Para Inspirar

Mariana Kupfer em "Mãe não é um estado civil, é um estado de amor"

O sonho da maternidade é capaz de transpor barreiras sociais e físicas. Conheça mais sobre a história de Mariana Kupfer, no Podcast Plenae

4 de Outubro de 2020


Leia a transcrição do episódio completo abaixo:

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Mariana Kupfer: A maternidade é a relação mais profunda que já senti e esse desejo de ser mãe não é algo que nasceu na adolescência, quando estava crescendo. Eu me lembro dele vir desde muitos antes, nas brincadeiras de criança, com bonecas, eu sempre era a mãe da minha Barbie. E com o tempo me tornei aquela amiga que cuida das outras. Nas duas situações, acho que a razão tem a ver com essa vontade que sempre correu nas minhas veias e permeava a vida que eu desejava pra mim. Lembro que na adolescência eu tinha algumas certezas, mas duas delas sempre me acompanhavam: eu iria trabalhar com comunicação e iria ser mãe.  [trilha sonora] Geyze Diniz: Eu sempre admirei a coragem e a determinação da Mariana, minha amiga há bastante tempo, na decisão de ter uma filha sozinha. Hoje, vamos ouvir essa história de dedicação e amor entre mãe e filha. No final do episódio, você ouvirá reflexões do doutor Victor Stirnimann para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Aproveite este momento, ouça e reconecte-se.

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Mas eu não pensava nisso o tempo todo e não tinha ideia de como seria o meu caminho até este momento. Isso começou a ficar claro quando eu tinha entre 32 e 33 anos.  Eu estava numa relação e a pessoa não sabia se queria ter filhos. Mas para mim, que nunca tive essa dúvida, começou a vir forte e de maneira definitiva a vontade de concretizar esse desejo de criança e de adolescente. Embora eu seja uma geminiana divagadora, sou muito objetiva também. E a decisão foi muito rápida para mim.  [trilha sonora]

Como eu sempre fui uma pessoa muito cautelosa com a saúde, daquelas que fazem consultas rotineiras sem falhar, sempre muito organizada e com todos os exames em dia, eu levei primeiro o assunto para o consultório, em um visita ao doutor Marcelo Zugaib, que era meu ginecologista desde os 18 anos. 
Falei: "Nossa, Doutor Marcelo, como eu quero ser mãe!" e na mesma hora, começamos a falar de reprodução solo, independente. Naquela época a ideia era pulverizada mesmo na Europa e nos Estados Unidos, aqui ainda não. Mas eu conhecia algumas pessoas que já haviam passado pelo processo e decidi ir em frente. Era hora de construir a relação de afeto, amor e conexão mais importante da minha vida.  [trilha sonora]
Durante essa consulta, decisiva, o Marcelo falou: "Olha, eu não faço reprodução assistida, mas o Doutor Paulo Serafini, na Clínica Huntington, faz, e é um colega respeitadíssimo". Fui para casa e imediatamente comecei a pesquisar tudo que eu podia sobre a clínica e sobre o doutor Paulo, pioneiro e um dos papas da fertilização in vitro.  [trilha sonora] Depois de descobrir tudo que tinha disponível sobre ele, marquei uma consulta sem compromisso. Era maio de 2009, eu tinha 33 anos, em junho faria 34. E foi maravilhoso. Logo no primeiro encontro, senti aquela empatia, uma coisa imediata. O doutor Paulo, um cara com uma literatura super vasta do assunto, me contou casos, histórias da profissão dele e me apresentou de um jeito leve todo esse universo da reprodução assistida. Eu estava segura e plena da minha decisão. 
Mas tinha no caminho uma decisão importante: o doador. Paulo, que trabalhou por anos na Califórnia, me contou sobre clínicas muito idôneas nos Estados Unidos e de como seria o processo. Ser doador lá é uma profissão, então seria com certeza um homem que passou por muitos exames, pente fino mesmo. 
Fui para casa e fiquei completamente focada, fiz um mergulho profundo no assunto nos sites que ele tinha me passado. Durante todo o fim de semana, eu só parei para comer e dormir. Foram três dias intensos e que não me deixaram mais dúvida do que faria. Se você ficar pensando muito... E se isso, e se aquilo, e se, e se... O que os outros vão pensar? O que que eu vou dizer para a minha filha? Não dá. 
Não tem essa de ter uma fórmula definida. Ser mãe é uma construção, um caminho, e não dá para percorrer um caminho sem ir em frente. Vai ser tortuoso, não tem muita escapatória, tem que decidir e encarar. E é emocionante, mesmo com as dificuldades. A minha gestação, intensa e com uma complicação que me acompanhou o tempo todo, me fez entender tudo isso antes mesmo de pegar a Vitória no colo pela primeira vez.  [trilha sonora]
Vivi momentos difíceis e uma enorme ansiedade quando me vi em constantes enxaquecas, quase sem força, vomitando 30, 40 vezes em um dia. Eu deixava baldes espalhados por toda a minha casa e eu ia me arrastando como uma lagartixa pro banheiro. Aí recebi o diagnóstico: tinha uma Hiperemese Gravídica muito severa. Grande parte dos 9 meses eu fiquei internada e, quando eu estava em casa, sempre tinha uma assistência de home care. Tinha horas que me sentia o mais perto da morte que dava pra chegar.  [trilha sonora]
Medo de perder eu não tive em nenhum momento, mas entendi que teria que lidar com essas sensações até o parto. Tem uma hora que você pensa "eu não vou aguentar", "eu não vou conseguir". Mas conseguimos. Nas horas mais difíceis, eu me agarrava no amor que levava literalmente dentro de mim e seguia em frente. 
Eu sabia que eu estaria sozinha na gestação, mas viver a gravidez com essa condição foi uma provação dupla. Mas vinha uma força, porque eu estava realizando o desejo profundo que eu tinha, por mais difíceis que fossem as circunstâncias. O que me movia era o meu sonho, era a Vitória, era que a minha filha nascesse com saúde. Só precisava cuidar da ansiedade.  [trilha sonora]
Durante toda a gravidez, eu fiz terapia lacaniana e era um outro jeito de vomitar, nesse caso, todas as angústias de não saber tudo que imaginava precisar saber pra ser mãe. Daí, em uma das primeiras consultas, a minha terapeuta olhou para mim e falou: "Olha, isso não é uma receita de bolo, é uma coisa que você vai elaborar". Essa frase está até agora comigo. Grandes aprendizados muitas vezes estão em frases bem simples e eu tento levar isso adiante, compartilhar com outras mães, pela potência que entendi que esse sentimento tem.  [trilha sonora]
Sinto o efeito dessa reflexão tão simples nos muitos contatos que tenho com outras mulheres, que querem ter ou já tiveram filhos, em cada retorno inspirador que recebo depois de lançar meu livro e das tantas conversas que tenho no meu programa. Muitas querem essa receita de bolo, mas eu sempre digo isso: cada família é uma construção, tem o seu universo particular, a sua dinâmica. No caso da mãe solo, você pode, por exemplo, pensar em como vai ser sem ter um pai, como é o caso da Vitória. Mas não tem resposta. Só sei dizer que o que eu vejo vindo da minha filha, que está com 10 anos, das questões que toda criança na pré-adolescência tem, os desafios, os limites, o fato de ela não ter pai é o menos relevante. Ela é muito forte e muito bem resolvida com isso, ainda que falte entender muita coisa.  [trilha sonora]

Se faz falta um pai? Bom, quando você viaja e tem que tirar as malas pesadas da esteira ou do carro, fazer o check-in no hotel, dirigir, nesses momentos, talvez. Com tudo que vivi na maternidade, não tem como fugir do clichê de que o parto é uma experiência sobrenatural e ninguém te prepara para aquilo. Outras mulheres podem te descrever em detalhes por uma hora, por dois dias, por cinquenta, o que é o parto. Mas é só vivendo essa experiência que você entende o que acontece naquele instante. É um presente sobrenatural. Como decifrar um milagre? Não dá. E é realmente o milagre da vida, aquele momento em que você passou 9 meses com dois corações batendo dentro de você e, no minuto seguinte, você consegue sentir esse mesmo coração batendo sozinho, chegando no mundo. 
Essa emoção eu carrego todos os dias, na apresentação de ballet, no jogo de futebol, quando ela chora porque está sofrendo e eu não posso sofrer por ela. Eu tenho que dar a ela o que ela precisa pra lutar, buscando em tudo que tenho em mim e no que estou aprendendo junto com ela. Preciso estar perto pra ensinar e aprender. Mas não é só isso, não é só o contato. 
O sentimento de que é sobrenatural passa por aí, por uma relação que não é física. Eu choro quando ela me escreve uma carta ou quando eu vejo ela realizada, construindo as coisas por mérito dela. Ou quando vejo o carinho das pessoas e vejo elas elogiando a mulher que minha filha está se tornando. 
Ah! Teve uma vez que me emocionei demais, que foi na primeira vez que ela abraçou o Mickey e a Minnie. Pode parecer uma coisa boba, mas ela chorou muito, eu chorei muito e foi lindo. Essa viagem pra Disney foi muito emocionante, porque me deu a sensação de voltar no tempo, me fez lembrar de mim com 8 anos com as minhas irmãs em uma viagem pra Disney com meu pai. Me deu uma nostalgia, uma felicidade boa. Meu choro era de alegria. Caiu a ficha de que eu fiz a produção independente, venci, estou com a minha filha na Disney, feliz de ver que meu trabalho me permite proporcionar para a Vitória o mesmo que meus pais proporcionaram pra mim. E quando ela via os personagens, ela pulava, gritava, chorava de alegria. Foi muito fofo e muito emocionante levar a Vitória até lá.  [trilha sonora] É mágica essa relação tão profunda, que faz a gente viver de modo tão grande momentos que podem parecer pequenos aos outros, porque estão no dia a dia da gente e só da gente, na minha vida e na da Vitória. É uma relação que abre espaços, que se faz dentro de você fisicamente e nunca deixará de estar dentro de você. Uma vida que começa ali e é parte da sua. 
Sempre existirão julgamentos e maldades em qualquer modelo ou concepção familiar e é claro que às vezes a gente fica muito ferida, mexida. Mas eu vou pelo caminho do amor. Ser mãe é agarrar nesse sentimento e caminhar, lembra? Nesse caminho da maternidade a gente acaba entendendo muitas coisas sobre nós, mulheres. E uma das coisas que aprendi fazendo o programa AMAR, entrevistando muitas e muitas mães, é que maternidade não é um estado civil, não é ser casada, não segue um modelo padrão. Você pode estar casada, com uma família de comercial de TV, com RG com nome, sobrenome de um casal, um estado civil, e no fundo ser uma baita solidão. Eu sou mãe solo, mas mãe é mãe.
De novo, lembro da minha terapeuta: "Isso não é uma receita de bolo, é uma coisa que você vai elaborar". E sabe por que que eu insisto nessa reflexão? Porque parece difícil e em alguns momentos pode dar medo, parecer que não vai dar certo, que você não vai conseguir. Mas vai e não dá mesmo para explicar essa certeza, como não dá pra explicar uma mágica, um milagre. É se agarrar nesse amor inexplicável e seguir caminhando.
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Victor Stirnimann: Muitas vezes o segredo para uma vida melhor está em transferir a energia de todos os conflitos, todos os problemas para essa conquista maior que é a entrega de nós mesmos, o colocar a necessidade de outra pessoa na frente da nossa. Essa é uma iniciação pelo o amor e um caminho, às vezes até mais difícil do que aquele que a vida vinha oferecendo, mas que se alimenta de uma certeza, uma razão que vem de outro lugar. Nem sempre conseguimos explicar de onde vem o chamado, a fé de que esta é a direção certa, por isso parece até que existe um destino e que ele dirige o nosso futuro. Mas a escolha que conta, a coragem de aceitar o convite e o risco que vem com ele é sempre nossa. E sim, em geral, sempre estamos buscando uma solução, se possível, bem fácil e rápida. E quando nós vivemos esse desafio maior, nosso caminho escolhido, estamos fazendo uma descoberta incrível: não é a solução que nos fortalece, é o convívio com o próprio problema. Isso é o que a Mariana aprendeu na sua escolha de ser mãe independente, isso é o que ela repete ao lembrar o conselho da terapeuta. "Felicidade é se dedicar todos os dias ao desafio que você escolheu". Se realiza quem descobre a escolha que pode fazer, a escolha que precisa fazer. Como disse alguém muito sábio: "O problema é um poema. Escolha bem o seu, mesmo que primeiro tenha sido ele a escolher você." [trilha sonora]

Geyze Diniz: As nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente nossos episódios e confira nossos conteúdos em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.  [trilha sonora]

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Para Inspirar

Daniela Mercury em "O amor que mudou o mundo"

Na sexta temporada do Podcast Plenae, Daniela Mercury conta como ser verdadeira com seus sentimentos pode ser transformador.

5 de Setembro de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


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Daniela Mercury: Era 2013 e nenhum artista até então havia anunciado publicamente seu casamento com alguém do mesmo sexo da forma como fizemos. O meu amor por Malu foi capa de várias revistas importantes do Brasil. O nosso casamento virou notícia no Jornal Nacional e se tornou um tema político.

Nossas entrevistas deram oxigênio pra discussão da causa LGBTQIA+ no Brasil e em outros países. Ativistas e ONGs de direitos humanos reforçam constantemente que o nosso testemunho inspirou muita gente a falar sobre sua orientação sexual e identidade de gênero e a lutar por seu direito de amar. 


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Geyze Diniz: Sua vida vive sob os holofotes há mais de três décadas, mas foi em 2013 que mesmo acostumada com a grande exposição midiática, a cantora Daniela Mercury deu luz a um tema importante que mexeria com sua vida e privacidade: a homofobia. Daniela anunciou seu relacionamento com a jornalista Malu Verçosa e, mesmo sabendo do grande preconceito que relacionamentos homoafetivos sofrem, agarrou com unhas e dentes a luta por respeito e amor que qualquer relacionamento deve ter.

Conheça a história de entrega e amor de Daniela Mercury. Ouça no final do episódio as reflexões da psicanalista Vera Iaconelli para lhe ajudar a se conectar com a história e com o momento presente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


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Daniela Mercury: Eu conhecia Malu há mais de cinco anos. Ela é jornalista e trabalhava na área cultural. O nosso caminho já havia se cruzado algumas vezes, sempre de forma rápida. Um dia a gente participou de um evento, em Salvador, e no final, por coincidência, nós nos sentamos lado a lado numa mesa de umas 20 pessoas, num restaurante. Na época, eu morava em São Paulo e contei a Malu que eu estava com muita dificuldade de ficar longe da Bahia. Apesar de amar São Paulo, eu sentia muita falta da minha família e da energia do mar que me ajuda a compor.

Malu tinha vivido oito anos em São Paulo e ficou muito sensibilizada. 
O cuidado dela acendeu alguma coisa em mim. Porque normalmente as pessoas não se preocupam com os artistas. Olham pra gente, como se a nossa vida fosse perfeita, sem problemas, o que obviamente não é verdade. É difícil saber em que momento nasce a paixão. O que eu sei é que, daquele dia em diante, o rosto e as palavras de Malu nunca mais saíram da minha cabeça.


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Por muito tempo não nos encontramos, nem nos vimos. Mas eu pensava nela com frequência, sem entender o porquê. Meses depois, quando voltei a morar em Salvador, tentei falar com ela. Mandei algumas mensagens só pra conversar. E nossa amizade se aprofundou.  Até que percebi que o que sentia por ela, era mais do que amizade. Então mandei uma poesia para ela e sutilmente tentei descobrir se havia reciprocidade. Ela silenciou. E eu também. Até que não resisti e então mandei mais um poema, dessa vez, de Mia Couto que dizia: “E todo silêncio é música em estado de gravidez “e ela respondeu: “então eu vou parir uma orquestra.”


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Eu vinha de dois casamentos e me questionei: “Será que é isso mesmo? Faz sentido ficar com ela e viver essa revolução?" Sou movida por desafios, sou artista desde menina e tenho uma mente muito aberta, sempre fui livre sexualmente e tive coragem de fazer mudanças radicais em minha carreira. 


Decidi ser bailarina profissional aos 10 anos de idade. Aos 15, comecei a cantar em barzinhos e trios elétricos. Com 17 anos fazia teatro. Entrei na faculdade de dança aos 18. Um ano depois, me casei. Aos 20, tive meu primeiro filho. Aos 21, minha primeira menina chegou. Sou precursora de um gênero musical, o Axé, criei um novo circuito oficial no carnaval de Salvador, coloquei música eletrônica e música erudita em cima do trio elétrico. Faço parte do início do carnaval de rua de São Paulo, investi numa carreira internacional.

A minha trajetória artística tinha me dado largueza de espírito para experimentar o novo. E namorar Malu era me entregar ao desconhecido e a surpresa. 
As conversas da gente aumentaram e, conforme o tempo passava, eu me encantava cada vez mais pela sua altivez, inteligência, personalidade forte e beleza. E me encantei ainda mais quando descobri que tínhamos visões de mundo parecidas, os mesmos valores humanos e muitos sonhos em comum. 

 

Paixão é um sentimento agudo e fascinante. Quando acontece, incendeia a gente por dentro, é um rebuliço, um tumulto. A paixão é deliciosamente perigosa. Sem ela a vida fica chata e burocrática. Eu sou inconsequente. Quando a paixão vem, eu me jogo.

 

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Com Malu conheci uma relação de igual pra igual, de mulheres fortes e independentes que sabem o que querem. 


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Somos duas leoninas bem sucedidas em suas profissões, que sempre foram protagonistas de sua própria história. Em poucos meses de namoro, eu e Malu decidimos trocar alianças. Foi em Paris, num dia lindo de primavera, com céu azul, sol e frio. Eu queria uma aliança bem básica, igual à dos meus pais. Procuramos uma joalheria na Galeria Lafayette e o vendedor só percebeu que a gente era um casal quando nós duas estendemos as mãos pra medir os anéis.

Ele pareceu um pouco surpreso, mas sorriu e atendeu a gente com gentileza. Ali, eu me dei conta de que até na França, onde os direitos civis são mais avançados, casais de mulheres ainda causam alguma surpresa. Saímos da loja com as alianças, saltitando como duas adolescentes apaixonadas e eufóricas, de mãos dadas. Passeamos de bicicleta e fomos a duas igrejas, a basílica de Sacré Coeur e a igreja de Sant Madeleine. Trocar alianças foi uma maneira simbólica e romântica de celebrar nossa união.


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Da França, fomos a Portugal, onde eu tinha shows agendados no Coliseu de Lisboa. Eu ia ter que falar com a imprensa e disse a Malu: “Acho que vai ser necessário anunciar a nossa relação. Eu sou uma artista tão conhecida aqui, quanto no Brasil”.


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Não foi uma decisão simples, porque nós tínhamos pouco tempo juntas. Eu nunca gostei de falar sobre minha vida pessoal, prefiro dar entrevistas sobre o meu trabalho. Mas não dava pra esconder. Além do mais, anunciar o nosso casamento não era só comunicar o amor entre duas pessoas. Era um ato contra o preconceito. A gente imaginava que a repercussão seria enorme e que as nossas vidas seriam devassadas, mas a gente não imaginava como o assunto ia ser tratado. E essa era a nossa maior preocupação.


Era também a preocupação com as nossas famílias. A minha mãe é uma intelectual, assistente social, meu pai é muito culto e tem a cabeça e o coração abertos. Os pais de Malu e irmãos também. Mas tínhamos que avisar a eles que íamos tornar público o nosso relacionamento.

 

Meus filhos receberam a notícia muito bem também. Sempre me preocupei sobre como a fama impacta em meus filhos, como eles podem lidar com isso e serem felizes, e a partir do momento em que anunciasse minha relação com Malu, a repercussão seria enorme e eles provavelmente seriam questionados e teriam que se manifestar sobre o assunto.

 

Eu e Malu passamos uma noite, praticamente em claro, conversando como fazer esse anúncio. Decidimos publicar um post no meu perfil do Instagram, que em 2013 não era uma rede social tão grande como hoje. Foi no dia 3 de abril. Fizemos uma montagem de fotos e um texto com um tom firme, natural e alegre. Na legenda do post eu dizia: “Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração pra cantar”.


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A repercussão foi bombástica e muito mais consistente e positiva do que poderíamos imaginar. Como artista, eu já fazia parte da família brasileira. Quando anunciei que estava apaixonada por Malu, o tema das relações homoafetivas entrou nas casas das pessoas. Foi uma vitória enorme pra nós e pra causa LGBTQIA+.


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Nesses 9 anos de dedicação mais profunda à causa LGBTQIA+, eu compreendi melhor como a invisibilidade social e o discurso de ódio desumanizam os grupos minoritários. A sexualidade envolve todos os aspectos da vida de todas as pessoas. Para confrontar o preconceito é necessário fomentar debates com a família, com a escola, com o Estado, com a sociedade e questionar as relações de poder, para então buscar uma nova forma de lidar com as questões de gênero. 


Vivemos tempos obscuros no Brasil. O autoritarismo voltou a nos assombrar e fragiliza nossas conquistas democráticas. Vemos tentativas de silenciamento e censura. Há uma guerra cultural contra os artistas, jornalistas, LGBTs, líderes indígenas, cientistas, ONGs e ativistas de direitos humanos. A nossa democracia está em risco. A pandemia de coronavírus já matou milhares de brasileiros e desde o início da pandemia o governo federal descumpre a obrigação de elaborar e executar, de modo eficiente, um programa nacional contra a COVID-19. 


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Felizmente, em contraponto a tudo isso, há um crescente engajamento social. A sociedade civil, os artistas, a imprensa e as ONGs de direitos humanos têm denunciado e repudiado as atitudes antidemocráticas. Os jovens lutam cada vez mais contra o racismo, o machismo, a LGBTFOBIA e contra a destruição do meio ambiente. Mas, nesse contexto político, está muito difícil avançar. A paz e o desenvolvimento só serão alcançados através da educação, da justiça social, da distribuição de renda, do reconhecimento, da igualdade e da liberdade.

Não há crescimento sustentável sem respeito aos direitos humanos. E essas lutas são de todos os brasileiros. 
Trabalho por uma sociedade inclusiva, que valorize a diversidade de todas as formas. De gênero, étnica, racial, econômica, política, cultural, de crenças, de origem e outras. E a educação é a principal ferramenta para atingirmos esse objetivo.

Aprender a conviver com as diferenças ensina a gente a amar os diferentes. Além do meu trabalho com a UNICEF, atuo como conselheira da sociedade civil no Observatório de Direitos Humanos, do CNJ. Eu e Malu somos embaixadoras da igualdade da ONU e lançamos, em Nova York, a primeira campanha mundial, da organização, contra a homofobia e a transfobia.


As nossas três filhas, Márcia, Alice e Bela e meus filhos mais velhos Gabriel e Giovana também são militantes da causa LGBTQIA+. As nossas meninas são o maior símbolo do nosso amor. Nós também escrevemos um livro com a nossa história de amor e damos palestras e entrevistas. Malu sempre fala que "o nosso amor é maior que nós.” 


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A minha arte é um poderoso instrumento de luta e transformação. Desde que estamos juntas, fiz várias músicas pra Malu, “Maria Casaria”, com o texto do primeiro poema que escrevi para ela. "Oh Maria, oh Maria, oh Maria, oh Maria, oh Maria, casaria". “Sem Argumento”, que é o meu pedido de casamento pra ela. "Duas Leoas" que cantamos juntas e tem um lindo videoclipe com a participação das nossas filhas. E “Rainha do Axé”: "Eu e ela, eu e ela, eu e ela, ela e eu, Malu e eu". Repetimos uma foto icônica de John Lennon e Yoko Ono na cama para a capa do meu álbum Vinil Virtual.

E, para afrontar com amor, fizemos uma cerimônia de casamento em cima do trio elétrico, no carnaval. "Tá proibido o carnaval, nesse país tropical. Abra a porta desse armário que não tem censura pra me segurar"
. O hit "Proibido o Carnaval" que eu gravei com Caetano se tornou um novo hino contra a LGBTfobia e a censura. Gerou até reações do presidente da república.

No ano passado lancei minha versão de “Toda Forma de Amor”, de Lulu Santos, com os versos no feminino. "Eu sou sua esposa e você é minha mulher." 
Viver livremente minha relação com Malu mudou a realidade de muitas pessoas. Houve avanços relevantes na legislação do casamento civil e da criminalização da homotransfobia. São conquistas jurídicas importantíssimas

 

Nós duas abrimos mão de muitas coisas para nos dedicar à militância (LGBTQIA+).E estou muito feliz. Estava a nosso critério abraçar essa causa ou não. Mas a gente decidiu fazer isso, porque mudar o mundo faz parte do nosso encantamento uma pela outra. Hoje nós temos certeza que o nosso amor mudou o mundo.


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Vera Iaconelli: O depoimento da Daniela Mercury traz pra gente a confirmação de um fato muitas vezes esquecido. O amor é um ato político, o amor, ele faz parte do que é legítimo e do que é interditado na polis. Existem as pessoas que têm direito a amar, e as que não têm. Na hora que a Daniela descobre em si mesma o desejo pela Malu e reconhece que é recíproco, ela poderia ter deixado isso como um assunto de foro íntimo e pessoal só tendo efeitos ali, na família.

Mas, na hora que ela resolve levantar essa bandeira publicamente pra legitimar o amor entre duas mulheres, ela dá um passo a mais e repercute a escolha dela para enfrentar preconceitos, mas também criar um espaço onde outros sujeitos, que às vezes não admitem para si mesmos, possam se sentir representados e também pra que outros sujeitos possam ser mais tolerantes com filhos, irmãos amigas, ex-esposas que se descubram desejando pessoas do mesmo gênero, sejam homens ou sejam mulheres.

Então, a Daniela pega essa expressão social, cultural, artística, toda essa admiração que as pessoas já tinham por ela e transforma isso em uma munição em favor do amor. Então, eu acho que a grande importância do gesto dela é que ela pode se fazer ouvir no mundo e cada um de nós, seja onde você tiver, também tem esta ação, representando a si mesmo e aos demais e com isso, abrindo portas pra quem vier. Nem todo mundo tem  essa expressão pública que a Daniela e a Malu tem, mas todo mundo ali no seu mundo pode, não reproduzindo violência e preconceitos, agir em favor do amor, lá no seu espaço, no seu trabalho, na sua vida particular. 


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