Para Inspirar

João Carlos Martins em “O monstro voltou”

Na quarta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, conheça a história de superação do maestro João Carlos Martins

11 de Abril de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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João Carlos Martins: A pior coisa que aconteceu na minha vida foi perder as mãos pro piano. E a melhor coisa que aconteceu também foi perder as mãos pro piano. Sobraram dois polegares atrevidos. Sobraram também os braços, os olhos, o coração, o cérebro, a fé, que me permitem continuar transmitindo emoção através da música.

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Geyze Diniz: Desde a juventude, acidentes e doenças atingiram o pianista João Carlos Martins em seu ponto mais sensível: as mãos. Sua vida é marcada por uma jornada de sucessos na carreira, intercalada por inúmeros tratamentos para contornar os problemas de saúde. Só de cirurgias foram 24. Quando os médicos lhe disseram que não poderia mais ser pianista, aos 63 anos, João Carlos Martins se reinventou como maestro. Nessa temporada, ele conta sua trajetória de luta pelo direito de continuar fazendo o que mais ama: a música. Ouça no final do episódio as reflexões da especialista em desenvolvimento humano, Ana Raia, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

João Carlos Martins: Eu herdei do meu pai, José, a paixão pelo piano. Ele sonhava ser pianista, mas nunca pôde realizar o desejo. Quando ele tinha 10 anos, sofreu um acidente na gráfica onde trabalhava, em Portugal. Uma prensa de tipografia decepou o dedo mindinho. Mas ele continuou fascinado pelo instrumento e pela música clássica. Nós chegamos a ter sete pianos em casa, três de cauda inteira. Eu ganhei o meu aos 8 anos de idade. Comecei a fazer aulas e, seis meses depois, venci um concurso nacional tocando obras de Johann Sebastian Bach. Parecia que eu levava jeito. Mas eu acredito que o dom de Deus só responde por 2% do sucesso profissional de uma pessoa. Os outros 98% são resultado da disciplina e persistência. E isso eu tive. Até demais. Na minha busca pela perfeição, eu exagerei nos estudos. 

Eu tocava escondido com um peso de 1 quilo pendurado em cada braço, pra aumentar a força e a velocidade. Era como um atleta que queria melhorar o desempenho. Aos 11 anos, passava 6 horas por dia no piano, contrariando o conselho do meu professor, o russo José Kliass. Aos 18, chegava a estudar 14 horas por dia, tentando fazer os meus dedos deslizarem nas teclas com o peso certo. Mas eu pagaria um preço pela minha obsessão. [trilha sonora] De todos os problemas de saúde que eu teria na vida, o mais difícil começou a se manifestar nessa época. Eu percebi que tinha algo errado com as minhas mãos no fim de um recital no Teatro Municipal de São Paulo. Toquei músicas de Bach, que se tornou a minha especialidade, e o concerto foi perfeito. O teatro estava lotado, e o meu professor queria que eu desse um bis. Mas eu sabia que, se eu tocasse, o som não sairia tão perfeito. A partir daí, comecei perceber que, no fim do dia, eu tinha movimentos involuntários nas mãos. De manhã, mandava brasa no piano. Conforme as horas iam passando, não sentia o mesmo conforto. Lá pelo começo dos anos 60, eu procurei um médico e ele falou que a causa era psicológica ou excesso de estudo. Não era bem isso. Na verdade, já eram sintomas da distonia focal, uma doença que causa movimentos involuntários, no meu caso, nas mãos. É um problema de origem cerebral, parecido com o Parkinson. Mas, a ciência só descobriria essa informação nos anos 80. O remédio que eu adotei foi transformar o horário do concerto no horário que eu acordo. Então, eu pedia pra ter um sofá no camarim. Eu ia pro teatro lá pelas 3 horas da tarde e dormia até 10 minutos antes do concerto. Quando eu ia pro palco, me sentia como se fossem 6 horas da manhã e tocava como um leão.

[trilha sonora]

Assim, fui levando sem nunca ter nenhum problema durante uma apresentação, até sofrer um acidente em uma partida de futebol. Era o verão de 1965, eu estava em Nova York e vi os jogadores da Portuguesa, o meu time do coração, treinando no Central Park. Fiquei empolgado e me aproximei. O técnico me convidou pra participar do bate-bola. Num lance bobo, caí em cima do braço direito. Uma pequena pedra se alojou perto do cotovelo e afetou as ligações dos dedos, o chamado nervo ulnar. Um mês depois dessa queda, o dedo médio, o mindinho e o anular da mão direita começaram a atrofiar. Além da distonia, agora tinha mais essa. Eu fiz uma cirurgia no New York University Hospital e consegui uma solução paliativa. Passei a usar dedeiras de aço pra tocar. Em algumas apresentações, eu apertava tanto essas dedeiras, que as teclas ficavam manchadas de sangue. Por mais que eu me esforçasse, não conseguia obter os mesmos resultados de antes. O prazer tinha virado sofrimento. Pela primeira vez, o New York Times fez uma crítica negativa sobre o meu trabalho. Eu falei pro meu empresário: “O New York Times tá certo. Eu não tenho mais o perfeccionismo que eu tinha antes. Música tem que ser tocada com perfeição”. Entrei numa depressão profunda. Passei a perceber as minhas limitações e a minha mente ficou dispersa.  [trilha sonora]

Um dia, eu entrei na banheira do meu apartamento em Nova York com uma gilete. Estava decidido a pôr fim na minha vida.  [trilha sonora] Na hora que pisei na banheira, o telefone começou a tocar. Tocava, tocava, tocava. Eu decidi atender. Era o meu antigo professor, ligando do Brasil. Ele disse: “João, eu sei que você tá com problemas com a mão direita. Mas tem muito repertório pra mão esquerda”. Desliguei o telefone e joguei a gilete fora. Decidi abandonar o piano, mas não a vida.  [trilha sonora] Cancelei todos os concertos e voltei pro Brasil. Eu sentia uma revolta enorme dentro de mim. Não queria mais saber de música. Decidi trabalhar com algo que não tivesse nada a ver com esse universo. Encontrei rapidamente o Éder Jofre, lutador de boxe, no prédio do meu pai. Ele também morava lá. Eu falei pra ele: “Éder, você tem que recuperar o título mundial pro Brasil. Se você quiser, eu patrocino a sua luta”. Ele respondeu: “Eu já tô com 37 anos, esquece”.  No dia seguinte, surpreendentemente, ele me telefona e fala: “Vou começar a treinar”. Eu não entendia nada de boxe. Mas comecei a entrar em contato com esse mundo e marquei umas lutas pra ele. E não é que ele ganhou o bicampeonato mundial? Foi em uma luta de 15 assaltos, em Brasília, contra o cubano José Legra. Quando eu vi o juiz levantar a mão do Éder, eu falei pra mim mesmo: “Se esse homem conseguiu recuperar o título com 37 anos, quem disse que eu não sou capaz de voltar a tocar piano?” E recomecei a sonhar.  Fiz mais cirurgia, comecei fisioterapia e voltei a estudar, primeiro num teclado mudo, depois no piano. Recuperei a musculatura dos três dedos atrofiados e me livrei das dedeiras de aço. Passei a fazer recitais em conservatórios de cidades de 20, 30 mil habitantes no interior do Brasil. Era um jeito pra recuperar a prática no palco. Telefonei pro meu empresário em Nova York e falei: “Tô de volta”. Ele disse: “Mas o público já se esqueceu de você”. Eu retruquei: “Escuta: the monster is back”.  [trilha sonora] O meu empresário marcou um concerto no Carnegie Hall e me alertou: “Vai estar vazio”. Era 1978 e fazia 7 anos que eu não tocava naquele palco. No dia do concerto, quando eu estava chegando no Carnegie Hall, vi uma fila enorme. Perguntei pro taxista: “O que tá acontecendo?” Ele falou: “Não sei qual é o raio do pianista que vai tocar hoje que parou o trânsito”. Eu falei: “Sou eu!”

Os 2.800 lugares estavam esgotados. O Carnegie Hall foi obrigado a colocar mais 300 pessoas do lado do piano. O sucesso foi imenso. Depois do concerto, uma das maiores gravadoras do mundo me convidou pra gravar a obra completa de Johann Sebastian Bach pra teclado. Eu levei 17 anos pra concluir a gravação das cerca de 400 peças contadas isoladamente. Até hoje, é a única que existe no mundo.  [trilha sonora]

A última etapa do trabalho aconteceu em Sófia, na Bulgária. O ritmo da gravação era exaustivo. Eu saía do estúdio e ainda ia estudar piano na casa de uma amiga, das 8 às 10 horas da noite. Eu gostava de voltar a pé pro hotel, em uma caminhada de 1 quilômetro e meio. Uma noite, nesse trajeto, fui assaltado por dois ciganos. Um deles me bateu com uma barra de ferro da cabeça, me causando uma lesão cerebral.

A pancada rompeu a ligação entre o cérebro e, adivinha, a mão direita. Afetou também o hemisfério da fala. Se eu falava por meia hora, chorava de dor. Até hoje eu tenho essa dor, mas na época, era insuportável. Fiz tratamento por mais de um ano e só consegui voltar a tocar piano à base de morfina. Não tive escolha e passei por uma cirurgia que cortou o nervo do braço direito. A dor acabou e eu perdi a mão direita.  Ainda consegui tocar só com a esquerda por alguns anos, até que a distonia afetou esse lado também. Quando eu tinha 63 anos, os médicos me disseram que eu não poderia mais tocar profissionalmente. A medicina não tinha mais nada a fazer por mim, era o fim da linha. [trilha sonora]

No dia em que eu recebi a notícia, parecia que o mundo tinha caído sobre a minha cabeça. Eu me lembro de caminhar 10 quilômetros, pensando o que eu iria fazer. Mas a minha vida é uma história de reinvenção. E eu sonhei com o maestro Eleazar de Carvalho, dizendo pra mim: “Jão”. Ele me chamava de Jão. “Vai estudar regência”. Às 7 horas da manhã seguinte, eu estava na porta de uma faculdade pra começar a minha carreira de maestro.

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O piano se tornou secundário na minha vida profissional. Descobri que a regência me sacia musicalmente e realiza a minha necessidade de palco. Comecei a entender o significado da responsabilidade social e iniciei a Orquestra Bachiana Filarmônica do Sesi São Paulo. É um projeto que trouxe milhares de crianças e jovens pro universo da música clássica.

 

Há um ano e meio, apareceu na minha vida um designer de produto com uma luva biônica. Ubiratan Bizarro é seu nome. Graças a ela, eu posso encostar novamente os dez dedos no piano. Só no ano passado saiu na imprensa internacional mais de 6 mil artigos sobre esse velho maestro. 

A luva dá conforto, mas não é a solução definitiva. A minha missão agora é aproveitar o alcance que eu tenho para liderar uma campanha unindo música e medicina. Como o homem pode ser capaz de fotografar uma pedra em Vênus e não descobrir qual é o ponto do cérebro para curar distonia e Parkinson? Eu vou dedicar a minha vida até o apagar das luzes, pra tentar ajudar a ciência a encontrar a cura pra essas pessoas.

Quando eu olho pra minha história, vejo claramente que nada foi por acaso. Conheci vales profundos e altas montanhas, como qualquer ser humano. Se eu me levantei após todas as quedas, é porque eu acredito numa força superior e numa força interior com a mesma intensidade. Qual intensidade? A intensidade da esperança!

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Ana Raia: A experiência de uma vida real e com inteireza não é composta apenas de eventos bons e alegres. A experiência de uma vida em sua máxima potência inclui todos os tipos de acontecimentos e é conduzida pela curiosidade, pela coragem de seguir paixões, pela garra, resiliência, pelo comprometimento com o crescimento. E essa vida plena e inteira só se dá com flexibilidade para mudar a rota, quando assim for necessário. A vivência do maestro João Carlos Martins exemplifica o que eu disse até agora. No meu ponto de vista, a vida é generosa com o João. Dá a ele bênçãos e sinais. Ele nasce com o dom e a paixão pela música. Com muito esforço, disciplina e persistência, transforma esse talento em excelência e ganha o sucesso, o reconhecimento, ele ganha um sentido pra viver. Mas aí, em um dado momento, a vida lhe tira o meio para dar ritmo e cadência a essa paixão, ao propósito dele. O maestro diz que conheceu vales profundos e altas montanhas. Eu digo que a vida é movimento, é impermanência, é mudança. O João sabe bem disso e dançou conforme a música, mas com protagonismo. Ele recebeu muitos nocautes da vida, mas sempre escolheu levantar, porque a vida não é sobre não cair, é sobre saber levantar. João escolhe viver sua travessia olhando as adversidades como convites para aprender, para se conhecer, evoluir e explorar novos caminhos. Por isso, eu digo: a vivência de João Carlos Martins é sobre viver de peito aberto, mudando o que é possível, aceitando o que não é, mas sempre dançando com a vida. Faça como o João. Dance. E seja protagonista da sua vida.

[trilha sonora] Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae. [trilha sonora]

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Para Inspirar

Eduardo Lyra em “Sua origem não define quem você será”

Na sexta temporada do Podcast Plenae, Eduardo Lyra conta como a sua própria história o inspirou a transformar o mundo em um lugar melhor.

29 de Agosto de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


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Eduardo Lyra: A minha primeira investidora foi a Patrícia Villela Marino, uma das donas do Itaú. Então eu morria de medo que ela descobrisse que meu pai era assaltante de banco. Eu não tinha contado isso pra ela porque a sociedade é meio preconceituosa, sabe? Eu preto, vindo de favela, se revelasse o passado do meu pai, aí que as portas iam fechar mesmo. 


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Geyze Diniz: Ele tem um plano ousado: colocar a miséria da favela no museu. Para muitos isso é impossível, para ele é um propósito. O empreendedor social, Edu Lyra, fundador da ONG Gerando Falcões, é um empreendedor social que tem como combustível gerar oportunidades e fazer da favela um lugar de prosperidade. Eleito pela revista Forbes como um dos jovens abaixo de 30 anos mais influentes do Brasil, ele nasceu na favela, venceu a miséria, entrou na universidade e escreveu livros.

Mais do que isso, criou uma rede de desenvolvimento social presente em mais de 300 comunidades carentes do país. Conheça a história de empreendedorismo e vontade de mudar o mundo de Edu Lyra. Ouça no final do episódio as reflexões da psicanalista Vera Iaconelli para lhe ajudar a se conectar com a história e com o momento presente. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se


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Eduardo Lyra: O lugar onde uma pessoa nasce costuma definir até onde ela pode chegar. Eu nasci numa favela no Jardim Nova Cumbica, em Guarulhos. A condição financeira da nossa família era tão abaixo da linha da pobreza que o nosso barraco tinha chão batido de terra. No banheiro, não tinha descarga, nem chuveiro. Era banho de caneca. Os meus pais, Maria Gorete e Marcio Luiz, não podiam comprar um berço pra mim. Eu dormia numa banheira de plástico azul. 


Cresci num ambiente de muita violência. Tive tios e primos assassinados. Um amigo meu chamado Edson foi morto com mais de 15 tiros, praticamente do lado da minha casa. Eu tava jogando futebol e escutei vários barulhos de tiro. Como era dia de jogo do Corinthians, pensei que era rojão. Até que ouvi e vi um monte de gente correndo e falando: “O Edson morreu! O Edson morreu!” Aquilo me revoltou. 


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A violência também estava dentro da minha casa. Quando eu tinha quatro anos, meu pai foi preso, indiciado por roubo a banco. Eu visitei ele várias vezes na prisão. Era horrível ter que ver a minha mãe sendo revistada nua, na minha frente, tendo a intimidade violada por um erro que ela não havia cometido. Ela suavizava a história, dizendo que meu pai estava ali porque era o trabalho dele.

Em São Paulo, a profissão de bandido é meio que camuflada. No Rio de Janeiro, por exemplo, o cara usa arma e fuzil no meio da rua. Lá na favela, o criminoso tentava de alguma forma separar a vida social da atividade criminosa. Não era óbvio pra mim que meu pai era bandido. Eu só descobri na verdade um dia que uma vizinha me levou pra igreja e orou assim: “Deus, ajuda o pai do Edu a sair da cadeia, a deixar de ser bandido”. 


No meu primeiro dia de aula, a professora quis socializar os alunos e perguntou: “Qual a profissão do seu pai?”. Eu respondi que o meu pai era caminhoneiro e viajava o tempo todo. Foi a melhor resposta que eu encontrei, pros amigos da classe não se afastarem de mim.


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Eu sempre fui apaixonado pelo meu pai. Adorava quando ele ficava em casa. Mas isso era raro. Quando ele não estava preso, estava em algum barraco qualquer usando droga. Tive muitos momentos de solidão com a minha mãe. A gente criou um vínculo forte e ela foi o contraponto da minha história. Minha mãe teve a coragem de me incentivar a sonhar. Na fome, no medo, na enchente, ela olhava nos meus olhos e dizia a frase que virou o meu mantra: “Não importa da onde você vem, mas pra onde você vai”.


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A minha mãe foi a maior líder que eu tive. Ela me ajudou a construir reservas emocionais pra vencer qualquer crise. Por testemunhar o sofrimento dela e da minha vó, eu prometi pra mim mesmo que eu ia ser um ponto de mudança na nossa história. Eu ia dar orgulho pros meus pais e engrandecer o sobrenome Lyra, que só saía nas páginas policiais de jornais. O meu primeiro passo para reescrever a história da minha família foi dizer não às drogas e ao crime.  


Me dediquei aos estudos e fui a primeira pessoa da família a entrar na universidade. Estudei jornalismo, não me formei, mas me eduquei e escrevi um livro chamado Jovens Falcões, com histórias de 14 brasileiros empreendedores, entre eles o youtuber Felipe Neto. O objetivo do meu livro era contar pra juventude brasileira da favela que dá pra ser mais do que traficante e bandido se você tem origem humilde. Falcão é o jovem que não se limita ao pó do chão. Ele voa. E quem voa consegue enxergar tudo de cima. Quem enxerga de cima, vê oportunidade. E quem vê oportunidade, vai lá e agarra.


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Publiquei o livro de maneira independente, fazendo parcerias com comerciantes de Poá, a cidade onde morei por mais de 20 anos. Montei uma equipe com 50 amigos e vendemos os livros de porta em porta por 9 reais e 99 centavos. Conseguimos vender cerca de 5 mil exemplares em pouco mais de três meses. 


Com o dinheiro arrecadado, fundei a Gerando Falcões, dando palestras motivacionais para alunos de escolas públicas do estado de São Paulo. Eu falava pra juventude de 14 a 17 anos não ceder à pressão social, não baixar a cabeça. Dizia pra eles deixarem pra trás a preguiça, o pessimismo e fabricarem oportunidades. Eu me lembro que numa palestra na cidade de Tiradentes, um jovem, do nada, tirou um revólver da cintura e colocou ele em cima do palco e falou: “Larguei o crime, mano, parei”. 


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Por causa da minha origem, eu fui condicionado a enxergar um mundo de escassez. Escrever um livro e vender cada exemplar a 9,99 era o máximo de oportunidade que eu conseguia enxergar. A minha visão de mundo começou a mudar quando eu fui escolhido pelo Fórum Econômico Mundial para fazer parte do Global Shapers. É uma iniciativa que seleciona jovens de 20 a 30 anos com potencial para mudar o mundo.


Eu tinha 23 anos e morava numa casa sem reboco por fora, quando fui no evento de nomeação dos brasileiros escolhidos pela iniciativa. Foi um dia simbólico para mim, porque pela primeira vez na vida eu pisei no Morumbi, aquele bairro nobre de São Paulo. O evento aconteceu na casa da empreendedora social Patrícia Villela Marino. Tinha um monte de gente da elite lá, num cenário que eu só tinha visto em filme.


Naquele ambiente de riqueza, eu poderia ter tido três reações. Vamos lá. A primeira: sentir ódio e pensar: “Pô, esses bacanas nasceram bem e eu nasci agredido socialmente”. Segunda: me sentir envergonhado por não estar tão bem vestido e ficar isolado num canto. A terceira: falar: “Maravilha, olha onde eu entrei! Agora ninguém me segura”. Eu fui na terceira. Entrei no meio dos bacanas, troquei cartão, fiz relacionamento e tive a chance de fazer um discurso de 5 minutos. 


No fim do evento, a Patrícia me chamou de canto e disse que queria fazer um seed money em mim. Na época, o meu inglês era zero e eu não entendi nada. Fiquei meio sem graça, pensando o que essa mulher quer comigo. Ela deu risada e falou: eu quero botar dinheiro em você. Pediu o meu CNPJ, que eu nem sabia o que era.


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A partir daí, tudo mudou. O meu horizonte não abriu, escancarou. A Patrícia investiu mais de 100 mil reais na Gerando Falcões. Me ajudou com gestão e me conectou com uma rede de executivos que ajudaram a estruturar o negócio social. Construí uma ponte da favela pro centro e passei a enxergar um universo com fartura e oportunidades que eu poderia levar para as favelas. Só depois do investimento eu abri o jogo com a Patrícia sobre o passado criminoso do meu pai. Ela passou a me admirar ainda mais. E eu me libertei da vergonha. 


Fiz uma releitura da minha própria vida e transformei as minhas dores em propósito. Transformar a pobreza da favela em peça de museu antes do Elon Musk colonizar Marte. Se o humano é capaz de ir pra Marte, é capaz também de construir comunidades empreendedoras, auto sustentáveis que entreguem dignidade e cidadania para as pessoas.


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Tudo que eu faço hoje é movido pelas experiências de necessidade e de falta. Meus amigos e eu não tivemos acesso a uma agenda de esporte e atividades culturais na nossa comunidade. A gente também não tinha cursos profissionalizantes à nossa disposição. Isso levou muita gente pra criminalidade. Então, a Gerando Falcões se tornou um ecossistema de desenvolvimento social que entrega serviços de educação, de desenvolvimento econômico e de cidadania.

A gente atua em algumas pontas. A primeira é trabalhar com educação por meio de esporte, cultura para crianças e adolescentes e qualificação profissional pra jovens e adultos para as pessoas terem uma alternativa à criminalidade. Na outra, inserimos também egressos do cárcere no mercado de trabalho pra esses caras poderem sair do crime.

Essa foi uma dor que veio de ver meu pai, uma pessoa que eu amo, em um presídio deplorável. Faz mais de 20 anos que ele largou o crime, se tornou um homem de fé e jamais voltou atrás. 
Hoje, estamos presente em mais de 300 favelas do Brasil e em 2020 atendemos mais de 500 mil pessoas.


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Eu acredito que ninguém cai num buraco à toa. Se eu não tivesse vivido a experiência de nascer numa favela, de crescer na periferia, de ter os meus direitos sociais negados, de ser filho de um homem envolvido com o crime, provavelmente eu não teria tido a oportunidade de criar um propósito tão poderoso. Com o amor da minha mãe, eu transformei a minha dor em uma causa. As experiências difíceis da vida não servem só para trazer dor e sofrimento. Elas servem pra gente criar algo relevante. 


Todos os dias alguém passa por um luto, se divorcia, descobre uma doença grave, um negro sofre preconceito racial, uma mulher é assediada sexualmente, filhos choram pela ausência dos pais, empresários vão à falência. Rico ou pobre, todo mundo tem encontros e desencontros. Se tornar uma pessoa amargurada diante de uma dificuldade é o caminho mais fácil e óbvio.

Mas, eu percebo que quando as pessoas transformam uma dor em propósito, todo aquele sofrimento e rejeição passa a ser irrelevante. Eu aprendi que feridas cicatrizam. A dor é um ótimo combustível para a mudança. E o propósito dá pra gente a possibilidade de fazer as pazes com o passado e ser livre pra ir atrás do que a gente acredita.


Eu usei as minhas feridas para curar as outras pessoas. Não foi nem um pouco fácil de fazer. Mas eu consegui. Quando me perguntam qual foi a parte mais difícil de romper com a realidade da pobreza na qual eu vivia, eu respondo que era acreditar nas palavras da minha mãe: “Não importa de onde você vem, mas pra onde você vai”. O meu desafio não estava fora, mas estava dentro.


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Vera Iaconelli: A experiência do Edu é muito significativa porque mostra como a fala de uma mãe pode ser determinante, pode ser uma fonte de inspiração e de identificação para que a criança saia daquele ambiente no qual ela nasceu e sonhe com outros espaços. O Edu consegue ali se imaginar num outro ambiente, que ele chama de elite, e estando lá não refugar. Ele toma uma decisão na hora que ele diz: "Bom, eu posso fugir, eu posso ficar acabrunhado aqui no canto ou posso estar".

E ele escolhe - é importante a questão da escolha aí. É importante também perceber que na hora que ele percebe que foi determinante pra ele poder assumir quem ele era e a história dele, que ele podia também transmitir para outras crianças. Não ser determinado pela origem, que é a mensagem que a mãe transmite para ele e ele transmite pros demais e que é a grande sacada da história do Edu: que a gente vem de algum lugar, mas que a gente pode se reinventar a partir de escolhas novas. 

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Geyze Diniz:
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