Para Inspirar

Desmistificando conceitos: o que é o islamismo?

Fonte de algumas dúvidas e infelizmente muita desinformação, a religião é uma das mais antigas do mundo e merece respeito.

30 de Junho de 2023


No penúltimo episódio da décima segunda temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história de Mariam Chami, que tem como principal propósito desmistificar os estigmas acerca de um único tema: sua religião. Ela, que é muçulmana desde sempre, viaja o mundo para visitar países que tem o islamismo como dogma principal, com o objetivo de mostrar como é a vida por lá. 

Isso é fruto de uma experiência pessoal negativa, onde diversas vezes ela sofreu na pele o preconceito que cega e que dificulta a vida de mulçumanos pelo mundo. Para somar nessa luta, decidimos então desmistificar esse conceito. Afinal, o que é o islamismo? Quais são seus mitos e verdades? Leia mais a seguir!

O começo da história

Como sempre, é preciso começar do começo! E essa história começa há muitos séculos, mais especificamente, no século 6. Os primeiros passos dessa religião se deu na Arábia, na região do Oriente Médio que era habitada por somente 5 milhões de pessoas. Somente hoje, é claro, porque na época, era uma população bastante expressiva. 

“Eram grupos tanto sedentários como nômades, organizados em tribos e clãs. A população era na maioria politeísta, mas existiam algumas tribos judaicas e algumas de tradição cristã”, diz o teólogo Fernando Altemeyer, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) à revista Superinteressante. 

Foi nesse período que surgiu Maomé, o profeta e criador do islã, na sua cidade natal, a Meca. Desde pequeno, ele conduzia caravanas, o que lhe aproximou dos cristãos e da espiritualidade como um todo. Foi num retiro espiritual, já adulto, que ele passou a ter visões divinas com o anjo Gabriel, o intermediário entre Alá e Maomé, contendo mensagens a serem divulgadas.  

Mas, engana-se quem pensa que ele logo foi aceito. Suas primeiras pregações contaram com poucos adeptos e geraram atritos locais. Isso porque, uma de suas principais críticas era à peregrinação dos idólatras, que adoravam as várias divindades dos templos locais e que geravam muita fonte de renda para sua cidade.


Foi então que Maomé passou a pregar a crença num único deus, que seria o Alá, mantido até hoje. Ele também passou a reunir suas mensagens no livro sagrado para os muçulmanos, o Corão. Perseguidos em Meca, como explica o artigo, o profeta e seus adeptos fugiram para criar a primeira comunidade islâmica em um local próximo, chamado Medina.

Esse foi um marco para o islamismo, conhecido como Hégira, e marca inclusive o início do calendário mulçumano. Nascia assim essa doutrina que unia tradições judaicas, conceitos cristãos e ideais das tribos árabes e, com isso, conseguia unificar toda a Arábia sob sua liderança e que, posteriormente, se espalhou por outros continentes. 

Entendendo os conflitos

Você deve ter percebido que a história do islã, apesar do confronto em Meca e a resistência inicial, é permeada por bastante amor, como deve ser uma religião, certo? Por que então os seus seguidores parecem estar envolvidos em guerras constantes, há tantos anos? 

Primeiro, é preciso sanar uma dúvida crucial: qual a diferença entre mulçumano e árabe? É mais simples do que você imagina: o árabe é o termo dado a um idioma específico e também uma composição étnica que possui, em torno de si, uma grande variedade de troncos etnolinguísticos interligados, como nos explica esse artigo.

Já o mulçumano é aquele que segue justamente o islamismo que explicamos para você anteriormente, essa religião criada pelo profesta Maomé. Portanto, a pessoa até pode ser muçulmana e árabe ao mesmo tempo, mas não é algo obrigatório, existem muçulmanos que não são árabes. E mais: existem árabes que são cristãos, ou seja, não seguem o islamismo, mas sim, o cristianismo. 

Vale dizer que o país mais populoso do mundo, que é a Índia, possui 16% de sua população, o equivalente a 174 milhões de pessoas, na religião islâmica. E a Índia não é um país árabe. O segundo colocado, que é o Paquistão, possui cerca de 165 milhões de islâmicos e também não adota o árabe como idioma oficial.

Agora que você já entendeu essa dúvida, que pode ser antiga para muitas pessoas, é hora de entender os conflitos. Ele se dá, na realidade, entre os árabes (ou seja, os povos que adotam esse idioma como principal e que podem ter muçulmanos no meio) e entre os judeus.

Apesar (e infelizmente) de ainda testemunhar desdobramentos recentes, o conflito é antigo, milenar. “Desde os tempos bíblicos, judeus e árabes, que são dois entre vários povos semitas, ocuparam partes do território do Oriente Médio. Como adotavam sistemas religiosos diversos, eram comuns as divergências, que se agravaram ainda mais com a criação do islamismo no século VII", conta Alexandre Hecker, professor de História Contemporânea da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) à Revista Nova Escola. 

A desavença mais recente, e que ainda estampa os jornais atuais, começou há mais de 100 anos, com o fim da Primeira Guerra Mundial (1918). Isso porque, ao final da Guerra, o antigo Império Otomano se desfez e a Palestina, que era parte dele, passou a ser colonizada pela Inglaterra. Qual é o problema disso, afinal? 

"A região possuía 27 mil quilômetros quadrados e abrigava uma população árabe de um milhão de pessoas, enquanto os habitantes judeus não ultrapassavam 100 mil", continua o professor ao artigo. Em curso, havia o movimento sionista, que buscava fundar um Estado judaíco na Palestina, terra sagrada para os judeus. A Inglaterra, que agora controlava esse território, apoiava esse movimento. 

Mas como fazer isso sem ferir o direito dos muitos árabes que já viviam ali? Esse era o grande desafio da Inglaterra, que em um primeiro momento, não conseguiu driblar a grande migração de judeus para a Palestina e que só se intensificou com a perseguição judaica do nazismo da Segunda Guerra Mundial. 

Com o fim da Segunda Guerra, que exterminou mais de 6 milhões de judeus em um episódio triste para a história do mundo, a Organização das Nações Unidas nasce justamente para intermediar essa Palestina, que agora parecia ser o palco de uma nova guerra entre os árabes que ali moravam e os judeus que reivindicavam o seu novo Estado. 

Foi quando a ONU, em 1947, decidiu partilhar 57% da área para os judeus, e o restante das terras para os árabes. "Essa partilha, desigual em relação à ocupação histórica, desagradou os países árabes em geral", afirma Alexandre Hecker à Nova Escola. No ano seguinte, a Inglaterra desocupou a região e os judeus fundaram o Estado de Israel de uma vez por todas, onde a língua falada é o hebraico. 

Um dia depois, os árabes, insatisfeitos com a partilha, declaram guerra à nova nação, mas acabaram derrotados. Esse conflito permitiu que Israel aumentasse o seu território para 75% das antigas terras palestinas. “O restante foi anexado pela Transjordânia (a parte chamada Cisjordânia) e pelo Egito (a faixa de Gaza)". Por conta disso, muitos palestinos refugiaram-se em Estados árabes vizinhos, mas uma boa parte permaneceu sob a autoridade israelense.

O islamismo hoje e seus mitos

Atualmente, essa triste guerra continua e já foi palco para outros episódios, sempre relacionados à fronteiras, territórios e divergências de opiniões religiosas. Isso só gera cada dia mais um problema imenso: os refugiados, tema principal do episódio Flores para Refugiados, do Podcast Plenae. 

Algumas tentativas de acordos e planos de paz já foram feitas, mas a situação atual ainda é de muito impasse, principalmente pelo fato de os palestinos, liderados pelo movimento islâmico Hamas, não reconhecerem o direito de existência de Israel. Na opinião de Alexandre à Nova Escola, "a guerra entre palestinos e judeus só terá um fim quando for criado um Estado palestino que ocupe, de forma equitativa com Israel, a totalidade do território tal qual ele se apresentava em 1917". 

Acontece que, por conta dessa guerra, os mulçumanos sofrem diferentes tipos de preconceitos, como por exemplo, serem chamados de homens bomba - coisa que a própria Mariam conta já ter passado na faculdade por meio de piadas e sons de explosão.

Mas, há muitos mitos envolvidos. O primeiro deles é, como explica o presidente da ANAJI (Associação Nacional dos Juristas Islâmicos), Girrad Sammour, ao canal de vídeos de Eloiza Fontes, é quando cristãos que acreditam em Deus acham que Alá é um outro Deus que não o seu, quando na verdade trata-se do mesmo, o que muda é somente o idioma utilizado para se referir a ele. 

Outro mito é o que já explicamos, de que todo islã fala em árabe, o que não é verdade. Os cristãos, apontados como “inimigos” dos mulçumanos por aqueles que propagam mentiras, são na verdade citados no Alcorão, “profeta Jesus, que a paz de Deus esteja com ele” é citado 25 vezes, como explica Sammour, além de um capítulo inteiro dedicado à Virgem Maria e o próprio uso do véu é inspirado nela.

O casamento entre cristãos, judias e mulçumanos é possível, não há nenhuma regra que impeça isso e também não há nenhuma imposição do islamismo, a pessoa só se converte de livre e espontânea vontade, não pode haver a obrigatoriedade. 

A mulher muçulmana trabalha se desejar, caso contrário, ela tem o direito de ser sustentada pelo marido. Ela estuda, se divorcia, vota e tem direito a herança: tudo isso são direitos consagrados graças às lutas de muitas mulheres e que hoje são garantidos. Mesmo o véu, que consta no Corão como obrigatório, não pode ser imposto pelo homem e trata-se de uma vontade da mulher - como a Mariam conta também em seu episódio. 

Ela pode se casar com quem se desejar, e inclusive, como conta Girrad, se um homem muçulmano se casar com uma cristã, ele tem a obrigação de levá-la até à missa ou seu ritual religioso de preferência - mas não tem a obrigação de ficar, somente de respeitar. 


Por fim, qualquer pessoa pode se tornar uma adepta da religião que mais cresce no mundo, mas é preciso estudo, respeito e visitar uma mesquita algumas vezes para compreensão. Acima de tudo, o amor deve ser regra, seja lá qual for o seu dogma.

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Para Inspirar

Fernanda Ribeiro em "O meu trabalho é construir pontes"

Na décima segunda temporada do Podcast Plenae, se emocione e reflita com a história do empreendedorismo de Fernanda Ribeiro

28 de Maio de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Fernanda Ribeiro: A jornada de um empreendedor preto é totalmente diferente da jornada de um empreendedor não preto. A pista é a mesma, mas os obstáculos não são. O empreendedor preto já começa o negócio devendo pra algum familiar, porque ele não tem acesso a crédito. A rede de relacionamentos dele também é totalmente diferente da rede do pessoal da Faria Lima. A Conta Black e AfroBusiness surgiram justamente pra fortalecer a inclusão social e econômica da população preta.

[trilha sonora]

Geyze Diniz: A partir da constatação e indignação de que os empreendedores negros possuem mais dificuldades para colocarem seus negócios de pé, Fernanda Ribeiro co-fundou duas iniciativas que buscam reverter este cenário: a rede AfroBusiness e a fintech Conta Black.

Conheça essa história de inclusão social e econômica que faz a diferença na vida de muitas pessoas. 
Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

[trilha sonora]

Fernanda Ribeiro: Minha mãe engravidou de mim aos 47 anos, usando DIU. Eu brinco que eu queria muito nascer. Os meus pais já tinham quatro filhas quando eu vim ao mundo. A mais nova era uma adolescente de 16 anos e a mais velha, uma jovem de 20. Então eu cresci sem crianças por perto. Nem na rua eu podia brincar, porque a nossa casa ficava numa avenida muito movimentada, em São Paulo. Eu passava o dia inteiro na companhia da minha tia-avó, a Dadinha, que também vivia com a gente.

O fato de eu ser uma criança sozinha me tornou uma pessoa curiosa, observadora e criativa. E até hoje eu sou assim. Eu não gostava muito dos programas de TV infantis da época. De uma maneira até arrogante, achava que eles eram bobos. Eu tinha que usar a imaginação pra encontrar um espaço lúdico naquele universo tão adulto. Eu criei o meu mundinho.

[trilha sonora]

Pra eu poder conviver com outras crianças, eu entrei na escola bem cedo. Quando eu cheguei ao colégio, eu já estava um pouquinho avançada em relação aos demais alunos, porque a Dadinha já tinha me ensinado muita coisa em casa. Eu fui a única das cinco filhas que estudou em escola particular. Os meus pais tiveram que fazer alguns sacrifícios pra conseguir pagar as mensalidades. Eles de fato investiram na minha educação.

No colégio, eu convivia com meninas e meninos mais ricos que eu. Mas, fora de lá, eu também conhecia uma realidade mais pobre do que a minha. A minha mãe sempre trabalhou em uma área da saúde ligada à assistência social. Às vezes, ela trazia pra casa crianças que estavam em processo de adoção na creche. Trazia também adolescentes grávidas que foram expulsas de casa.

A gente hospedava esses menores de idade por um período. 
A minha mãe me levava pra muitas vivências que ela fazia em favelas. Quando eu chegava na escola, eu compartilhava com as minhas amiguinhas o que eu tinha visto. Desde pequena, eu fui criando esse mindset de estabelecer pontes entre as pessoas de mundos distintos. 

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Quando chegou na época de escolher uma profissão, eu tive certeza que queria trabalhar com aviação. O meu pai se aposentou como funcionário público em um órgão do governo que faz a gestão dos aeroportos. Na infância, ele me levava pra ver pousos e decolagens das aeronaves. Às vezes, ele passeava comigo pelos bastidores de Congonhas, onde ele trabalhava. E aí nasce a minha paixão por aviação.

Eu me formei em turismo e trabalhei em duas companhias aéreas. O meu primeiro emprego foi na Varig, na área de fidelidade. Eu peguei o finalzinho da empresa. Quando eu vi que o negócio tava dando ruim, mudei pra outra. Comecei no setor de vendas e depois passei pra área de comunicação interna. À medida que eu ia crescendo na companhia aérea, eu ia percebendo que cada vez tinha menos pessoas parecidas comigo.

Não havia mulheres pretas, principalmente, em cargos de liderança. Aí, vinha aquele pensamento: “Eu preciso entregar mais”. Eu me esfolava de trabalhar pra fazer valer aquela oportunidade. A minha carga horária era de 16 horas por dia. Naquele ritmo, eu sabia que uma hora o corpo ia espanar. E ele espanou num domingo à noite. 

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Eu fui levada pro hospital com enjoo, dores, mal-estar, todos os sintomas de um infarto. Só que não era um infarto. Eu fiquei internada por dias fazendo exames. Mas, mesmo na cama de um hospital, meu celular não parava de tocar. Era uma época de bastante trabalho, por conta de uma transição de sistemas. Eu recebi várias vezes a ligação do meu chefe questionando: “E aí, quando você volta?” Era tipo assim: “Eu sei que você tá doente, mas eu preciso da entrega”.

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Quando saíram os resultados dos exames, os médicos disseram que eu não tinha nenhuma doença física. Como na época não se falava muito de burnout, eles explicaram que o meu problema era stress. Recomendaram então que eu tirasse férias, praticasse exercício físico, me alimentasse melhor e que fizesse terapia.

Aquele piripaque, junto com as cobranças do meu gestor insensível, foram um baque pra mim. Ficou claro que eu era somente um número na empresa. E se eu morresse, eu seria substituída em horas. Ainda no hospital, eu decidi: "Eu não quero mais essa vida". Quando eu contei que eu ia pedir demissão, as pessoas ao redor me disseram: "Você tá louca."

E realmente, pra quem olha de fora pode parecer loucura. Eu ganhava um bom salário. Eu tinha o benefício de poder viajar praticamente de graça, como funcionária. E além do mais, aquele emprego era a realização de um sonho de infância. Só que aquele sonho tinha se transformado num pesadelo.

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Eu peguei firme na terapia e, antes de pedir demissão, comecei a desenhar um processo de transição de carreira.

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Eu juntei dinheiro e decidi que iria tirar um ano sabático. A ideia era me dedicar a novos conhecimentos, dos mais óbvios aos mais estranhos. Eu fiz curso de matemática, de jardinagem, de cerâmica, de idioma e de direitos humanos. E foi num desses cursos que eu conheci o terceiro setor e comecei a gostar desse universo. 

Nesse ano, eu me dediquei também pra ampliar a minha rede de relacionamentos. Eu marcava cafés com pessoas aleatórias, só pra conhecer outras realidades. Porque às vezes a gente pode achar assim: “Eu sou uma pessoa preta, então eu conheço a realidade das pessoas pretas”. Mas não é assim. Eu conheço a especificidade de uma mulher preta que teve acesso a uma realidade Y e que mora num lugar X.

O bairro onde uma pessoa reside pode mudar totalmente a percepção de mundo dela. Como desde nova eu já vivenciava cenários diferentes aos meus, eu entendia que era importante potencializar essa visão no meu dia a dia. E tentar gerar conexões entre esses mundos acabou se tornando o meu propósito de vida. 

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Meu ano sabático acabou antes do previsto, junto com dois sócios, o Sérgio e o Márcio, fundamos uma rede de empreendedores, intraempreendedores e profissionais liberais pretos. A ideia surgiu porque o Sérgio, que já era meu namorado na época, trabalhava como publicitário e precisava de um advogado.

O Márcio era advogado e que também precisava de um publicitário. Eles, que são dois homens pretos, perceberam que não conheciam tantas pessoas pretas fazendo negócios entre si. Naquela época, o Linkedin não era tão forte como é hoje. Daí eles pensaram: “E se a gente juntasse o nosso networking?”

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A gente criou uma rede exatamente pra proporcionar oportunidades de trabalho, renda e negócios pra pessoas pretas. O Sérgio conhecia outros empreendedores como ele. O Márcio atuava na área tributária e tinha muitos contatos com profissionais liberais. E eu entrei com a minha bagagem corporativa. Juntos, montamos uma plataforma. Em pouco tempo, essa plataforma foi finalista da premiação de uma big tech.

E, por causa dessa premiação, a gente foi parar na mídia e nossa rede cresceu. Atualmente, a AfroBusiness tem mais de 9 mil empreendedores espalhados pelo Brasil inteiro. Quando um empreendedor passa por uma formação nossa ele entra numa rede de conexão e tem um faturamento oito vezes maior, comparado com quem não fez o mesmo caminho.

Nesse processo, a gente descobriu que a população preta tem demandas financeiras específicas. Por exemplo, um empreendedor preto tem o crédito negado quatro vezes mais comparado a um empreendedor branco exatamente nas mesmas condições. O Sérgio tinha passado por essa situação muito tempo antes.

Ele era dono de uma agência de publicidade que estava indo muito bem com 30 funcionários. E ele sempre foi um maníaco por tecnologia, dado momento, quis mudar o parque tecnológico da agência. Mas quando ele foi ao banco, o gerente negou o empréstimo.


E o Sérgio perguntou: “Mas por quê? Eu tenho o nome limpo. Eu consumo todos os produtos de vocês. A minha folha de pagamento tá aqui. Você sabe onde eu ganho e onde eu gasto”. E não adiantou. Naquela época, o Sérgio saiu do banco e profetizou: “Um dia, eu vou abrir um banco”. 

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A gente entendeu que aquilo era uma oportunidade de negócio e fundamos a Conta Black, com o objetivo de proporcionar a inclusão e educação financeira. Hoje, eu trabalho pra construir pontes e atrair investimentos pra empreendedores pretos. 

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Nesse processo de transformação do futuro, é fundamental ter aliados. Quando uma pessoa não negra investe conosco pode ajudar a gerar microcrédito pra pessoas pretas. Mas é preciso ter intenção. A gente conhece cases de empreendedores brancos que receberam investimentos com a startup só no PPT. Eles não tinham sequer um produto validado, só uma ideia de negócio e uma boa rede de relacionamentos.

Pro empreendedor preto, até mesmo quando ele está inserido no universo das startups, não é assim. A gente já passou por diversas conversas com fundos, onde o nosso produto já estava rodando, com cliente utilizando a plataforma e ainda assim a gente ouvia questionamento do tipo: “Ai, eu sinto que esse negócio não vai dar certo, que ele não vai parar de pé”. Tem um problema estrutural por trás de tudo isso. As pessoas que estão do outro lado da mesa normalmente são brancas.

E ali tem o viés de dar crédito para quem é parecido com elas, como aconteceu com o Sérgio lá atrás. Existem estudos que falam sobre isso. Se a gente sair do recorte de raça e olhar o recorte de gênero, é exatamente a mesma coisa. As startups lideradas por homens recebem mais investimento, quando comparadas as startups lideradas por mulheres.


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Desde que a AfroBusiness nasceu lá atrás, em 2015, algumas coisas mudaram. Eu vejo de uma maneira positiva as ações afirmativas. Hoje, existem fundos de investimento focados em startups lideradas por pessoas pretas. O Google tem um fundo desses aqui no Brasil. Inclusive, a Conta Black recebeu um aporte dele.

Mas, o empreendedor preto segue passando pelos mesmos desafios. E a gente só consegue modificar um cenário quando olha pra ele com uma lente de aumento. Eu ouço muito: “Ah, Fernanda, o crédito que foi negado pro Sérgio lá atrás hoje não seria, porque a análise não passa mais pelo gerente, ela é sistêmica”.

Eu entendo, mas por trás do sistema ainda existem pessoas. Hoje, os grandes bureaus que fazem análise de crédito olham fatores estruturais que ainda são excludentes. Um exemplo simples é que dos 9 critérios para determinar a concessão de crédito um deles é o CEP.

Então, uma pessoa que reside na Avenida Paulista vai ter muito mais oportunidades do que aquele que vive no Capão Redondo, na periferia de São Paulo. Se não tiver intenção, se não tiver uma lente de aumento, as diferenças sociais vão continuar sendo reproduzidas, inclusive pela tecnologia. 

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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