Para Inspirar
É possível aprender mesmo com as adversidades? Para o publicitário José Papa Neto, sim. Confira seu episódio no Podcast Plenae
27 de Setembro de 2020
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
[trilha sonora]
Eu senti um desespero mesmo, porque eu não tinha o meu médico, não sabia pra onde ir, se podia ser alguma coisa ligada ao procedimento pelo qual eu tinha passado. E aí eu comecei uma corrida por uma indicação. Falo com um médico, com outro, até conseguir uma consulta. Quando finalmente eu fui consultado, o médico me encaminhou para uma tomografia. Eu voltei do exame e já estava com uma neurocirurgiã ao lado do neurologista. E ela olhou para mim e ela falou: "Você tem que operar agora, é um negócio seríssimo, é uma infecção chamada Osteomielite". [trilha sonora] A médica me explicou que o pedaço do crânio que eles tinham tirado para drenar os hematomas havia infeccionado e por isso eu tinha que abrir a cabeça de novo imediatamente. Eles me pediram pra assinar um termo de responsabilidade, porque havia risco de morte. Assinei e lá fui eu outra vez.
Outra craniotomia, retiram de novo um pedaço importante do meu crânio, mas agora o pedaço foi jogado fora, descartaram toda a parte que estava comprometida pela bactéria. Agora eu precisava encarar por um tempo a vida sem esse pedaço importante da minha cabeça e do meu crânio. Passei uma semana na UTI me recuperando e, quando voltei para o quarto, logo na primeira noite veio de novo aquela dor de cabeça intensa. A médica voltou no dia seguinte, consternada, com um olhar super pesado, e falou: "Olha, a gente vai ter que operar de novo". Eu tive um problema ainda mais grave dessa vez, chamado empiema subdural, que é o acúmulo de pus entre o tecido que cobre o cérebro e o crânio. Essa infecção evolui super rápido e a única forma de drenar é abrindo. Crânio aberto outra vez, outro período na UTI, vivendo um dia por vez, consciente da ideia da morte, porque a infecção não cedia.
Duas semanas depois da terceira operação, a dor continuava muito forte e a médica falou de novo, em tom grave, que lamentava, e que ela tentaria um último antibiótico, dessa vez muito mais potente, mas que ela tinha receio do impacto no meu organismo, mas seria a última tentativa. Porque se não fizesse efeito, ela teria que operar outra vez. [trilha sonora] No dia seguinte, a infecção, ela baixou um pouco, e é incrível, a esperança, ela voltou e dia após dia eu fui melhorando. E nesse processo de cura, veio com tudo na minha mente essa jornada que eu estava buscando, de uma conexão profunda com o que eu quero fazer. Eu comecei a me energizar e a me sentir muito otimista outra vez. Eu senti o tempo todo que eu precisava conectar minha mente ao meu coração, fazer meu corpo reagir a tudo que estava vivendo.
[trilha sonora] E como eu amo narrativas, eu crio esse storytelling, fiz o que sempre faço: eu projeto meus sonhos e realmente vou atrás. Então, lá mesmo no hospital, eu me inscrevi na maratona de Chicago, que seria realizada dentro de um ano. Era um plano e tanto na condição que eu estava. Porque dessa vez, realmente, eu senti a morte bem perto, parecia muito assustador, mas me deu muita serenidade, muita paz. Essa parte é incrível, eu não estava desesperado. Eu estava com tanta dor que eu penso que eu estava mais preocupado em me livrar dela do que com os riscos do que estava enfrentando. Acho que são nesses momentos extremos que a gente reconhece o que nos faz humanos: a nossa essência. E neste momento chave da vida, que eu vi que eu estava sereno. Isso me permitiu construir e reconstruir esse meu plano de vida, pessoal e profissional. Na cama do hospital, me vendo cruzar a linha de chegada da maratona de Chicago, isso foi um combustível enorme assim. Foi assim que eu comecei a me planejar. [trilha sonora] Depois de 50 e poucos dias internado, eu tive alta, eu passei mais um mês em casa me recuperando, até que no fim de novembro de 2018 eu comecei a colocar os treinos que eu tinha montado durante a recuperação em prática. Eu fazia esse movimento de uma maneira totalmente intuitiva, porque eu realmente acreditava na minha recuperação. E esse projeto, ele me dava uma energia maior, eu sentia uma conexão entre mente e corpo que é super poderosa. De novo, o pior momento, ele mostrou pra mim que ele faz aflorar o melhor que a gente tem. [trilha sonora] Depois de três cirurgias de alto risco, eu voltei para uma rotina mais normal de vida, avançando mesmo na direção do que eu busco. A consciência da morte é uma energia enorme e a minha experiência fez eu me sentir muito mais conectado e autêntico com os meus sentimentos, com a condição humana. Não tinha mais como olhar pra minha mente sem a conexão com o meu coração. Em outubro de 2019, um ano depois da terceira cirurgia, eu realmente corri a maratona de Chicago, como eu tinha planejado. E pouco antes, em março, eu tinha dado um passo importante na direção do propósito profissional que eu buscava. Além de me inscrever na corrida, no hospital também tinha me inscrito na Singularity University. Foi lá, que eu fui apresentado ao francês Olivier Laouchez, meu sócio na Trace Brasil, um projeto que nunca imaginei que iria liderar: uma plataforma de mídia, educação e empoderamento de origem afro e voltada principalmente à população negra. E assim, começou a ganhar forma a busca que tomava meus pensamentos no momento em que eu sofri o acidente. E quem podia imaginar que essa intuição anteciparia o maior movimento de conscientização racial no mundo. [trilha sonora] Por ter perdido um pedaço do meu crânio, eu pude, por um bom tempo, sentir o meu cérebro pulsando com os meus dedos. Isso podia ter sido um momento de tristeza, frustração, até lembrando que eu vi a morte de perto, mas a essa altura eu brincava com os meus filhos colocando um sabonete, nesse buraco enorme na minha cabeça. Eu trago comigo o entendimento de como são conectados o meu coração e a minha mente e de como essa pulsação conjunta de ambos é capaz de dizer quem sou, a pessoa e o profissional que eu venho construindo. Eu acho que toda essa corrida pela vida – um tempo de alerta, de construção e de muita resiliência – tinha ainda essa última linha de chegada: faltava a quarta cirurgia, eu fiz essa no último dia 3 de fevereiro desse ano (2020). O objetivo agora foi colocar uma prótese craniana e fechar esse buraco deixado pelo pedaço de crânio que eu perdi com a infecção. A minha cabeça, ela tá de novo fechada, mas a minha mente nunca teve tão aberta. [trilha sonora] Victor Stirnimann: Ao contrário das aparências, a vida não é aquilo que acontece, mas o que você faz com aquilo que acontece. É assim que se escreve uma boa história, daquelas que tem muito a nos ensinar. Desde sempre, nossos heróis foram aqueles que serviram de exemplo, mostrando como nossos limites são apenas as certezas que trazemos na cabeça. Por isso o destino às vezes, nos tira tudo, ou quase tudo, para que com o resto se percam também as certezas e com elas, quem sabe, o que nos impede de encontrar uma consciência maior ou um caminho melhor. Na verdade, toda crise é um convite e um aviso: é preciso mudar. Mas mudar de que jeito, se não estamos prontos, não sabemos como e nem onde vamos parar? É neste momento que descobrimos que tudo isso é um presente, perder o chão, quebrar mesmo a cabeça, abandonar a velha identidade e seguir abraçando o que é novo e arriscado e nos deixa eternas crianças. Quando você era criança, inventava suas próprias respostas, mas quando você muda, precisa voltar a inventar as metas, as histórias, você. O Zizo, que é assim que os amigos chamam José - e ele é meu amigo - é um grande inventor, mas fui testemunha de tudo que ele conta e de como é mágico sentir um coração e uma cabeça criando juntos. [trilha sonora] Geyze Diniz: As nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente nossos episódios e confira nossos conteúdos em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram. [trilha sonora]
Para Inspirar
Como praticar sua fé e sua espiritualidade podem ser benéficos no processo de cura e manutenção de um trauma interno
25 de Março de 2022
Encerramos a sétima temporada do Podcast Plenae com um relato pra lá de emocionante: a história de Deborah Telesio, que mergulhava enquanto um dos piores desastres naturais da história do planeta ocorria. Em viagem à Tailândia no fatídico ano de 2004, a administradora viu o tsunami ocorrer mais de perto do que gostaria.
Para além desse acontecimento que, por si só, já possui a força necessária para guiar uma narrativa, Deborah ainda traz as nuances de um mesmo acontecimento e, claro, o seu trauma posterior. Representando o pilar Espírito, ela ganha esse espaço justamente pela presença da religião em seu relato.
Praticante do judaísmo, ela pôde contar com a ajuda de árabes que a auxiliaram em seus momentos mais críticos, oferecendo transporte, roupas e acolhimento. Além disso, ela ainda relata ter tido visões e sensações sobrenaturais durante o ocorrido, e garante que foram elas que salvaram sua vida.
O estresse pós-traumático
Se no relato de Deborah, a religião é presente durante o seu período trágico, para muitas outras pessoas, ela surge depois. Isso porque a religião pode ser uma forte aliada no combate ao Transtorno do Estresse Pós-Traumático, também conhecido como TEPT. E o que é ele, afinal?
“O transtorno do estresse pós-traumático faz parte dos distúrbios de ansiedade e é caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais que acontecem em decorrência do portador ter vivenciado uma situação muito traumática ou violenta, que apresentaram uma ameaça para a vida dele”, explica a psiquiatra Maria Fernanda Caliani, em vídeo para seu canal Neurologia e Psiquiatria.
Esse tipo específico de estresse também pode acontecer caso essa pessoa tenha sido testemunha de uma situação traumática ou violenta, sem necessariamente ter participado ativamente dela. A questão toda é ter sido exposta a algo que ofereceu risco de vida e, apesar de superado, deixou marcas.
“Quando a pessoa se recorda do fato ocorrido, ela revive essa situação como se estivesse acontecendo naquele mesmo momento. Então ele tem a mesma sensação de dor, o mesmo sofrimento. Essa recordação a gente chama de revivescência, e ela desencadeia alterações tanto neurofisiológicas quanto mentais”, continua Maria.
Mas isso não quer dizer que todas as pessoas que vivenciaram uma situação extrema irão sofrer desse transtorno: acredita-se que de 15 a 20% irão desencadear o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. “Mas a parte triste é: a grande maioria só vai procurar ajuda cerca de 2 anos depois e é aí que está o problema. Porque o que os estudos têm mostrado é que, no caso do transtorno, quanto antes se procurar ajuda profissional e especializada, melhor a recuperação e o prognóstico do paciente a longo prazo”, explica a especialista.
Essas pessoas traumatizadas, que podem pertencer a qualquer faixa etária, podem levar meses ou anos para manifestar esses sintomas. Elas ainda estão divididas em três grupos diferentes a partir de suas sequelas:
1- Reexperiência traumática: quando a pessoa começa a ter pensamentos recorrentes e intrusivos - ou seja, ela não quer ter aquele pensamento, mas eles invadem a cabeça dela mesmo sem ela querer. “Ela pode acordar no meio da noite assustada, tendo flashbacks ou pesadelos em que ela relembra tudo que viveu”, diz.
2- Grupo da esquiva e do isolamento social: por medo de relembrar a situação, o indivíduo começa a fugir de situações, contatos ou atividades que possam reavivar as lembranças dolorosas do trauma. “A pessoa deixa de sair, começa a evitar quem estavam junto com ela, deixa de fazer atividades habituais por medo de voltar a sentir tudo que sentiu no dia do trauma”, pontua Maria.
3- Hiperexcitabilidade psíquica e psicomotora: são sintomas autonômicos, ou seja, sintomas físicos decorrentes da descarga de adrenalina. “A pessoa começa a ter taquicardia, começa a suar frio, tonturas, dores de cabeça frequentes, dificuldade para dormir, distúrbios de concentração, começa a ficar mais irritado e hipervigilante”, enumera a psiquiatra.
O diagnóstico só é feito quando os especialistas reconhecem e identificam a existência de um ambiente estressor. Algo como “se não tivesse acontecido aquilo, a pessoa não teria desenvolvido o sintoma”. O tratamento vai envolver o uso de medicações e uma terapia cognitiva-comportamental associada.
Religião X Trauma
Sabemos que o trauma afeta de múltiplas formas o nosso cérebro, e te contamos um pouco mais sobre esse assunto neste artigo. Excesso de estresse, medo, amargura, ansiedade: tudo isso reflete não só no trabalho das pequenas conexões que compõem esse órgão, como despejam uma alta carga de hormônios que estimulam a adrenalina, por exemplo.
Uma pesquisa desenvolvida pela UNIFESP comprovou que pacientes vítimas de estresse pós-traumático apresentam redução de até 10% no córtex pré-frontal (a região responsável pela tomada de decisões, por exemplo) e também do hipocampo, como as crianças. E também sabemos que situações vivenciadas na primeira infância podem reverberar por anos na pessoa.
Sendo assim, os seus sintomas seriam os mesmos que dos pequenos: alteração na memória, concentração e processamento de emoções. Um outro estudo também aponta para uma piora até mesmo do sistema imunológico do indivíduo, além de uma perda de memória recente.
Nessa busca pela cura, a espiritualidade não só pode como deve ser uma das ferramentas utilizadas. Já te contamos aqui no Plenae, inclusive, como a religião pode ser um caminho importante para o autoconhecimento. E quer mais autoconhecimento do que conseguir superar um trauma?
Isso porque o ato de rezar é também uma forma de meditar, e a meditação é tão potente que pode até mesmo alterar o formato do nosso cérebro, como explicamos neste artigo. Mais do que isso, ela possui benefícios amplamente reconhecidos pela ciência no que diz respeito à saúde mental.
Já se sabe que, quando uma pessoa está em plena atividade espiritual, o seu cérebro ativa a região de recompensa - a mesma área ativada quando estamos apaixonados, quando um sujeito usa droga, escuta música ou até quando recebemos um like nas redes sociais.
Tudo que é ligado ao prazer ativa esse mesmo circuito, que por sua vez, libera uma cadeia de hormônios em nossa corrente sanguínea, todos relacionados ao nosso bem-estar - como a dopamina e a serotonina. Isso tudo pode auxiliar não só no prazer momentâneo, mas na cura a longo prazo de um trauma.
A religião, por fim, além de desencadear processos cerebrais tão importantes ainda te ajuda na busca por um propósito de vida. E encontrar a sua missão seria o “lado bom” do trauma, como explicamos neste artigo. É comum em pesquisas com pacientes que sofreram de estresse pós-traumático se depararem com essa segunda fase, onde eles buscam mais sentido para a vida.
E a espiritualidade é uma importante aliada nessa busca, afinal, a fé nos proporciona um encontro direto com nossos valores e ideais. Por essas e outras que a religião - seja ela qual for - deve ser um dos seus pilares principais na jornada do equilíbrio, superação e autoconhecimento.
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