Para Inspirar
Jornalista e apresentadora, Mariana Ferrão também guarda uma outra paixão dentro de si: a dança. Confira mais no segundo episódio do Podcast Plenae
28 de Junho de 2020
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Introdução: Bem-vindo ao Podcast Plenae, um lugar onde você encontra histórias reais para refletir. Ouça e reconecte-se.
No episódio de hoje, a jornalista Mariana Ferrão, fundadora da Soul.Me, conta que, pra ela, o corpo é uma ferramenta de conexão com a sua própria essência. A história dela representa o pilar Corpo. No final do relato, você ouvirá reflexões do monge Satyanatha, nosso convidado especial dessa temporada, para ajudar você a se conectar com o seu momento presente. Aproveite este momento, observe seus sentidos e abra-se para uma nova visão sobre o mundo e sobre você mesmo.
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Mariana Ferrão: Quando eu era pequena, minha mãe me chamava carinhosamente de “brutamontes”. Enquanto ela media 1 metro e 49 e fazia bem o tipo mignon, eu tinha a ossatura grande, sempre tive. Ela achava que, por eu ser grande demais pra minha idade, eu não tinha coordenação motora e aí eu vivia roxa, batendo nas quinas da casa.
Minha mãe me colocou pra fazer fisioterapia aos 3 anos de idade. No começo eu achei muito chato, porque eu sentia que eu tinha algum defeito que precisava ser corrigido, mas a fisioterapeuta soube me cativar com exercícios acrobáticos. Eu me pendurava em um espaldar e brincava com elásticos e com aquelas bolas de pilates, que naquela época não eram tão comuns como hoje. Desde muito cedo eu entendi que, quanto mais eu me mexia, mais feliz eu ficava.
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Como muitas mães, a minha mãe fez a tentativa de me matricular no balé clássico. Eu devia ter uns 3, 4 anos e posso dizer que eu odiei. Primeiro, porque eu não era flexível como as outras meninas. Segundo, porque eu tinha muito cabelo e minha mãe, muito pouca paciência. Fazer um coque e enrolar aquela redinha em volta desse cabelo todo era um parto. Por fim, naquela época as professoras também faziam a gente enrolar uma faixa na cintura e eu tinha barriga, então aquele pano ficava me apertando, era horrível. Definitivamente, o balé não era pra mim.
Pra surpresa de todo mundo, quem mais se apaixonou pela experiência foi a minha mãe. Ela nunca gostou de dançar. Era uma pessoa sem vaidade, que usava cabelo curto, não se arrumava nem sabia passar maquiagem. Então, pra ela, a dança representou uma descoberta do feminino.
Pra mim, o grande aprendizado foi o de me deixar ser conduzida. Eu sempre fui uma pessoa com muita autonomia, que toma todas as decisões sozinha. Mas a dança, a dança é um diálogo corporal. O cavalheiro escuta a música, interpreta o que ouve e conduz a dama. É um exercício de entrega que me ensinou a afrouxar as rédeas da minha própria vida.
Na dança de salão, eu experimento o meu corpo a partir da visão do mundo do parceiro, em um movimento que cria uma empatia sem parâmetro. E a gente não tá acostumado a dar esse tempo da contemplação de permitir que o outro diga pra gente como ele tá vendo o mundo.
Eu descobri o quanto eu gostava de ser surpreendida pelo cavalheiro, porque às vezes você pega uma pessoa que faz tudo igual e aí, o movimento fica previsível. Mas eu tive um parceiro muito bom, que virou meu namorado depois, o Rafael, três anos mais novo do que eu. O Rafael tinha ouvido absoluto e me ensinou de fato a ouvir música. Ele me falava assim: “Olha, agora a gente vai dançar esse samba agora só no surdo / agora só no pandeiro / agora só no bumbo”. E aí, quando você começa a apreciar cada instrumento e a junção de todos eles formando a melodia e o ritmo, as possibilidades da música e da dança se tornam infinitas.
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Mas aos 20 anos eu deixei a dança de salão depois que a minha mãe faleceu subitamente, de um AVC, aos 48 anos.
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Ficou muito pesado pra gente ir à academia, porque a gente se lembrava muito dela.
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Pra me sentir mulher de novo, eu escolhi o zouk, um ritmo sensual que eu não sabia dançar. Até por uma questão de moral, eu sempre tive dificuldade com o zouk, sabe? De falta de liberdade com o meu feminino. É uma dança bem íntima, com bastante movimento de quadril. Quando eu engravidei de novo, eu dancei até o quinto mês de gestação.
A experiência da segunda gravidez foi completamente diferente da primeira. Além da dança, eu fiz corrida na água e fisioterapia pra fortalecer o assoalho pélvico, a estrutura que sustenta os órgãos internos. Eu consegui um parto natural, que eu tanto queria, e foi a experiência mais transformadora da minha vida.
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Em um dos ensaios, meu parceiro me virou no ar e me empurrou no chão num espacate. Eu tive um estiramento que rompeu fibras musculares do meu fêmur pra parte posterior da minha coxa. Eu me senti abusada fisicamente, porque o meu corpo não queria fazer aquele movimento. E eu ainda dancei dois ritmos com muita dor, antes de ir pra repescagem da competição.
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Eu fiquei em silêncio meditando na energia daquela dança. Senti algo muito, muito forte dentro da minha barriga. A dança seguida dessa meditação foi uma prova pra mim de que, às vezes, a gente tenta fica tentando imaginar racionalmente os caminhos por onde precisa ir. Mas na verdade, o corpo tinha me mostrado que ele tem muito mais alternativas do que a mente é capaz de conceber e eu entendi que aquilo ali era um retrato da vida. A vida tem caminhos impensáveis e não adianta a gente tentar controlar. Eu tinha que ir no fluxo, assim como eu tinha ido no fluxo da música.
Satyanatha: Chegamos ao fim do relato da Mariana. O descompasso com o corpo é quase um descompasso com a música da vida. Se a gente vive somente no estado mental e negligencia o material, por exemplo, fica fora de ritmo.
A Mariana até praticava exercícios e seguia uma alimentação correta, mas durante um tempo não ouvia o corpo no sentido de conhecer como ele funciona. E a nossa dimensão física tem necessidades próprias, que precisam ser respeitadas. O corpo é o nosso parceiro, não um simples veículo para nos empurrar ao longo da vida.
Para muitas pessoas, a identidade está ligada ao corpo. Se o físico está machucado, você pensa: eu estou machucado, eu estou fraco. O oposto também é verdadeiro. Quando você se nutre bem, dorme adequadamente, pratica exercício, então pensa: eu estou bem, eu sou forte.
Na verdade, as pessoas mais equilibradas percebem que a identidade é um estado de equilíbrio entre físico, mental, emocional e alma. Quando essas quatro dimensões estão em harmonia, temos uma identidade plena.
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Finalização: Nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente novos episódios e confira nosso conteúdo em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.
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Para Inspirar
O primeiro episódio da décima sexta temporada ouve a história das relações possíveis da escritora Ruth Manus.
4 de Agosto de 2024
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Ruth Manus: Eu nunca tive nenhuma rejeição a ideia de ser mãe. Mas, eu tive dúvidas, especialmente na minha vida adulta. Eu me perguntava como ia conseguir conciliar a maternidade e profissão. Agora, uma coisa que eu nunca planejei foi ser madrasta
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Geyze Diniz: A advogada e escritora Ruth Manus tem nove livros publicados e um texto que encanta os seus leitores. Entre os temas das suas crônicas estão a sua relação com a maternidade e com a “madrasternidade”, um termo que ela cunhou. A história familiar de Ruth é como a de muitos entre nós: fora do script tradicional. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Ruth Manus: Quando a gente é criança, a gente planeja ser sereia, aeromoça, jogadora de futebol, tia, astronauta... Mas ser madrasta nunca esteve nos meus planos. Só que a vida é assim né? Cheia de curvas que vão nos levando a lugares inesperados. E uma dessas curvas me levou até a Francisca.
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Eu tinha 25 anos quando a conheci. Ela tinha 3. E o nosso encontro foi em Lisboa, onde ela mora e para onde eu me mudei quando me casei com o pai dela. Eu me preparei para o primeiro encontro com a Francisca. Eu lembro que fui fazer compras com umas amigas e falei: “Olha, eu quero parecer o avesso da madrasta que os contos de fadas fazem o desfavor de construir”. Então eu me vesti de cor-de-rosa. Na minha bolsa, tinha bala de ursinho e Kinder Ovo, como se fossem meus. Eu criei uma personagem para que ela me visse como alguém que pudesse ser próxima, agradável, confiável.
E a Francisca não me recebeu de braços abertos. Ela era uma criança desconfiada, muito intensa, que são características que hoje eu acho que são algumas das melhores coisas que ela tem. Ela não parece um filhote de labrador, que nem eu, que acha tudo legal, quer ser amigo de todo mundo. Ela tem a seleção dela. Para nós duas, era tudo novo. Eu nunca tinha sido madrasta. Ela nunca tinha sido enteada. Mas, com o tempo, a gente conseguiu construir a nossa relação de amor.
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A “madrasternidade”, como eu gosto de dizer, é um lugar cheio de tabus, mas que eu acho que está mudando, inclusive com a coisa da guarda compartilhada. Porque as madrastas agora tão na linha de frente do cuidado. Elas buscam as crianças na escola, ligam para mãe do amigo, compram o lanche do recreio. Fazem tudo que os pais fazem, às vezes até mais ou menos, dependendo da dinâmica da casa.
Mas, isso sem nenhum reconhecimento, muitas vezes, da família, da escola ou até do comércio. Porque eu inclusive acho que deveria existir o Dia da Madrasta para ter esse reconhecimento. Uma vez eu escrevi que ser madrasta é fazer tudo aquilo que uma mãe e um pai fazem, mas sem a garantia do amor incondicional. Só que depois eu entendi que o amor incondicional é mais uma idealização do que uma realidade na relação de muitos pais e filhos.
Eu descobri também que as crianças muitas vezes amam profundamente a madrasta ou o padrasto e sentem medo real de perdê-los. Porque os enteados não têm nenhuma garantia de que esse vínculo vai continuar se o casamento da mãe acabar ou se o casamento do pai acabar. Então, para mim, mais difícil do que ser madrasta só ser enteada, porque o poder não está na mão da criança. O poder está na mão do adulto.
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Eu e a Francisca somos bem parecidas. Ela é geminiana, que nem eu. A gente faz aniversário com uma semana de diferença. E hoje, eu percebo que ela não tem o meu sangue, não se parece esteticamente comigo. Mas ela tem o meu senso de humor, ela tem meu jeito de falar.
Outro dia eu postei uma foto de um, de um Nescau que eu pedi na padaria bem clarinho, do jeito que eu gosto e ela sempre criticou. E aí ela comentou no post: “Ruth, não foi assim que eu te eduquei”. Enfim, eu vejo que eu plantei algumas sementes que de fato ficaram, o humor é meu.
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O meu relacionamento com o pai dela durou sete anos. A Francisca tinha quase 11 na época do divórcio e a única pergunta dela foi: “Mas, Ru, você vai embora?”. E eu respondi: “Olha, eu provavelmente vou passar mais temporadas longas no Brasil. Mas eu sempre volto”. E há quase quatro anos eu venho cumprindo essa promessa de sempre voltar.
Eu não tive o luxo do divórcio no qual eu podia me importar só comigo mesma. Quando eu me separei, algumas pessoas próximas e que conheciam bem a nossa relação, me disseram coisas do tipo: “Não, a Francisca agora é problema dele. Você tem que se preocupar em cuidar de você!”. E eu só conseguia pensar: “Não, a Francisca não é problema dele. A Francisca é problema meu e eu quero que continue sendo também um problema meu."
Quando eu conto para as pessoas que eu converso com a Fran todos os dias, que a gente troca mensagem, que eu viajo só para está com ela nas férias, só falta as pessoas me estenderem um tapete vermelho. Do tipo: “Nossa, que pessoa incrível!”. Isso é uma coisa que me incomoda demais! Eu sou adulta. Eu fiquei sete anos na vida dela. Seria uma surpresa, aí sim, se eu tivesse abandonado emocionalmente uma criança. Eu não mereço palmas porque eu permaneci. A gente precisa problematizar o abandono, e não aplaudir quem faz o mínimo.
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Quando eu voltei para o Brasil, eu sabia que, em algum momento, eu ia conhecer um novo parceiro. Que era só uma questão de tempo. Mas eu realmente não queria alguém que já tivesse um filho. Eu não queria correr o risco de sentir a dor que eu estava sentindo por aquela ausência de acesso ao dia a dia da Fran. Eu não queria outra vez amar uma criança, fazer parte da rotina dela e, de repente, ter um parceiro que decida ir embora, como meu ex-marido foi, e eu me ver à deriva.
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Mas, o fato foi que o Agustin não se assustou com a minha assertividade. Quando a gente começou a namorar e, depois decidiu ter um filho, eu acabei engravidando rapidamente. Quando o Joaquim nasceu eu não vivenciei aquele amor à primeira vista, que muita gente narra. A minha experiência como mãe não foi maravilhosa logo de cara.
Muita gente fala que o dia do parto foi o dia mais feliz da vida, mas eu, honestamente, fui mais feliz em qualquer visita ao Hopi Hari do que no dia do meu parto. Não que eu tenha tido um parto especialmente ruim. Foi uma cesárea planejada. Só que minha pressão subiu, o Joaquim teve uma instabilidade respiratória. Então, assim que ele saiu da minha barriga, colocaram ele num daqueles bercinhos aquecidos, e não no meu peito, como eu imaginava.
Ele ficou longe de mim por 4 horas que foram as 4 horas mais longas e aflitivas da minha vida. Então lá no hospital, eu estava preocupada se ele estava respirando. Estava preocupada com a minha dor. Estava preocupada em não ser transferida para uma semi-intensiva e ficar ainda mais longe dele. E aí no dia seguinte chegam as visitas, chegam os desafios com a amamentação, e era o Joaquim que não tinha pega, o leite que não era suficiente ... Cara, não tinha espaço pra romantização ali.
E como qualquer recém-nascido, ele só chorava, ele não ria, ele ainda não tinha, né, nenhum tipo de interação. Então eu falo que o primeiro mês foi um grande incêndio que eu ia apagando sem parar. Um dia eu cheguei a dizer para uma amiga: “Eu acho que o Joca merecia uma mãe que o amasse mais do que eu”.
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Eu me sentia uma mãe esquisita, porque eu não cabia muito bem em nenhum lugar. Eu não embarquei naquela loucura consumista do mêsversário, do ensaio gestante, de festa de um ano com bolo de três andares. Na verdade, essas coisas nem fazem parte da minha bolha. Mas, eu também não segui os modismos do meu universo, né, que eu brinco que é meio intelectual meio de esquerda.
Porque eu não tive um parto normal. Porque eu não consegui amamentar tanto quanto eu gostaria, né, amamentei exclusivamente por dois meses, depois mais dois com complemento. Eu não segui o método BLW para introduzir a comida porque dois meses depois do parto eu já estava trabalhando. Eu não tinha tempo de ficar catando brócolis no chão. Eu amassei a batatinha no garfo, ia dando na colher e tudo bem.
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Eu acredito, honestamente, que a maternidade também é feita de alívios. Porque quando a gente está aliviada, a gente está segura é muito mais fácil o amor conseguir emergir. Quando o Joca começou a sorrir, quando a minha cicatriz fechou, quando ele começou a ganhar peso… Aí sim, foram se abrindo outros capítulos. Cada pessoas tem um tempo, e esse foi o meu.
Não que a minha vida hoje seja perfeita. Continua um caos, mas é o caos da maternidade possível, que existe entre o romantismo e o terrorismo. Eu venho encontrando o meu caminho. É desgastante, é cansativo, mas é muito divertido também. Eu me divirto muito sendo mãe. Quando a gente tem criança em casa, a gente aprende a voltar a brincar. E eu lembrei o quanto eu gosto disso.
E de repente eu olhei para aquilo e falei: “Meu Deus, eu consegui fazer isso”. E pode parecer ridículo, né? Sentir que é uma grande conquista ir até o shopping com um neném. Mas quem já fez qualquer banalidade com um neném pela primeira vez, sabe como a gente se sente poderosa.
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Eu espero que não, mas se um dia meu filho tiver uma madrasta, tem decisões que eu quero que sejam minhas. Eu fui e sou madrasta de crianças com guarda compartilhada. Elas estão comigo 50% do tempo. E eu entendi que uma coisa é a gestão doméstica do dia a dia. Mas, outra coisa é a gestão do indivíduo, das decisões de saúde, de educação, do que pode e do que não pode.
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A minha família hoje eu considero que são dois filhos que não são meus, de dois homens diferentes, que têm suas próprias mães, o meu marido e o meu filho biológico. Os meus momentos mais felizes são com eles. Às vezes sou só eu e o Joca. Às vezes eu, Joca e Agustin. Às vezes eu, Joca, Agustin e Caetano. Às vezes eu, Joca, Agustin, Caetano e Francisca. Enfim, são momentos que me enchem os olhos e são níveis de alegria que eu não conhecia.
A gente fez um ritual muito maluco de batizado lá em casa. Minha mãe levou uma imagem de São Francisco, já que os padrinhos são a Francisca e o Francisco, que é um amigo do meu marido. E a gente pegou vinho do Porto, fernet e cachaça, para simbolizar o encontro do Brasil, de Portugal e da Argentina, já que o meu marido é argentino. E o Joca foi batizado assim, com essa mistura de bebidas e culturas.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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