Para Inspirar
Conheça a história de uma mãe que transformou o luto em luta, na décima quarta temporada do Podcast Plenae.
12 de Novembro de 2023
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Luciane Zaimoski: Eu não achava que depressão era frescura. Então quando o meu filho recebeu esse diagnóstico, eu entendi que era uma doença que precisava de tratamento. Mas, mesmo assim, na minha cabeça, se o Samuel se esforçasse um pouco, ele resolveria esse problema.
Se ele saísse de casa pra passear, por exemplo, ficaria melhor. Foi só na primeira tentativa de suicídio do meu filho, que eu entendi, de verdade, que melhorar da depressão não é uma questão de força de vontade.
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Geyze Diniz: Desde que recebeu o diagnóstico de depressão de seu filho, Luciane Zaimoski se dedicou a cuidar dele e a entender mais sobre a doença. Infelizmente seu esforço não evitou que Samuel tirasse sua própria vida, mas Luciane transformou sua dor em uma causa pessoal e hoje, ajuda pessoas para que elas não passem pelo que ela passou. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Luciane Zaimoski: Eu tenho três filhos: a Carol, o Samuel e o Tiago. O do meio, foi planejado. Foi tipo: O pai do Samuel e eu olhamos no calendário e falamos: é agora!
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Desde pequenininho, o Samuel se destacou tanto em casa como na escola. Ele era muito inteligente. No primeiro ano dele na creche, ele desenhava tão bem e aprendia tão rápido, que as professoras falavam assim: “Nossa, quando ele for pra educação infantil, vai ter que fazer uma avaliação. Ele provavelmente vai passar na frente das outras crianças”. Elas achavam que ele era superdotado. Dali pra frente, o Samuel sempre foi considerado o melhor aluno da sala.
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O Samuel tinha alguns amigos mais chegados, mas não fazia o tipo popular. Ele era mais introvertido e isso se acentuou a partir dos 15 anos. Naquela idade em que os jovens começam a sair, namorar, festinha, ele fez o movimento inverso. Ficou mais caseiro do que já era. Eu estranhei, mas achei que fosse pelo jeito tímido dele. O Samuel era doce, sensível… E fechado.
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No ensino médio, pela primeira vez, as notas dele começaram a cair. Os desenhos do Samuel se tornaram sombrios. É como se ele tivesse deixado de desenhar o sol pra desenhar a escuridão. Ele passou a não dormir, a não tomar banho, a não ter energia para ir para escola. Eu fui várias vezes ao colégio, mas ninguém notou nada anormal no comportamento dele.
Cheguei até a ouvir de uma professora que o meu filho fazia parte da geração mimimi. Ela disse que ele não precisava de psicóloga, e sim de trabalhar, já que ele não queria estudar. Eu não concordei com ela. Tinha alguma coisa estranha.
Chegou um momento que eu falei: “Filho, eu acho que você precisa de ajuda. Vamos procurar uma psicóloga?” Ele concordou.
Eu participei de algumas sessões da terapia e questionei a mudança de comportamento do Samuel. Mas a psicóloga dizia que nunca tinha notado nada anormal. Ela falava: “Se eu perceber que ele está correndo algum risco, eu te conto. Mas, fica tranquila, porque tá tudo dentro do esperado pra idade dele”.
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Com a terapia, o Samuel começou a conversar mais comigo. A gente falava sobre sexo, sobre droga e sobre outros assuntos considerados tabu. Mesmo assim, era um papo mais superficial, eu diria. Meu filho nunca me contou sobre as angústias que ele sentia de verdade. Por que ele andava tão triste?
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Depois de um ano e oito meses, ele não quis mais continuar com a terapia. A psicóloga achou que ele estava bem e deu alta. Só que aí veio a pandemia e o Samuel piorou muito. Ele começou a se mutilar e a se queimar. Eu desconfiei quando vi ele de calça e blusa num dia muito quente. Fui conversar com ele de maneira tranquila, sem que parecesse cobrança ou briga. Eu perguntava: “Tem alguma coisa errada aí, né, meu filho? Vamos conversar?” Daí ele me mostrava as cicatrizes.
Ele passou a ter crises de ansiedade também. As primeiras causavam uma sensação de falta de ar. Daí ele começou a ter espasmos, como se fossem ataques epiléticos. Eu procurei um neurologista e o Samuel fez uma bateria de exames. Só que os resultados deram todos normais. O meu filho foi encaminhado pra um psiquiatra e com provável diagnóstico de depressão.
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Uns dias depois que o Samuel iniciou o tratamento com antidepressivo, ele tentou tirar a própria vida. Ele tinha acabado de começar a estudar na faculdade e a trabalhar na prefeitura de Curitiba. Foi no emprego que ele se machucou. O meu filho foi levado pra uma unidade de atendimento médico e, de lá, transferido pra um hospital psiquiátrico.
Eu fiquei sem chão. Eu era muito ignorante sobre a depressão. Não tinha nenhum caso anterior na família. E eu nunca tinha convivido com alguém que tivesse a doença. Nunca tinha nem sequer lido a respeito. Foi a partir da tentativa de suicídio do Samuel, que eu comecei a estudar sobre o assunto.
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Antes, eu achava que se o meu filho tivesse amigos alegres, se fosse à igreja comigo, se saísse mais, ele resolveria o problema dele. Eu não sabia que a doença causava um sofrimento tão profundo na pessoa. O meu filho ficou 48 dias internado no hospital psiquiátrico. No começo, o Samuel também concordou com a internação. Eu me enchi de esperança nesse período.
Achei que ele sairia curado. Mas foi o contrário. Depois de uns 20 dias, meu filho só chorava durante as visitas. O psiquiatra do hospital me explicou que, na realidade, o Samuel tinha transtorno bipolar. Até hoje, eu não tenho certeza sobre o verdadeiro diagnóstico.
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Dentro da clínica, o meu filho, que era um doce de pessoa, se tornou agressivo. Ele se revoltava com o tratamento e chegou a ser amarrado. Depois que ele saiu da clínica, me contou os horrores que ele viveu lá dentro. Ele não dormia, porque tinha medo de ser atacado por pacientes com registros criminais. Eu praticamente larguei o trabalho pra me dedicar ao meu filho. Eu dormia com ele, às vezes segurando a sua mão, pra que ele não fizesse nada contra a própria vida.
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Quando fez um mês que ele estava em casa, ele pediu pra voltar pro trabalho e pra faculdade. Ele realmente parecia melhor. A gente chegou até a comentar que o antidepressivo estava fazendo efeito. Mal eu sabia que a felicidade era porque ele tinha descoberto uma forma de encerrar a dor absurda que ele sentia.
No dia 22 de agosto de 2022, eu ainda lembro da última vez que ouvi a voz do Samuel: “Tchau mãe. Tô indo trabalhar. Te amo”. Algumas horas depois, eu recebi uma ligação com alguém dizendo que ele tinha se machucado no trabalho. Quando eu cheguei lá, não me deixaram ver o Samuel.
Um enfermeiro me falou: “Mãe, faz 37 minutos que a gente tá tentando reanimar o seu filho”. A minha vista sumiu. Eu perdi o chão e desmaiei. De repente, acordei com alguém me chamando: “Lu, Lu, vamos, o Samuel voltou. Ele tá indo pro hospital”. Os batimentos cardíacos tinham voltado, mas a atividade no cérebro, não.
Três dias depois, um médico me chamou numa sala, junto com toda a família, e deu o diagnóstico de morte cerebral. Eu sou uma mulher de fé e até o último minuto eu acreditei que um milagre traria o meu filho de volta. Mas o milagre que eu esperei veio de outra forma.
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No momento em que eu recebi a notícia da morte do meu filho, alguém recebeu uma ligação para receber vida. Nós doamos todos os órgãos possíveis do Samuel. Com isso, algumas pessoas receberam a esperança de viver. Mais de 500 pessoas foram ao velório e ao enterro. Eu fazia questão de contar pra todas, principalmente pros jovens, a verdade, para que de repente essa tragédia não acontecesse de novo.
Um amigo dele me contou que o Samuel já tinha tentado tirar a própria vida pelo menos mais uma vez. E eu nem tinha ficado sabendo. Um dia depois do enterro, algumas pessoas vieram na minha casa. A gente estava numa roda de conversa e eu falei: “Quantas mães ainda vão chorar por um filho que cometeu suicídio? Quantas pessoas ainda vão tirar a própria vida por falta de informação? E se a gente criasse uma ONG que alcançasse pessoas com depressão e os familiares dessas pessoas?”.
Assim, nasceu o Instituto Samuel Caetano. Logo depois que o Samuel foi enterrado, começou a campanha do Setembro Amarelo, dedicada à prevenção do suicídio. A Câmara Municipal de Colombo, uma cidade perto de Curitiba, estava fazendo um evento sobre isso. Eu fui convidada pra ir e dei o meu depoimento.
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Depois desse evento, a notícia se espalhou e pessoas que eu nem conhecia começaram a me procurar. A gente criou um grupo no WhatsApp e o projeto do instituto foi crescendo. Eu comecei a virar referência pros outros. Era assim: “Lu, uma amiga minha acabou de perder a filha e precisa de ajuda”. Ou: “Fulano tá com depressão”.
E assim eu fui fortalecendo outras mães e ajudando jovens com a doença. O suicídio acontece não porque a pessoa quer tirar a própria vida. Na realidade, é uma saída pra uma dor que a pessoa suporta mais sentir.
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Atualmente, o Instituto Samuel Caetano tem cerca de 51 voluntários que prestam atendimento gratuito pra quem precisa. A gente faz ações em praças, pistas de skate, parques, ruas. Fazemos um trabalho de acolhimento para quem precisa, desde um abraço até uma conversa individual.
Eu dedico a maior parte do meu tempo ao instituto, sem ganhar nada por isso. Nós temos dois projetos em andamento. O Projeto Girassol atua no ambiente escolar, da educação infantil até a universidade. Recentemente, nós demos palestra sobre saúde mental pra 800 alunos de uma escola na periferia de Curitiba. Já o Projeto Life, que ainda está em fase de discussão, prevê apresentação de música, teatro, dança.
A ideia é ter um cantinho da conversa, onde especialistas acolhem e encaminham pra tratamento se houver necessidade. Tudo de forma gratuita. O Instituto Samuel Caetano ainda não possui espaço físico. Mas eu sonho com uma sede espaçosa para acolher e tratar os pacientes de forma humanizada. Seria um lugar mais parecido com uma casa do que uma clínica. Quem tá doente precisa receber escuta sem julgamento, uma coisa que muita gente não encontra na própria família.
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Na minha experiência de dor, nasceu a vontade de ajudar o próximo com amor. O Samuel se foi, mas a vida continua. Eu tenho tantos outros filhos pra cuidar. A Carol, o Tiago e tantos filhos e filhas que nasceram de outras mães e que necessitam de acolhimento. O nosso mundo precisa de pessoas dispostas a doar alegria e esperança ao próximo.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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Para Inspirar
A oitava temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história do jornalista Boris Casoy. Aperte o play e inspire-se!
12 de Junho de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Boris Casoy: Aos 80 anos, a minha vida se modificou. Eu tive que sair da RedeTV, devido a pandemia, e eu acabei seguindo por um caminho que eu já tinha imaginado percorrer, de fazer o Jornal do Boris na internet. Mais recentemente, fui contratado como comentarista da CNN.
A minha manhã estava totalmente ocupada, mas a tarde e a noite estavam livres, e eu acho que ter dois períodos do dia pra fazer nada é muito tempo vazio. Aí eu resolvi prestar vestibular e estudar veterinária, um desejo que eu tinha há muito tempo, materializado por um amor e uma grande curiosidade pelos animais.
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Geyze Diniz: Qual é a idade limite para se realizar sonhos? Não existe idade quando o sonho é um propósito. Boris Casoy tem uma carreira consolidada na TV há mais de 50 anos, mas ainda é um calouro nos bancos da faculdade de veterinária. Conheça a história que fez Boris Casoy voltar para as salas de aula, aos 80 anos, para realizar um sonho. Ouça no final do episódio as reflexões do rabino, escritor e dramaturgo Nilton Bonder para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Boris Casoy: Até os 9 anos de idade, eu praticamente não andei. Eu e a minha irmã gêmea tivemos poliomielite, uma doença para a qual não havia vacina naquela época, foi em 1942. A minha família tinha boa condição financeira e a minha mãe nos levou para os Estados Unidos, onde fomos operados. O problema foi remediado e eu fiquei com poucas sequelas, mas eu praticamente perdi a minha infância.
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Naquela época, a psicologia era uma coisa associada à loucura, então, como não era hábito, eu não tive nenhum auxílio psicológico para lidar com a minha paralisia. Nada, absolutamente nada. Quando entrei na adolescência, a partir dos 13, 14 anos, eu me tornei um garoto problema. Eu fazia o que eu queria, era birrento, era briguento e não estudava muito bem. Na minha cabeça, eu estava recuperando o tempo perdido, fazendo tudo que eu não tinha podido fazer antes.
Eu não era malvado, malvaaaaado, mas era agitado e não me adaptava às restrições da época. Saía de casa sem autorização da minha mãe, pegava a bicicleta e ia longe. A bicicleta equivalia a um par de asas. Jogava futebol na rua, o que na época era algo MUITO grave, perseguido pela polícia, porque a vizinhança reclamava. A minha mãe achava que era coisa de moleque da rua, uma expressão muito forte naquela época, muito cerca, muito próximo de um marginal.
Ao mesmo tempo, dentro daquela desobediência que levava a marca da pólio, curiosamente foi brotando dentro de mim um interesse pelos mistérios do universo, pela busca da presença divina. E esse interesse se materializava na contemplação da natureza e numa estima muito grande por animais. A gente não tinha nenhum bicho em casa, porque a minha mãe não era grande apreciadora da companhia deles. Ela acreditava que os animais transmitiam doenças, um tabu antigo. Ela gostava de bichos, achava que eles tinham que ser bem tratados, mas longe de casa.
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Só depois de adulto eu fui ter animais de estimação, cachorro, gato, coelho. Eu gosto de todos os bichos e me esforcei e me esforço para compreendê-los melhor. Na minha casa eu tenho um quintal grande e não deixo matar nenhum bicho. Teia de aranha eu nem desmancho. Se você entrar em alguns cantos, vai achar que ninguém limpa a minha casa. Eu não trato a aranha como um animal doméstico, mas eu a respeito. Respeito e admiro. Cobra eu também nunca mato, eu espanto, mesmo as venenosas. E como há cobras venenosas neste planeta. Eu só procuro evitar animais que são prejudiciais ao ser humano, tipo pernilongo, barata, etc, aí não tem jeito.
A companhia dos bichos me dá uma grande satisfação. Hoje eu tenho dois cachorros, a Neguinha, que é pretinha, adotada. Ela é uma princesa, inteligente e muito boazinha. Quando troveja, ela pede pra ficar comigo e dorme no meu quarto. Há uns meses, adotei outro cachorrinho que um amigo meu encontrou perdido na rua, é o Bimbo, um vira-lata caramelo. Ele chegou esquelético, sujo, mancando de uma pata e agora ele está lindo e nós estamos tratando as feridas dele. Ele é muito matreiro, é muito moleque, e já se adaptou muito bem na casa.
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Biologia tem sido muito mais fácil de me adaptar, eu busco material de estudo na internet e em livros. Me interessei pelo corpo humano também e fui pesquisar o assunto por curiosidade. Já química não me desperta nenhum interesse. Eu sei que ela é necessária, mas não é algo que eu vá lidar diretamente no dia a dia. Essa matéria eu só estudo pra passar de ano mesmo.
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Por causa da pandemia, as aulas têm sido online, nessa experiência nova de educação pela internet. Claro que não é como voltar aos bancos escolares integralmente, inclusive toda uma relação com os outros alunos e com os professores. Eu estou lidando com imagens, não com as pessoas. Sinto falta desse contato olho no olho e, evidentemente, só conheço a turma de maneira virtual, mas por enquanto tenho que me conformar, tem que ser assim.
Eu estudo no turno da noite, que vai das 19h até às 22h. No começo, por causa da notoriedade, a minha presença causou um pouco de surpresa na turma, mas o pessoal aparentemente já está se acostumando, inclusive os professores. Quando a gente puder ter as aulas presenciais, acho que vai haver um momento de curiosidade, mas depois eles vão acabar percebendo que eu não sou nenhum ET.
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Eu não sou o primeiro da classe, sou apenas um estudante mediano. A vantagem é que eu estudo porque eu gosto, pra satisfazer as minhas curiosidades, não pra exercer uma profissão. Se eu fosse trabalhar como veterinário, o que vai ser meio difícil, a minha predileção estaria com os animais silvestres. O bicho doméstico exige cuidados, enquanto o selvagem se vira e sobrevive por meios próprios. Por isso eu tenho uma grande admiração por eles.
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O curso está me dando uma grande satisfação pessoal, ocupando o meu tempo e me trazendo novos desafios. Eu sei que, se eu ficar parado, eu me encaminho para um processo depressivo. Uns anos atrás, eu comecei a sentir um vazio que surgia, especialmente, aos sábados e domingos. Procurei meu médico e descobri que eu não tinha nada de patológico, mas era o que ele chamou de melancolia que, sim, poderia evoluir para uma depressão.
O ser humano é sociável e, por isso, se isolar é remar contra a natureza. A gente não foi feito pra ficar parado. Eu comecei a trabalhar aos 15 anos, como narrador esportivo numa emissora de rádio, e nunca mais parei, nunca mais. Fui editor-chefe da Folha de São Paulo duas vezes, somando 8 anos. É uma função muito, muito pesada, que eu desempenhava com grande vontade.
Depois, foram mais de 30 anos como âncora de telejornais, numa rotina puxada, mas da qual eu sempre gostei. Sempre tive prazer. Aliás, eu nunca trabalhei com uma atividade que eu não gostasse. Que eu não gostasse muito. Pra mim, trabalhar não é muito distante de lazer, mas com responsabilidade.
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Mesmo depois que eu parei de apresentar um jornal diário, eu não fiquei parado. Me tornei um youtuber e, mais recentemente, um comentarista da CNN. Foi uma surpresa o convite. Eu acho que a pessoa, se ela tem uma mínima condição física e mental para seguir uma atividade profissional, ela deve, precisa, tem de continuar. Eu não suportaria psicologicamente ficar sem fazer nada. Quando você tem uma profissão da qual você gosta, sente falta do exercício dela.
E também eu tenho o conceito de que essa aposentadoria de você ficar de chinelo, na praia, passeando, ou deitado numa rede, é uma espécie de morte em vida. O trabalho me dá prazer e implica um monte de coisas tipo relações pessoais, compromissos e objetivos. É preciso ter objetivos, é preciso ter um desafio. Se alguém não tem onde trabalhar, pode se voluntariar em alguma instituição. A pessoa vai se sentir mais feliz e realizada, vai dormir sabendo que trabalhou para ajudar o próximo. Isso não é só bom, é espetacular.
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Eu acho que aquele cara que fica só com seus pensamentos abre um portal para a depressão. A gente precisa ter uma atividade, repito, um desafio no nosso dia a dia. Entre ser cauteloso e encarar um desafio, eu sempre, na minha vida toda, optei pelo desafio e vou continuar assim, vou continuar com essa opção. Não quero dizer que eu vá jogar dinheiro pela janela, mas, claro, assumir as opções possíveis sem assumir riscos.
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A velhice por enquanto não me fez ter uma vida mais recolhida, mais calma, não. O que eu sinto e lamento é a decadência física, que chegou muito recentemente e de maneira acelerada. É inevitável. O corpo não responde com a mesma presteza. Eu ando mais devagarzinho, tenho medo de cair, medo de escorregar no banheiro, tomo mais cuidado pra descer as escadas. Mas eu sei que esse processo é um processo normal e sabia que algum dia ele viria, por isso, faço exercícios e tento manter uma alimentação adequada pra atrasar um pouco mais essa perda física.
A minha mente é a mesma e a memória aparente está boa, pelo menos por enquanto. Tenho os mesmos esquecimentos que eu sempre tive, como a dificuldade de reter nomes, mas não apareceu nada, nada de novo. Olha, ter uma atividade profissional ajuda a manter a minha cabeça e a minha memória em ordem. Eu tomei uma decisão de que, enquanto eu puder fazer alguma coisa, vou fazer. E eu recomendo o mesmo pra quem entra nos 60, 70 anos. A cabeça boa, na minha opinião, faz o corpo sadio, e o corpo sadio faz a cabeça boa.
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Nilton Bonder: Muito linda a iniciativa do Boris, não só de iniciar este novo projeto, mas de torná-lo público, abrindo a possibilidade pra tantas pessoas, de imaginar reinvenções e mudanças em nossa realidade longeva. Os humanos ganharam cerca de 20 anos em média em sua expectativa de vida e há espaços existenciais novos a serem cobertos.
A aposentadoria, como o Boris aponta, era um grande sabático com prazo de validade, mas não é o mesmo em nossos dias. O ser humano pode fazer terapias ocupacionais por um tempo, mas não por décadas. E o ser humano precisa sentido e propósito, condições para não estar condenado a viver de forma torturante e humilhante.
Várias universidades mundo afora já ofereceram programas de reinvenção de carreiras, motivadas não por desagrado, mas porque as pessoas, de alguma forma, se graduam de certa função. Sempre digo que as coisas não necessariamente terminam, trabalhos ou relações, mas nos graduamos delas. E se a memória e a destreza não são as mesmas do primeiro vestibular, a experiência e a vivência neste segundo lhe conferem outra qualidade.
As sequelas da pólio e as sequelas dos desgastes do viver, sim, põe mais sobre o corpo do que sobre a mente, e como Boris diz, há sim que se cuidar mas para não cair e levar tombos, mas para a cabeça é o contrário, ela nunca foi tão potente em entendimento sobre o viver e a vida. Dar espaço para aventuras radicais não é contraindicado, muito pelo contrário.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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