Para Inspirar
Conversamos com profissionais do "setor dois e meio" para entender o que há entre uma empresa e uma ONG - e como é possível empreender com propósito
9 de Julho de 2021
ONGs, OSCIPs, Institutos: você já deve ter ouvido falar em pelo menos uma dessas nomenclaturas. O chamado “Terceiro Setor” são “as iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil.” Ao contrário do que muitos pensam, não se trata de um trabalho somente composto pelo voluntário, mas sim, assalariados também.
A diferença está no objetivo: além de não lucrarem, essas instituições têm como objetivo máximo servir o público e a sociedade, sem necessidade de vínculos diretos com o Estado (Primeiro Setor) e o Mercado (Segundo Setor). Mas há uma nova área crescente que não se enquadra em nenhuma delas: o chamado “setor dois e meio”.
Um caminho entre Mercado e Organizações Não-governamentais, esse setor se constitui por negócios sociais ou negócios de impacto social. “Ambos são empresas que solucionam problemas sociais e/ou ambientais através do modelo de negócio delas. A diferença entre elas é que os negócios sociais investem necessariamente todo o lucro que eles obtém e o negócio de impacto não necessariamente”, explica João Galvão Ceridono, gestor de parcerias na Quintessa .
O trabalho de sua empresa, uma aceleradora de negócios de impacto, é fazer a ponte entre empreendimentos com potencial e seus investidores - sejam eles famílias benfeitoras ou empresas que buscam agregar valor aos seus business . Além de criarem esse elo, eles também ajudam esses negócios a se desenvolverem de forma rápida e saudável.
E qual é o perfil desses empreendimentos? “Todos eles estão resolvendo problemas que a nossa sociedade possui em diferentes áreas: saúde, educação, resíduo, energia, água, microfinanças, logística, diversos exemplos. Pegamos faturamento de 100 mil por ano até muito mais. Isso não importa tanto”, diz.
Para ele, investir em uma carreira que não envolvesse o tema social nunca foi uma escolha. “Sempre tive essa consciência de que vivi muitos privilégios e que isso precisava ser devolvido para sociedade. E que também não existe outra opção para o mundo a não ser pensar em novos formatos de se fazer negócio, isso é completamente necessário para que a gente não se afunde em um monte de crise”, pontua.
Mas João não acha que negócios sociais são o único caminho para fazer a diferença. “O propósito é uma forma de ver o mundo, eu acho que depois que você é picado pelo 'bichinho' da sustentabilidade e do impacto, de pensar em como suas ações estão refletindo nas outras pessoas e no ambiente, você passa a ver tudo por essa lente”, diz. “Por isso que eu acho que é um estilo de vida mesmo, não é só dentro do trabalho. Isso envolve o seu consumo, seus investimentos e até a sua locomoção”.
Além disso, ele acredita que é preciso cada vez mais pessoas com essa visão de futuro social e coletivo dentro de empresas privadas. A mudança, afinal, precisa ser generalizada, e é possível achar o seu propósito em uma grande instituição.
Há inclusive um aumento no chamado ESG (Environmental, social and corporate governance), que em resumo, representa a área de uma grande empresa que incorpora questões ambientais, sociais e de governança em suas práticas. Para especialistas, a pandemia ajudou a colocar em evidência a necessidade de as empresas trabalharem esses pontos, mas concluem que muitas companhias ainda precisam sair do campo das intenções, como diz matéria no jornal Estadão.
Marcelo Douek, sócio fundador da Social Docs , vê como uma das dores do Terceiro Setor a comunicação. “O que acontece na prática é que há projetos muito valiosos para a sociedade como um todo, mas apesar de terem histórias maravilhosas, são muito mal contadas”.
Pensando nisso, ele criou sua produtora de mini documentários e vídeos institucionais, que também presta consultoria de comunicação, para dar voz a essas instituições e para que elas tenham sua narrativa organizada e publicada.
“Eu, como comunicador, entendi que fazia muito mais sentido comunicar causas. Acho que os negócios de impacto estão aí para serem negócios melhores para o mundo e não os melhores negócios do mundo. É algo que me pergunto sempre: como uma empresa que produz vídeos pode ser melhor pro mundo?”, questiona.
Em sua concepção, Marcelo acredita que os negócios sociais já nascem com propósito, enquanto as empresas ficam em busca dos seus - e nem sempre acham. “Se eu tivesse que resumir em uma palavra o que significa trabalhar com propósito, seria plenitude. Poder exercer a profissão que escolhi em prol do outro faz eu me sentir encaixado no lugar, é a resposta para o que eu vim fazer aqui”, conclui.
David Hertz, fundador da Gastromotiva e participante da quinta temporada do Podcast Plenae, ouviu esse mesmo chamado da vida e decidiu se movimentar. Servir a sociedade de alguma maneira, colocando sua função à disposição, pode ser um caminho valioso - se não o mais! - para encontrar sua missão de vida. Esteja atento aos sinais!
Para Inspirar
Inspire-se com o episódio de Contexto da décima oitava temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir!
1 de Dezembro de 2024
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Francilma Everton percebeu desde cedo a importância da educação para prosperar na vida. Sua determinação e dedicação a fizeram se tornar professora e hoje ela inspira os jovens da sua comunidade através do seu exemplo e do reconhecimento. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
Francilma Everton: Eu nasci e cresci no interior do Maranhão, numa cidade de 45 mil habitantes chamada São Bento. A minha família era tão pobre ques aos 2 anos de idade, eu quase morri de desnutrição. A minha mãe chegou até a encomendar um caixão pra mim. Eu tenho o gene da obesidade e, mesmo assim, tava pele e osso.
A nossa condição social e econômica não mudou depois disso. No interior do Maranhão não tinha emprego pros meus pais. Então, quando eu tinha 4 anos, eles se mudaram pra capital. Eu continuei morando com a minha avó, meus tios e meus primos. A minha avó ficava boa parte do dia vendendo lanche na rua. Ela teve 15 filhos, mas só 9 sobreviveram. Nenhum deles teve pai presente, ela criava os meninos sozinha.
Quem cuidava de mim era a minha tia, sete anos mais velha que eu. Ela era responsável por me buscar e levar na escola e por participar das reuniões escolares. Eu, por outro lado, cuidava de uma tia que tem deficiência física e ajudava nos afazeres domésticos. Com 8 anos de idade, eu lavava a roupa de todo mundo em casa.
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Estudar na cidade grande também foi mais complicado do que eu imaginei. Precisava de dinheiro para pagar o transporte público e me deslocar até o centro da cidade. Meus pais se esforçaram muito para que eu pudesse ir pra escola todos os dias, mas o ensino era muito ruim. Eu entrava às 7h20 e muitas vezes saía às 9h30 por falta de professor.
O meu pai tinha uma bicicleta que era o meio de transporte dele. Ele vivia rodando pela cidade à procura de emprego. No dia que ele achou esse monte de livros e apostilas de cursinho pré-vestibular, ele amarrou tudo na garupa da bicicleta e levou pra mim. As apostilas vinham até com respostas e foram a minha mina de ouro. Eu lembro que estudei uma pergunta sobre a ECO-92, que depois caiu como tema da redação no vestibular. É curioso como na minha vida as coisas acontecem de uma maneira meio mágica.
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Aos 17 anos, eu fui aprovada na Universidade Federal do Maranhão pra estudar Ciências Sociais. Eu nem sabia o que era ensinado nesse curso, muito menos qual seria minha profissão quando eu terminasse a faculdade. Eu só optei por esse curso porque era o único no turno da noite. Assim, eu poderia ter um emprego durante o dia pra me sustentar. Só que logo que o curso começou eu percebi que não ia dar certo conciliar estudo com trabalho.
Eu cheguei na faculdade com uma formação escolar fraca. E aí, eu achava as aulas muito difíceis. Os textos, então, eram mais incompreensíveis ainda. Eu me casei muito cedo, porque sou de família evangélica e o meu marido apoiou a minha decisão de só estudar. Ele tinha acabado de ser convocado pra um concurso público no órgão de saneamento público do estado. Então ele conseguia bancar as contas de casa.
Mas esses episódios não tiraram meu foco. Eles me davam mais gás pra eu correr atrás do meu objetivo, que era estar entre os tops da classe. Pra conseguir chegar lá, eu comprei um gravador de mp3, comecei a gravar as aulas e fazia as tarefas domésticas ouvindo as gravações. A partir do 4º período, eu fui me destacando e conseguindo algumas bolsas. Uma delas era de iniciação científica em um grupo que estudava comunidades tradicionais. Eu ganhei bolsas pra aprender inglês e francês.
Quando chegou o momento de estagiar, eu entrei em crise existencial, porque a professora que estava à frente da disciplina falou assim: “Galera, a gente tá com um problemão aqui. Não tem vaga pra vocês. Não tem nenhum sociólogo empregado em São Luís”. Foi um banho de água fria. Eu até fiz um curso técnico de administração à tarde, e pensei seriamente em mudar de carreira.
Até que um dia o meu marido me contou sobre um concurso público pra professor de Ensino Médio do estado. Era o maior salário de carreira do Brasil. Eu disse que não tinha chance de passar, porque não estava estudando. Mas ele insistiu e botou o dinheiro em cima da mesa pra eu me inscrever. Eu fiz a prova sem muita expectativa, porque estava concorrendo com pessoas do Brasil inteiro. Era gente graduada, com mestrado e doutorado. Mas quando saiu o resultado, eu não acreditei que tinha sido aprovada.
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Desde 2018, eu dou aula numa das melhores escolas públicas do estado, o Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão. O prédio é lindíssimo, super moderno. E o melhor de tudo é que a escola fica no mesmo bairro onde passei minha adolescência. Eu conheço todos os moradores e alunos. Além de dar aulas de sociologia, eu comecei a orientar os trabalhos de conclusão de curso dos estudantes. Os meus colegas me questionavam: “Francilma, tu já fica o dia todo na escola. Por que tu vai procurar mais serviço?”. Eu falava: “Galera, é pro meu currículo. Eu quero crescer. Quero fazer meu nome”.
Quando abria um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa, eu submetia um projeto novo. Uma das pesquisas que eu fiz se chamava “Escola pra quê?”. Eu tive essa ideia depois que um menino no meu bairro, que era envolvido com o tráfico de drogas, me provocou, dizendo que ninguém conhecia aquela escola. Eu pensei: “Caramba, é verdade. A gente não conversa com os nossos vizinhos”.
O projeto durou 12 meses e captou quase 20 mil reais, entre bolsas pros estudantes e verba pra pesquisa. A gente investigou por que alguns jovens iam à escola e outros não. Onde foi que esses meninos se perderam? Depois da pesquisa, eu sugeri pra diretora que a gente promovesse eventos que integrassem a comunidade. A gente promoveu recreação e curso de robótica pras crianças no fim de semana. No Dia da Família e da Saúde, tinha ações pros moradores do bairro.
No total, eu já captei quase 200 mil reais pra pesquisas e cursos de formação. Nesse montante, eu incluo uma pós-graduação que eu fiz na Universidade de Coimbra, em Portugal. Eu só tinha o diploma da graduação e concorri nessa vaga com doutores e pós-doutores. Mas o meu currículo lattes era extenso, graças aos projetos de TCC que eu orientei.
Eu sei que eu tenho uma trajetória improvável. Mas eu acho que o meu diferencial é que eu sempre acreditei em mim e tive muita vontade de crescer. Hoje, eu sou feliz no que eu faço. Sou feliz por ter estabilidade no meu serviço. Sou feliz por ser uma liderança. E sou feliz, principalmente, por saber que eu ajudo a construir um mundo com menos desigualdade e mais oportunidade.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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