Para Inspirar
Apesar de ser um velho conhecido, há ainda muitas dúvidas e tabus em torno do assunto. Celebrando o Dia Internacional de Conscientização do Autismo, conheça mais sobre!
2 de Abril de 2022
Autismo: você certamente já ouviu falar nesse nome. O Transtorno de Espectro Autista (TEA) é uma condição neurológica reconhecida pela DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais em tradução), uma espécie de “bíblia” que guia tanto psiquiatras como neurologistas, psicólogos e outros especialistas.
Trata-se de uma condição de saúde que pode ser apresentada em três níveis de suporte diferentes. O autismo afeta a capacidade de comunicação social (socialização e comunicação verbal e não verbal) e comportamento (interesse restrito ou hiperfoco e movimentos repetitivos) do indivíduo, e começa a se manifestar entre 12 e 24 meses.
Porém, justamente por conta de seus níveis, também conhecidos como “espectros”, há muitas pessoas que vivem toda uma vida sem saber que são autistas. “Há autistas diferentes que apresentam os sintomas de autismo de formas diferentes, que têm experiências de vida e apresentações clínicas diferentes”, explica Rachel Monteiro Lorencini, psiquiatra em formação pelo CBI of Miami, com foco em neurodiversidade e também em psiquiatria e saúde mental da infância e adolescência na mesma instituição.
Desde a última versão do DSM, o DSM-5, diminui-se o leque do que era considerado autismo, como era o caso da Síndrome de Asperger - condição vivida por Rafael Mantesso, personagem da quarta temporada do Podcast Plenae. Até o DSM 4, o diagnóstico do autismo poderia receber o nome de Transtorno Autista, Síndrome de Asperger, Transtorno desintegrativo infantil ou Transtorno Invasivo do Desenvolvimento.
Agora, essas quatro nomenclaturas recebem um único nome: Transtorno do Espectro do Autismo. O que muda na prática é que, claro, os autistas são diferentes e demandam suportes diferentes. “O próprio nome discriminado no DSM-6, ‘nível de suporte’ já informa do que se trata: o quanto que aquela pessoa que foi diagnosticada com transtorno do espectro autista precisa de suporte profissional ou de uma pessoa, de um conhecido, amigo, alguns autistas encontram esse suporte no cônjuge, familiares, etc”, diz Rachel.
Este artigo explica o que mudou realmente da DSM-4 para a DSM-5 no que diz respeito ao autismo. Vale lembrar que esse manual é feito por médicos do mundo inteiro e que ele não é lançado todo ano: o último foi feito em 2013.
Os níveis de suporte
Eles se dão em duas categorias: interação/comunicação social e comportamento restritivo/repetitivo. Os níveis de suporte vão do 1 ao 3, sendo que o 1 demanda pouco suporte e o 3 muito. O nível 2 é um nível intermediário. Veja a lista completa neste artigo do Portal de Medicina Brasileiro.
“Os níveis de suporte não são fixos, estáticos, então pessoas autistas podem migrar e evoluir, pode receber assistência ou um ambiente mais favorável e caminhar nesses níveis para um suporte menor. Mas da mesma forma, em ambientes e situações adversas, a pessoa autista pode migrar para níveis de suporte maior”, explica a especialista.
“Em relação às crianças, nem sempre é fácil definir os níveis de suporte, principalmente nessa primeiríssima infância até os 3 anos, crianças muito pequenas. Às vezes a gente espera um pouco mais pra definir isso, ou questões como se ela é uma criança verbal ou não verbal, se tem algum prejuízo ou não na fala e se tem algum déficit ou não intelectual”, diz.
Fugindo do estereótipo
Quando falamos em espectro autista, uma imagem de muita limitação e prejuízo vêm à nossa cabeça. Mas é importante lembrar que nem sempre é assim, e que como foi dito no começo desse artigo, há autistas que passam uma vida inteira sem o seu diagnóstico, constituem família, trabalham e apenas ignoram suas dificuldades específicas, como se fosse uma característica pessoal.
“Quando falamos em estereótipo, estamos falando de pessoas que não são produtivas. Infelizmente vivemos em uma sociedade que tem muito mais facilidade de identificar a dificuldade ou prejuízo do outro quando ele não consegue produzir academicamente, ambiente de trabalho ou num contexto familiar. Então está muito associado ao capacitismo, que diz respeito à capacidade dessa pessoa de produzir algo, de contribuir algo no trabalho ou no estudo”, diz Rachel.
Ou seja: se a pessoa apresenta um alto desempenho em algum fator de sua vida, ela ainda assim pode ser vítima de um tipo de sofrimento da ordem da comunicação social ou do comportamento, mas será negligenciada, pois entrega o que a sociedade espera dela.
“Uma pessoa que articula bem a fala não quer dizer necessariamente que ela tenha uma habilidade plenamente desenvolvida de socialização ou de interação social. Isso porque a interação envolve comportamentos de reciprocidade, de você perceber o outro, modular, modificar o seu comportamento de acordo com a resposta do outro. Essas pessoas tidas como ‘funcionais’ geralmente têm a capacidade de articular fala e de expor ideias, mas infelizmente estão em sofrimento, porque elas falham em se relacionar, não conseguem manter relações duradouras e muitas vezes não sabem o porquê”, explica.
O próprio termo funcional já é um adjetivo que pode ser ofensivo, porque parte-se do princípio de que todos temos que funcionar e operar na mesma frequência, quando na verdade, somos todos diferentes em nossas particularidades. Mas Rachel ainda nos lembra de evitar termos como déficit, falho, prejuízo e preferir, no lugar deles, típico/atípico, diverso, recíproco/não recíproco.
Outro ponto que pode fugir do estereótipo do que se pensa quando se fala em autismo são as pessoas que possuem um hiperfoco em um só assunto, com muita intensidade, e em temas que nem sempre correspondem ao interesse geral da população ou dos seus semelhantes, que possuem a mesma idade, por exemplo. Isso entra no ponto “interesses restritos e repetitivos”, também descrito no DSM-5.
“Eles também podem estar relacionados a comportamentos ritualizados, como é o caso do meu filho, que é autista. Ele tinha seletividade alimentar, que pode ser entendida em alguns pontos como cognitiva, porque ela diz respeito muitas vezes a um layout ou uma organização específica do prato. Teve uma época que ele escolhia o formato da pipoca que ia comer ou só comia frutas seguindo o mesmo ritual da escola dele. E se esse ritual fosse ferido, ele se desorganizava muito, ficava extremamente irritado”, conta a psiquiatra.
Caminhos de tratamento
Talvez o mais conhecido dos tratamentos seja o ABA, que vem do inglês “Applied Behavior Analysis” ou Análise do Comportamento Aplicada. Por essência, o ABA trabalha no reforço dos comportamentos positivos por meio da recompensa. Antigamente, o método utilizava-se também da punição, mas hoje, com o debate da humanização cada vez mais em foco, não há mais essa punição tão esclarecida.
“Mas não recompensar pode ser também um tipo de punição”, comenta Rachel. “Ele tem um viés mais comportamentalista e surgiu de uma perspectiva que tinha como meta o condicionamento mesmo, então pegar uma criança com um comportamento inadequado e através de um sistema de recompensas fazer com que essa criança tenha adequado. Há até gráficos onde as crianças são ‘medidas’ com base no objetivo que se espera. Ele já demonstrou resultados positivos, mas é bastante questionado”.
Por ser uma condição que pode se manifestar de múltiplas formas, há também, múltiplos caminhos. Rachel aponta a terapia de transtorno de processamento sensorial aplicada como um caminho novo e que tem sido revolucionário, além da terapia optométrica, ainda um pouco inacessível pela falta de profissionais capacitados, mas que promete bastante. Musicoterapia e equoterapia também são caminhos alternativos bastante promissores.
“A terapia vai sempre ser direcionada a partir daquilo que você observar que aquela criança pode ter ganhos, então o fonoaudiólogo pode trabalhar a parte de fala, linguagem, comunicação. Terapeuta ocupacional pode trabalhar a parte da vida diária, a parte de interação sensorial. O psicólogo pode trabalhar estratégias de regulação emocional. Sempre vai ser um trabalho interdisciplinar, tendo como meta o aprendizado e principalmente o conforto do paciente”, diz.
E por fim, a escola, local onde a criança passa grande parte do seu dia comprometida com aquele ecossistema que deve ser de inclusão, nunca de exclusão. Estar atento à instituição escolhida é dever primordial dos pais que possuem filhos com espectro autista. E para adultos que se enquadram nessa condição, buscar um ambiente de trabalho que acolha suas limitações. Acolhimento: essa deve ser a palavra de ordem quando o tema for autismo.
Para Inspirar
A sétima temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história da atleta Verônica Hipólito. Aperte o play e inspire-se!
20 de Fevereiro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Verônica Hipólito: Eu tenho 25 anos e já passei por quatro cirurgias, três no cérebro e uma no intestino. Também sofri um AVC, que deixou uma sequela de paralisia no meu corpo. Mas eu não só isso. Eu também sou campeã mundial nos 200 metros rasos, tenho sete medalhas parapan-americanas, duas medalhas paralímpicas, uma de prata e outra de bronze. Sou uma das oito mulheres mais rápidas do mundo de todos os tempos do esporte paralímpico. Há quem diga que as minhas conquistas são fruto do destino, mas eu não compro essa história. Eu acredito em criar e aproveitar as janelas de oportunidade, se arriscar, sair da zona de conforto.
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Geyze Diniz: Exemplo de resiliência, a atleta paralímpica Verônica Hipólito, ao longo da sua infância, adolescência e vida adulta, teve sempre que driblar seus problemas de saúde para ultrapassar seus recordes, desafios e, literalmente, correr atrás dos seus sonhos. Verônica se abala com as frustrações como qualquer um de nós, mas não se permite cair no lugar do vitimismo. Para ela, a chave do sucesso é aprender a jogar com as cartas que a vida lhe dá.
Conheça a história da velocista e orgulho nacional Verônica Hipólito. Ouça, no final do episódio, as reflexões do especialista em desenvolvimento humano, Mark Kirst, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
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Verônica Hipólito: O esporte sempre fez parte da minha vida. Por incentivo dos meus pais, pratiquei de tudo um pouco. Natação, volêi, futebol, ginástica, futsal, basquete, tênis de mesa, de quadra, judô, karatê…Ufa! Os meus pais nunca pensaram em me transformar numa atleta profissional. Eles são professores de história e acreditam na educação e no esporte como ferramenta pra formação de caráter. Essa era a motivação deles.
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Eu era ruim em quase todas as modalidades, mas me encontrei no judô. Fui pro campeonato municipal, de lá pro estadual, depois pro estadual do interior e então consegui a tão sonhada vaga pra disputar o nacional. Umas semanas antes da competição brasileira, descobri que eu tinha um tumor na cabeça e precisava operar com urgência. Eu tinha 12 anos.
Minha mãe me disse na época pra fazer o que deveria ser feito. Eu operei, e depois da cirurgia soube que não poderia voltar pro campeonato nacional. Na verdade, eu nem sequer poderia lutar judô novamente, nem praticar qualquer modalidade de impacto.
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Resiliência é a capacidade de se adaptar às más condições. Ou, nas minhas palavras, é a vida te derrubar, te encher de porrada e você se levantar.
Meu pai viu que eu tava muito triste e me inscreveu num festival de atletismo, pertinho de casa. Era domingo, umas 7 horas da manhã, e eu não queria ir, mas ele me levou mesmo assim. Eu corri pela primeira vez, e levei uma surra. Não liguei pra derrota e saí de lá falando que queria ser a menina mais rápida da cidade. Meu pai disse: “Então, se esforce para isso”. Parece cena de filme, eu sei, mas aconteceu desse jeitinho.
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Eu comecei a treinar atletismo e me empolguei. Tava indo tudo bem, até que uma noite, aos 14 anos, senti um formigamento no braço e na perna. Eu tava em casa. Tentei falar pro meu irmão, mas a frase não saía da minha boca. Caí no chão e acordei no hospital, com a parte direita do meu corpo paralisada. Me disseram que eu tive um AVC e não poderia voltar a correr, talvez nem caminhar. Na alta, na porta do hospital, meu pai me disse pra eu não aceitar que alguém dissesse o que era possível ou impossível pra mim. Eu voltei pra fisioterapia e pra fonoaudiologia. Reaprendi a falar, a andar, a trotar, a correr e a correr mais rápido.
Procurei a melhor equipe de atletismo da cidade, fiz um teste e passei. Mas, por mais que eu treinasse, eu continuava mancando. Eu tinha espasmos e meu braço ficava extremamente rígido. O treinador da época disse que provavelmente eu era uma atleta paralímpica, que estava competindo com os olímpicos.
Aos 16 anos, fiz uma classificação pra saber se eu tinha legitimidade ou não pra entrar no movimento paralímpico. E eu tinha, pela sequela do AVC. No campeonato regional, conquistei 3 medalhas de ouro. Depois, mais três no nacional. E no meu primeiro mundial, me tornei campeã e recordista dos 200 metros rasos. Naquele momento, eu não era só a mais rápida da cidade, eu era a mais rápida do planeta!
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É claro que, como atleta, eu sempre quero mais. Eu tava voando e mirando nos ouros que eu queria conquistar em Tóquio. Mas o tumor no cérebro voltou. Eu operei. Em 2018, tive que repetir a cirurgia, por causa de erro médico. Dessa vez, o baque foi imenso, o maior de todos.
Eu já não tinha uma parte da minha hipófise, que é uma das glândulas que produz hormônios. Por causa dos remédios, o meu peso foi de 47 quilos pra mais de 70. Eu vestia PP com folga e, de repente, passei a usar GG. De repente, eu tava cheia de estrias, com uma barriga enorme. Eu não aceitava aquele corpo.
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A gente tem a mania de só considerar o sucesso quando traça um plano e aquele plano dá certo. Eu entendi que não é bem assim. O sucesso não necessariamente vem da maneira que a gente desenhou. E aí entra, de novo, a resiliência. Eu aprendi a jogar com as cartas que a vida me dá. É chato ter operado tantas vezes? É chato. Eu fico chateada? MUITO! Mas a vida não foi feita pra gente ficar chorando e resmungando. Eu sinto a raiva e a tristeza, mas depois enxugo as lágrimas e busco a solução. Para que complicar? De uma maneira inesperada, recebi um convite do canal SporTV pra comentar os Jogos Paralímpicos de Tóquio. Eu me diverti e aprendi MUITO. Foi uma maneira diferente de ir pra competição, sem o peso de antes.
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Mark kirst: A história de infinitas superações de Verônica é capaz de nos demonstrar, na prática, um dos maiores segredos no uso da nossa mais perigosa e potente ferramenta humana: a mente. Nesta existência atual, duas forças convivem a todo momento. Um pulso evolutivo e expansivo, que nos estimula a crescer, superar os nossos limites e conquistar mais vida a cada oportunidade. A outra força é a da resistência, que busca poupar energia, preservar o conhecido e defender a famosa zona de conforto.
A mente é o filtro que determina qual dessas forças vencerá a prova de cada dia. O segredo aberto para todos, mas compreendido por poucos, é o poder de decisão que todos temos ao alcance a todo momento. Veronica define a virada de perspectiva com simplicidade: “vou encarar a situação como problema ou solução”? Fomos inspirados a nos permitir sentir a potência da raiva para depois poder transmutar a dor em força de evolução. Independente da magnitude do obstáculo ou desafio, se cedermos a reatividade automática e negativa da mente, cairemos numa espiral descendente que nos leva a questionar a própria capacidade, sabotar as possibilidades e paralisar qualquer ação. Ao encarar desafios de tamanhos inimagináveis para a maioria de nós, e continuar mesmo assim escolhendo pela volta por cima, Verônica nos convida a perceber que a nossa realidade é sim produto da nossa liberdade de interpretação. Qual é a sua corrida? E quais são os seus obstáculos? Sua vitória mora no ouro, ou na capacidade de cair e levantar?
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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