Para Inspirar

Fernanda Souza em "Não existe coincidência. Existe Deus"

Comece a procurar Deus em você e em todas as coisas do mundo. É o que acredita a atriz Fernanda Souza. Confira no Podcast Plenae

20 de Setembro de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

[trilha sonora]

Fernanda Souza: A espiritualidade é algo que não está completamente lapidado dentro de mim. Não tem um modo definitivo no que eu sei, no que eu busco, por isso eu não consigo seguir apenas uma religião apenas. A espiritualidade, pra mim, é algo que conduz ao melhor que eu tenho e não a um lugar específico.  Geyze Diniz: A espiritualidade para mim é uma ferramenta estruturante e sempre achei que o que importava era ter fé, independente de qual. Eu me identifico muito com a visão da Fernandinha Souza e me encantei com a jornada de autoconhecimento dela e a vontade de querer praticar o melhor de diferentes religiões. No final do episódio, você ouvirá reflexões do doutor Victor Stirnimann para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Aproveite este momento, ouça e reconecte-se. [trilha sonora] Fernanda Souza: Eu sinto que minha espiritualidade é composta por uma série de acontecimentos, fatos vividos, momentos que me trouxeram até aqui. E eu tive essa certeza quando eu vi uma entrevista da Monja Coen e, ao ser questionada sobre qual momento específico ela sentiu que havia se tornado uma monja, ela disse que não teve um momento assim, que várias coisas foram acontecendo ao longo da vida pra que ela se tornasse o que é hoje.  [trilha sonora] E pra mim é isso, eu sou hoje tudo o que eu vivi até aqui! [trilha sonora] Minha primeira ligação com o que eu posso chamar de espiritualidade é uma lembrança que eu tenho da minha mãe e a relação dela com a fé, com Deus. Nessa época eu não tinha muito entendimento sobre o assunto, era uma criança, tinha uns 10 anos. Mas eu lembro de ver a minha mãe sempre com uma Bíblia por perto e nessa Bíblia ela escrevia recadinhos pra Deus. Era como se fosse um diário, uma conversa íntima, onde ela sempre agradecia graças recebidas, pedia aquilo que precisava no momento, e tudo aquilo era datado. São várias Bíblias que minha mãe tem, porque essa conversa com Deus já dura há anos.  [trilha sonora] Apesar de ter sido criada por pais evangélicos, a minha mãe não foi batizada e nunca frequentou a igreja, então talvez por isso, a gente nunca teve o costume de praticar rituais religiosos, ir à missa. A religião da minha mãe sempre foi essa conversa particular dela com Deus. E aí, foi nesse convívio e nessa admiração que eu percebi pela primeira vez que a fé independe de um lugar, de religião, da sua situação econômica... A fé você sente. Ela não se ensina, não se impõe, ela é uma certeza que vem de dentro do seu coração, você não precisa ver para acreditar, é uma certeza que eu tenho que Deus existe.  [trilha sonora] Essa conversa com Deus eu aprendi com a minha mãe. Eu aprendi a falar sobre meus desejos, meus sonhos e sobre a minha gratidão. E talvez pelo fato da minha mãe não ter uma religião específica, isso tenha deixado a minha cabeça tão aberta como é hoje, sempre aberta a conhecer novos rituais, novas religiões, novas crenças e tentar aprender com o melhor de cada uma delas. E aí então que começa a minha trajetória de espiritualidade, que acaba se misturando com a minha trajetória de autoconhecimento. São como pedras que vão construindo o meu muro espiritual e meu muro do autoconhecimento.  [trilha sonora] Depois desse meu primeiro contato com a fé, com Deus através da minha mãe, veio logo em seguida um contato com o espiritismo. Eu tinha uns 15 anos e me lembro de ler vários livros da Zibia Gasparetto e de amar muito todos aqueles assuntos. E aí eu fui buscar mais informações lendo e conversei muito com a minha tia Edna, que é espírita e me falou sobre os conceitos de vida após a morte, reencarnação, alma, espírito. E aqueles conceitos fizeram muito sentido pra mim, eles me deram respostas para muitas perguntas que eu tinha.   [trilha sonora] Alguns anos depois, eu tive meu primeiro contato com a Cabala, mas não foi exatamente aí que eu comecei a estudar a doutrina. Foi depois de uma coincidência, que na verdade as pessoas costumam chamar de coincidência, mas eu não acredito que elas existam.  Eu ganhei o livro "O poder da Cabala" de um amigo, esse é o livro inicial, é o primeiro livro que você tem que ler quando decide estudar sobre Cabala – foi exatamente naquela época que a Madonna começou a divulgar. Mas eu não li de primeira, guardei no quarto e eu nem lembrava onde é que tava, quando num dia na casa de um amigo, eu estava em uma conversa com a Julia, uma amiga minha e ela disse: "Fe, tudo isso que você fala tem tanto a ver com a Cabala, acho que você deveria estudar sobre isso". E na hora eu lembrei que eu tinha um livro sobre Cabala, falei isso pra ela e disse que assim que chegasse em casa eu ia ler o livro.  Cheguei em casa e esse livro tava num móvel na frente da minha cama, ele sempre esteve ali. Peguei o livro, comecei a ler e eu tive outro encontro com a minha fé. Mais um pedaço de mim foi preenchido porque foi uma quantidade enorme de respostas pra perguntas que eu nem sabia que tinha. E essas respostas se encaixavam perfeitamente no meu coração. [trilha sonora] E aí, logo depois disso eu fui procurar mais informações, eu queria saber se tinham outros livros, eu queria encontrar editora. E aí eu só encontrei o endereço da editora e, quando eu olhei pra esse endereço, ele era no Rio de Janeiro, no mesmo prédio em que eu estava naquela noite, na casa desse meu amigo, onde a Julia me falou que eu deveria estudar sobre a Cabala. Eu tava no 21º andar e o escritório da Cabala era no sétimo. Eu achei isso tão, tão especial que eu falei: "Eu tenho que estudar sobre Cabala, eu realmente tenho que estudar porque eu nunca vou a esse prédio, eu nunca vou pra essa parte da cidade, e de repente eu estava lá no mesmo lugar. Foi uma informação muito mágica. O que chamam de coincidências que, pra mim, não existe. [trilha sonora] No dia seguinte, eu liguei pra editora, queria saber sobre livros, se havia algum curso e eles disseram que até tinha um curso, mas que pra isso eu tinha que ler o livro "O Poder da Cabala" primeiro. (risos) E eu lembro de falar: "Moço, você não sabe, eu já li o livro. Ontem eu estava aí nesse prédio e uma amiga minha falou sobre a Cabala. E eu cheguei em casa e eu já tinha o livro. Eu li e agora quero muito fazer esse curso. E ele falou: "Tá bom, a gente vai ver se consegue uma vaga porque o grupo tá fechado, mas se alguém desistir, você pode entrar." E aí, depois disso uma pessoa desistiu, eu entrei. Mais um momento que as pessoas chamam de coincidência, que eu só consigo chamar de Deus. [trilha sonora] Alguns anos depois de estudar Cabala, eu comecei a estudar sobre Zen Budismo. Eu me interessei vendo os vídeos da Monja Coen e fiquei completamente apaixonada por aqueles preceitos. Aí logo depois disso, eu descobri o access consciousness, que é uma ferramenta com uma pegada mais física quântica. E o access consciousness prega que todas as respostas pra todas as perguntas estão dentro da gente, que a gente não tem ideia do quão infinito é, do quão sábio é e de como a gente pode usar a nossa mente para alcançar tudo aquilo o que a gente deseja. Eu gostei tanto de access consciousness que eu já fiz três cursos. E inclusive o último, que se chama Fundamento, mudou completamente a minha vida. Eu aprendi muitas ferramentas sobre a expansão da consciência.

E aí, recentemente, eu comecei a estudar sobre filosofia hermética. E aprendi que primeiro a gente cria tudo no mundo mental e depois aquilo se materializa no mundo físico. Essa é a primeira lei da filosofia hermética: a lei do "mentalismo". E de alguma maneira, eu acho que desde criança eu fui embutida a ter esse tipo de fé, que não é muito diferente do que minha mãe desejava quando escrevia os recadinhos dela na Bíblia. Só que hoje eu consigo entender isso através desses conceitos e eles me deram muitas respostas.

De um ano para cá, eu consigo ver que esse mergulho pra dentro de mim, pras minhas crenças, pros meus estudos, tá muito presente no meu dia a dia. Eu me sinto realmente como uma estudante (risos). Sempre buscando novos conteúdos, conceitos que me ajudem a me conhecer melhor, a me conectar mais com o universo, com Deus, com o meu eu superior. Trabalhar a minha espiritualidade é estar completamente conectada a fonte criadora. As coisas vão aparecendo no caminho e eu vou buscando um pouco mais de cada uma delas, tentando juntar tudo isso e colocando aquelas pedrinhas naquele mural lá, que eu falei.   [trilha sonora] Uma coisa que me ajudou muito na busca de autoconhecimento, sem dúvida nenhuma, foi a decisão de tirar um ano sabático.  [trilha sonora] Eu não tinha programação nenhuma, eu só queria mesmo descansar a mente. Mas é incrível, né? Quando você coloca a roda pra girar as coisas simplesmente começam a aparecer. E aí, nesse período, além de buscar mais conhecimento, eu comecei também a colocar em prática o conhecimento. Eu vi uma vez a Monja Coen falando que "não adianta nada vocês assistirem todos os meus vídeos e não colocarem em prática tudo o que eu tô falando”.

E como a maioria das pessoas, eu achava normal viver ansiosa, angustiada com a correria do dia a dia. E aí, neste período sabático, eu percebi que não quero viver assim, eu não preciso viver assim. Eu quero jogar luz nas minhas sombras, aprender a viver com elas. Eu quero ter ferramentas pra cuidar da minha vida, das minhas angústias, das minhas inseguranças e de todo e qualquer sentimento desconfortável. Conseguir sustentar o meu estado de paz e plenitude, pra mim, é o estado mais próximo de Deus.  [trilha sonora] Eu sou uma mistura de tudo isso e eu sempre me senti muito confortável pra falar de tudo que me tocava em cada uma das religiões, das filosofias de vida que eu conheci. De alguma maneira, desde criança, eu fui cercada pela fé e, hoje em dia, eu consigo entender através desses conceitos que, pra mim, não faz sentido me restringir a apenas uma religião. Eu não consigo pensar muito diferente disso, eu sempre me senti muito amparada, protegida, conectada e, por isso, muito agradecida. Eu não sei te explicar direito o porquê, mas pra mim é uma coisa muito básica, muito normal, natural na minha vida. Foi assim desde criança, eu sempre fui ensinada a acreditar e confiar em Deus. E é essa fé que eu trouxe pra minha vida que mudou a minha relação com tudo, até a maneira como eu acordo e me olho no espelho hoje em dia é diferente de como era um tempo atrás. [trilha sonora] Durante muito tempo, eu achei que pra encontrar Deus teria que ser em algum lugar fora de mim, que eu precisava estar na igreja, em contato com a natureza. Por exemplo, eu amava ir à praia pra rezar, eu me sentia conectada com Deus. E depois de um tempo, eu descobri que eu sou filha de Iemanjá, então faz todo sentido amar aquele lugar. Eu lembro que quando eu saia da praia, depois de rezar muito lá, eu ainda passava na igreja, ajoelhava no banco e rezava de novo.  Neste último ano, eu aprendi que existem inúmeras ferramentas de conexão com Deus, com o universo, com o todo, com a fonte criadora. E também aprendi que posso chamar Deus por inúmeros nomes. Eu sempre estarei falando com a mesma Energia. Talvez, também eu tenha sido criada para buscar um Deus fora de mim, que é um Deus que está no Céu, que está distante, que me pune por algo que eu tenha feito, pelo meu erro. Só que hoje em dia não, eu enxergo Deus de outra maneira. Enxergo Deus como essa energia que me acolhe, que me ama incondicionalmente, que ama as minhas qualidades, que ama meus defeitos e que me ajuda, todos os dias, a construir a versão melhor de mim mesma. Hoje em dia, eu sei que Deus está na Bíblia, na igreja, na praia, na árvore, em qualquer lugar na natureza, dentro do meu quarto, principalmente, dentro de mim. E eu faço a minha conexão com Deus através do meu eu superior, a cada meditação. Hoje em dia, eu acho que isso é o que faz mais diferença no meu dia a dia: entender que a minha busca pela fé não é um caminho que me leva pra fora, mas sim um caminho que me leva pra dentro de mim.  [trilha sonora] Victor Stirnimann: Os sábios sempre nos explicam sobre a importância do olhar para dentro de si, para a riqueza da vida interior, para a necessidade de buscarmos a nós mesmos. Às vezes vem até a pergunta: se eu já sou eu, porque eu precisaria me encontrar? Justamente, muitas vezes não somos nós mesmos de verdade em nossos pensamentos e ações. O ser humano é complicado assim. Ficamos misturados com nosso ambiente, com as opiniões dos outros, com nossos medos e nossas ilusões. Precisamos aprender a sair dessa mistura e escutar, sempre que possível, nossa voz interior. Como fazer isso? Essa voz, apesar de clara, é muito sutil e fala bem baixinho. É complicado conseguir escutá-la sem recolhimento, sem baixar o volume do ruído do mundo. Outra pista é que ela traz sempre um sabor de surpresa, apesar de dizer coisas que no fundo a gente já sabia, porque esse é o supremo mistério. O contato com a fonte, com o divino, com o sagrado acontece com a mais íntima das experiências. Meditei, busquei, até que o criador apareceu. E o rosto dele era o meu. Na Cabala que Fernanda tanto ama, aprendemos que as perguntas, as dúvidas, a sede de compreender são janelas que abrem nossa mente para a luz espiritual. Por isso, a espiritualidade é o próprio caminho e a fé se alimenta da profunda gratidão pela beleza e variedade da vida. [trilha sonora] Geyze Diniz: As nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente nossos episódios e confira nossos conteúdos em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.  [trilha sonora]

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Para Inspirar

Ingrid Silva em "O ballet clássico precisa evoluir"

A oitava temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história da bailarina Ingrid Silva. Aperte o play e inspire-se!

5 de Junho de 2022


Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


[trilha sonora]


Ingrid Silva: Eu sempre fui magérrima, com 45 quilos. Mas, como boa brasileira, tenho curvas. Aos 13 anos, ouvi de uma professora de balé a frase que foi o meu primeiro gatilho sobre o meu corpo. Ela disse: “Ingrid, ou você coloca o seu bumbum pra dentro ou nunca mais vou te corrigir”.

Se você fez balé clássico, provavelmente já ouviu algo semelhante. Até hoje eu não descobri como se coloca um bumbum pra dentro. Esse tipo de correção só existe porque o balé foi criado nas cortes da Europa, onde os corpos são muito diferentes dos brasileiros. 


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Geyze Diniz: Carioca, determinada e brilhante. Esses são só alguns adjetivos do nosso orgulho brasileiro: Ingrid Silva. Nos palcos do Rio de Janeiro ou de Nova York, Ingrid dribla com maestria os obstáculos da vida e abre caminhos para um balé e um mundo mais justo e inclusivo. 


Conheça a história da bailarina Ingrid Silva pelos palcos da vida e do mundo. Ouça no final do episódio as reflexões do rabino, escritor e dramaturgo Nilton Bonder para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


[trilha sonora]


Ingrid Silva: Eu venho de uma família humilde. A nossa casa fica na zona norte do Rio de Janeiro. Minha mãe matriculava meu irmão e eu em todos os cursos que tinham na Vila Olímpica da Mangueira, que fica ali pertinho. A gente fez natação, futebol, ginástica olímpica, basquete, artes marciais, capoeira. Quando eu tinha 8 anos, ela me inscreveu em um projeto social chamado Dançando para Não Dançar. Eu nunca tinha ouvido falar de balé, mas passei na audição e o balé nunca mais saiu da minha vida.


[trilha sonora]


Eu aprendi a dar as minhas primeiras piruetas numa sala pequena, com piso de linóleo, barras nas paredes e o calor abafado do Rio. Aos 11 anos, fiz uma audição na Escola de Dança Maria Olenewa, do Theatro Municipal, e passei a estudar lá também. Foi nessa escola que uma professora me chamou a atenção para um aspecto que eu não tinha percebido em mim mesma. Ela me disse: “Você tem talento, mas não vê a dança como carreira. Sabe por quê? Você não acredita em si mesma”. 


E ela estava certa. Eu não me achava boa o suficiente. Além disso, eu não via ninguém parecido comigo nas grandes companhias de balé do Brasil. Quando eu saí do subúrbio, me dei conta que o balé era (e ainda é) uma arte elitista. Eu sempre fui uma das poucas negras e periféricas de qualquer turma de dança. Olhando pra trás, eu percebo que a ausência de representatividade me trazia um sentimento de não pertencer àquele universo. 


A minha falta de autoconfiança se refletia no palco. Eu não gostava de dançar na frente. Eu tenho 1 metro e 57 de altura e preferia me esconder atrás das outras meninas. Um dia, a Bethânia Gomes me viu dançar numa sala de aula e me deu uma chamada por causa disso. A Bethânia era a primeira bailarina na Companhia Dance Theater of Harlem naquela época. Ela me disse: “Ei, você! Vem pra frente. Você não é alta, não pode ficar atrás. Você tem que se acostumar a ficar na frente”. 


A Bethânia me achou talentosa e sugeriu que eu tentasse uma bolsa de estudos na Dance Theatre of Harlem, a única companhia no mundo a ter mais bailarinos negros no seu corpo de baile. O grupo foi fundado em 1969 pelo Arthur Mitchell, o primeiro bailarino negro a assumir o posto de bailarino principal no New York City Ballet.

Ele queria oferecer às crianças do Harlem, o bairro onde ele cresceu, a oportunidade de mudar o seu futuro. 
Eu fiz um vídeo-audição e mandei pros Estados Unidos pelo correio. Fui selecionada entre mais de 200 concorrentes para participar de um curso de verão na companhia. Eu cheguei a Nova York em 2007. 


[trilha sonora]


Lembro até hoje da sensação de abrir a porta da Dance Theatre of Harlem e ver todos aqueles bailarinos negros, como eu. Eu senti um acolhimento que, até então, eu não conhecia. Foi emocionante conhecer o Mister Mitchell pessoalmente. Eu estava no estúdio 3, em uma sala ampla e luminosa, e esperava encontrar um cara com roupas de dança. Mas ele entrou de terno e bengala. Ele era um homem muito elegante. Ele se sentou numa cadeira especial e eu senti uma pressão enorme. Tremia que nem vara verde, nervosa, pensando: “Como assim? Ele fundou isso aqui?”. 


[trilha sonora]


Eu não falava inglês, mas entendia os comandos em francês. Em um momento da audição, ele pediu que a gente fizesse um port de bras, um movimento com os braços. Eu fiz, mas sempre acanhada, e ele disse: “Se você não levantar essa cabeça e se impor, te mando de volta pro Brasil”. 


[trilha sonora]


A Dance Theatre of Harlem foi o único lugar onde nenhum professor questionou o tamanho do meu bumbum. O foco das correções eram outros: a minha técnica, o movimento dos braços, a leveza e os passos. Hoje eu tenho consciência que o meu bumbum não atrapalhava em nada os meus movimentos. Só atrapalhava na cabeça de quem dava aula. Mas essa ficha demorou pra cair.


No imaginário das pessoas, existe um corpo ideal da bailarina, que é de uma mulher extremamente magra, alta, com ombros finos, pescoço longo, cabeça pequena, seios pequenos, sem músculos aparentes, sem bunda e com uma certa aparência facial. É um biotipo completamente diferente do meu, que eu nunca atingiria de maneira saudável. 


Eu não acredito nesse corpo extremamente magro, que abre portas para distúrbios alimentares e psicológicos. Em escolas antigas, como o Bolshoi, até hoje é feito um estudo no corpo da criança, para saber se ela pode entrar na escola. Dependendo da abertura do quadril, ela não é aceita. Mas quem garante que o corpo dessa criança não vai mudar? Todos nós estamos em constante mudança. 


[trilha sonora]


Essa paranoia do corpo ficou ainda mais evidente pra mim, depois que eu me tornei mãe. A gravidez é um tabu no balé. Muitas bailarinas clássicas querem ter filhos, mas não concretizam esse sonho, por medo de não conseguirem voltar ao balé.

Existe um mito, não só no balé, de que a mulher não pode ser mãe e profissional de alta performance ao mesmo tempo. Ninguém fala isso para os homens! Eles têm filhos e continuam dando piruetas e dirigindo companhias, mas a mulher não pode? É possível, sim, ter filhos e voltar ao palco. 


[trilha sonora]


A minha consciência sobre o meu corpo negro se estendeu também ao meu penteado. A minha mãe começou a alisar o meu cabelo lá pelos 12 ou 13 anos. Eu só fui assumir os meus cabelos naturais mais de uma década depois. Quando eu fiz a transição capilar, recebi muitos elogios, menos da minha mãe. Ela não gostou muito da ideia não. Quando me viu, perguntou: “Que cabelo é esse, Ingrid? Por que você mudou?”. Eu respondi: “Porque eu sou esta pessoa e eu me amo assim”.


Ela claramente não entendeu e disse que estava feio. Eu expliquei que não me sentia confortável em viver um padrão que não era o meu. Expliquei que, em Nova York, pela primeira vez, eu tinha a liberdade de ser quem eu queria, sem medo e sem vergonha. Essa conversa mudou a mente dela e ela mesma fez a transição um tempo depois. 


[trilha sonora]

O penteado, obviamente, não atrapalhou em nada na minha dança. Desde que o balé clássico existe, o coque da bailarina precisa ser super esticado, com coque preso na redinha e nenhum fio fora. Eu continuo fazendo isso, mas com um coque afro. Eu mostrei pra outras pessoas que é possível sim ser bailarina clássica e ter um black power.

Virei referência no assunto e fui a primeira bailarina negra brasileira a sair na capa da
Pointe Magazine, uma das revistas mais importantes e respeitadas no mundo da dança. No ensaio de fotos, eu tô com os meus fios soltos e naturais, quebrando as barreiras do conservadorismo. A transição capilar foi uma das coisas mais importantes que eu fiz na minha vida. Se eu soubesse que era tão bom, teria feito antes.


[trilha sonora]


Mas, esse é o tipo de coisa eu não tinha noção quando era mais novinha. Eu também não tinha noção sobre um detalhe que parece pequeno, mas não é: a cor do uniforme do balé. No Brasil, eu sempre usei meia-calça e sapatilhas da cor rosa. O ponto é que pra nós, bailarinos, a meia-calça e a sapatilha são a continuação do nosso corpo. Então, o rosa é o tom mais próximo da pele europeia, por isso foi adotado como modelo.


Quando eu cheguei nos Estados Unidos, aprendi com outros bailarinos a pintar a minha sapatilha com uma base líquida no tom da minha pele. É um padrão que o Mister Mitchell, um homem visionário, implantou nos anos 70 na companhia. Na Dance Theatre of Harlem, o uniforme é da cor da pele de cada bailarino e não rosa.


Eu passei 11 anos fazendo esse ritual de pintar as sapatilhas, até que, em 2019, entrei em contato com um fabricante, perguntando se eles não poderiam produzir um par no tom da minha pele. Eles toparam! Demorou um ano, mas elas ficaram prontas! Foi emocionante a sensação de dever cumprido, de viver na pele a diversidade no mundo da dança.

Mas eu ainda não considero uma super vitória, porque a sapatilha é feita sob medida. Orgulho mesmo, vai ser no dia que eu tiver a minha própria marca. E que as pessoas possam ir até a loja comprar uma sapatilha da cor da sua pele. Aí sim, vai ser um grande marco. 


[trilha sonora]


Em 2020, um par de sapatilhas que eu pintava virou peça de museu. Elas estão expostas no Museu Nacional da Arte Africana Smithsonian, nos Estados Unidos. É uma instituição extremamente importante pra história do povo negro americano. Foi um passo importante pra inclusão da dança nessa mudança de mentalidade que a gente tá vivendo. Mas ainda temos um longo caminho pela frente. 


São poucas, mas muito poucas mesmo, as pessoas que entenderam o significado da pluralidade dos corpos, gêneros e cores no mundo do clássico. Várias meninas negras já me contaram que, quando falaram pro professor de balé que queriam ser bailarinas clássicas, ouviam: “Você não quer fazer aula de dança contemporânea? Jazz? Hip hop?”. Como se o clássico não servisse pra elas.

Muitas obras do balé foram criadas há muito tempo, são antigas mesmo, mas as pessoas que dançam mudaram. O mundo mudou. Ver essas narrativas em corpos diferentes é fazer essa arte evoluir.


[trilha sonora]


Se eu não tivesse vindo pra Dance Theatre of Harlem, onde existe diversidade, talvez eu não teria conquistado uma carreira profissional. Normalmente as companhias de dança só tem 2 ou 3 bailarinos negros entre seus 40 bailarinos! Para mudar essa realidade, eu fundei com Ruan Galdino e o Fábio Mariano, dois colegas de profissão no Brasil, o Blacks in Ballet, um movimento pra dar destaque a bailarinos negros e contar as suas histórias.

A plataforma tem uma biblioteca digital e oferece workshops e bolsas de estudo. Tudo isso para gerar oportunidades pra essas pessoas em companhias profissionais. O nosso grande sonho é um dia realizar o maior festival de dança de bailarinos negros do mundo. Nós queremos mostrar que existem muitos bailarinos negros super talentosos tendo sucesso em companhias de dança importantes e internacionais. Nenhuma ação é pequena quando se trata de mudar o mundo. 


[trilha sonora]


Nilton Bonder: No esforço de lapidar o seu corpo para a excelência da arte do balé, Ingrid modela e aprimora também a sua consciência. E este despertar para um corpo maior, um corpo que não é apenas o físico, mas o corpo percebido no espaço social e cultural, lhe oferece a oportunidade não apenas de uma coreografia no palco, mas na vida. Esta nova consciência permitirá que tudo que em seu corpo parecia ser uma deficiência, uma imperfeição nos padrões do balé, se tornem um ativo, uma potência nova. 


Nossa lição maior é sobre acreditar em si mesmo. Esse é o conselho inicial que põe em andamento sua carreira. A inadequação de não configurar os padrões de corpo e pele, precisa ouvir “sai da linha de trás e vem pra frente”. E o encolhimento de não corresponder ao biotipo esperado, precisava ouvir “levanta a cabeça e se impõe”. Ir pra frente ao invés de esconder o bumbum e as curvas resultou no empoderamento de sua graça, levantar a cabeça ou invés de se envergonhar do cabelo e da pele, a investe de sua beleza.

Habilitada de sua graça e beleza, se abrem não só os caminhos do sucesso, mas da autenticidade. Essa é a chave para não só abrir caminhos para si, mas para todos os outros bailarinos, que seja por cor de pele, especificidade física, ou qualquer outra convenção que não esteja vinculada à própria arte, tenham maior oportunidade. 
Ingrid lutando por si, acabou lutando por todos. O seu progresso não é apenas o de sua biografia, mas é o progresso do mundo. A lição é clara, saber encontrar o corpo, o seu sujeito autêntico, permite dançar a vida. 


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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.


[trilha sonora]

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