco de mármore apto para quase tudo, mas bom para quase nada. E é com o aprendizado que vamos esculpindo esse bloco. Com o tempo, nosso cérebro mantém as conexões e neurônios que funcionam e arranca fora as conexões que não interessam.
O aprendizado nada mais é que esse processo de conexões mantidas e conexões removidas. E é a maneira como esculpimos nossos “blocos de mármore” que faz de cada um de nós indivíduos únicos.
Durante toda a vida aprendemos, num eterno sistema de tentativa e erro. E nosso cérebro tem um mecanismo feito para isso: quando uma tentativa dá certo, ele nos premia com a sensação de prazer.
A partir dela, o caminho que fizemos para acertar é fortalecido e se torna cada vez mais fácil chegar nele novamente, neurologicamente falando. O fascinante é que esse sistema não funciona só quando somos bebês pequeninos aprendendo como funciona a vida. Funciona a vida inteira, o tempo todo, para tudo o que aprendemos, das tarefas mais simples às equações mais complexas.
Para aprender, é preciso ter a oportunidade de aprender. Essas oportunidades podem ser recebidas dos outros (como de pais e amigos que nos incentivam, por exemplo) ou dadas a nós mesmos. Este último caminho acontece somente quando nos damos conta do que realmente queremos para nós e nos permitimos conhecer as alternativas que a vida oferece para que sigamos aprendendo.
Depois de adultos, nossa capacidade de aprender está em nossas mãos. E vai além do aprendizado das ciências exatas ou humanas, de banco de escola. Tudo pode nos ensinar. Uma experiência, seja ela boa ou ruim, é um imenso aprendizado. O que nós fazemos com ele é que nos vai ajudar a continuar evoluindo, como pessoas, como espécie. O que faz nossa vantagem sobre as outras espécies na Terra realmente valer a pena é o poder de sermos capazes de mudar nossa vida para melhor.
Utilizamos cookies com base em nossos interesses legítimos, para melhorar o desempenho do site,
analisar como você interage com ele, personalizar o conteúdo que você recebe e medir a eficácia de nossos
anúncios. Caso queira saber mais sobre os cookies que utilizamos, por favor acesse nossa
Política de Privacidade.