Para Inspirar
O conceito que abarca diferentes abordagens, tem ganhado força na atualidade e busca por inclusão das práticas corretas e do reconhecimento dos povos originários
24 de Setembro de 2024
A ciência não está escrita em pedra e a sua renovação é parte cotidiana de sua prática. É até mesmo esperado que, com o passar dos anos e acúmulo de novos conhecimentos, suas práticas sejam revistas. Até porque, não se trata de algo exato e imutável: a ciência é viva e dinâmica, portanto, se flexibiliza e se adapta.
É o caso da covid-19, exemplo mais recente que não nos deixa esquecer como verdades absolutas adotadas ainda no início da pandemia logo caíram por terra conforme os cientistas foram se tornando mais familiares a esse vírus que chegou de repente e assolou todo o planeta de maneira devastadora.
Há ainda um outro aspecto muito importante sobre a ciência que a covid nos ensinou: a força da natureza. O mistério que mora no meio ambiente ao nosso redor e que nos condena na mesma medida que nos salva desde que o mundo é mundo - e o tanto de respeito e responsabilidade que a ele devemos.
A medicina da floresta, tema que falaremos mais a seguir, é uma síntese sobre tudo isso: as ondas científicas que, de tempos em tempos, são revisitadas, a força da natureza, a humildade que devemos ter diante de saberes que transcendem o nosso tempo e muito mais!
A medicina da floresta é um termo usado para se referir ao conjunto de práticas terapêuticas, saberes e conhecimentos tradicionais desenvolvidos por povos indígenas, comunidades ribeirinhas e outras populações que vivem em regiões de floresta, especialmente na Amazônia.
É ainda um conjunto de saberes carregados através dos séculos, principalmente pela oralidade, tema que falamos por aqui recentemente no episódio de Daniel Munduruku, no Podcast Plenae. Essa forma de medicina se baseia no uso de plantas medicinais, ervas, cascas de árvores e outros recursos naturais encontrados na floresta, que são utilizados para tratar diversas doenças e promover o bem-estar.
Elas se concentram, sobretudo, nas abordagens com rapé, ayahuasca, sananga e kambô, medicinas utilizadas há mais de 5 mil anos, segundo esse estudo de Karlene Bianca Oliveira, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mas certamente há tantos outros saberes espalhados por aí e apenas menos catalogados.
“Pode-se dizer que hoje a medicina mais falada é a ayahuasca, mas para mim não existe medicina melhor ou pior, cada uma vai trabalhar uma necessidade diferente. A cerimônia da ayahuasca é muito feita aqui na Casa Xamânica, mas a gente também abre para a medicina da sananga ou do rapé. Essa última é feita de tabaco e casca de árvore, aplicada nas nossas narinas, sempre dos dois lados para que não tenha nenhum desequilíbrio e seu objetivo é trazer mais foco, concentração, limpeza dos maus pensamentos - ajuda bastante se a pessoa tem depressão, por exemplo”, conta Lucas Reis Bergamo, fundador da Casa Xamânica.
Seu primeiro contato com a medicina da floresta, como ele conta, foi aos 26 anos. Hoje, com 33, ele relembra que a intensidade das primeiras não foi imediata. Foi preciso a terceira consagração da ayahuasca para que ele se sentisse realmente limpo e “na força”, como é chamado o durante o uso do chá. De lá para cá, ele estudou, viajou, fez imersões profundas com povos indígenas, trabalhou em outros locais guiando cerimônias até que tivesse o seu próprio espaço para se dedicar ainda mais a essa área.
“Cada pessoa trilha o seu caminho. No meu caso, a primeira coisa que eu fiz foi me aproximar dos povos indígenas, que são os detentores da cultura e das rezas que guiam toda essa espiritualidade. É claro que existem outras religiões que trabalham outras vertentes. Mas eu me apaixonei pelos povos indígenas e fui buscar conhecimento na raiz, na fonte”, relembra.
A partir disso, ele trouxe esses ensinamentos para o contexto urbano. “Ali eu pude entender toda a parte espiritual e cultural dessas medicinas para que, quando eu trouxesse para o contexto urbano, eu tivesse menos prejuízos possíveis enquanto eu estivesse guiando uma cerimônia. Eu sempre tive muita responsabilidade não só espiritual, mas com a parte física mesmo”, diz.
Segundo Lucas, não há um tempo específico de estudo ou uma formação para isso. O norte é se sentir preparado para estar fazendo esse trabalho pelo outro e mais: para aplicar todos os ensinamentos colhidos durante as cerimônias no seu dia a dia. “Você precisa não só se curar, mas praticar no dia a dia”, diz.
E isso não quer dizer consagrar medicinas a todo tempo, até porque, é preciso cautela já que muitas dessas substâncias continuam agindo em nosso organismo por um tempo e, a depender das suas sensações durante o uso, é preciso descansar. “Tem pessoas que consagram uma única vez na vida e não sentem necessidade de fazer nunca mais”, explica ele.
Dentre os principais aspectos da medicina da floresta, destacam-se:
Plantas medicinais: espécies de plantas encontradas na floresta e que possuem propriedades curativas, sendo utilizadas de diversas formas, como em chás, unguentos, banhos ou inalações. A ayahuasca, prática que te contamos por aqui em um relato, é uma planta sagrada usada em rituais de cura por algumas comunidades indígenas da Amazônia.
Saberes tradicionais: é todo o conhecimento sobre as plantas e seus usos medicinais, transmitido oralmente de geração em geração entre curandeiros, xamãs e outros líderes espirituais. Eles possuem um papel central na manutenção e transmissão desse tanto de informação que poderia se perder pelo caminho, mas é preservada por um grupo específico e especial de pessoas..
Espiritualidade: a medicina da floresta muitas vezes está profundamente ligada a crenças espirituais e cosmologias indígenas, por exemplo. A cura é vista como um processo holístico, envolvendo o equilíbrio do corpo, da mente e do espírito, além da relação com a natureza e os seres da floresta.
Sustentabilidade: a prática dessa medicina está alinhada sempre com noções básicas de sustentabilidade, respeitando e preservando o ecossistema local por meio de uma colheita cuidadosa das plantas, por exemplo, garantindo sua regeneração e continuidade.
Para Inspirar
Um câncer de estômago colocou em perspectiva toda sua vida e uma mudança de rota posterior foi necessária.
21 de Novembro de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
[trilha sonora]
Regina Ramos:
Durante uma fase da minha vida, eu entrei numa pilha de ter sucesso
profissional, trabalhar demais e só correr atrás de dinheiro. Eu buscava a
felicidade fora de mim e, sem perceber, fui me afastando da minha essência. Eu
precisei adoecer gravemente para me reencontrar. Eu coloquei a vida nos trilhos
novamente e, hoje, ajudo as pessoas a encontrarem a felicidade dentro de si
mesmas.
Ouça no final do
episódio as reflexões do historiador Leandro Karnal para te ajudar a se
conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast
Plenae. Ouça e reconecte-se.
O câncer é uma doença
multifatorial, ele é ligado à genética, ao ambiente e aos hábitos, por exemplo.
Mas eu acredito que a doença também pode estar relacionada a dificuldades em
você lidar com o estresse e com as emoções. Eu observava isso no HC. Todos os
meus pacientes, ao sentirem a iminência da morte, refletiam sobre as suas
vidas. Eram pessoas em estado de muito sofrimento psíquico e com histórias de
vida pelas quais eu tinha muito carinho, cuidado e respeito.
Quando eu fiz a minha
retrospectiva biográfica, eu estava com 42 anos. A partir dessa idade, segundo
a teoria da biografia humana, o plano espiritual começa a se tornar mais
importante que o físico. E aí eu percebi que tinha alguma coisa fora do eixo.
Eu estava mais materialista do que nunca. No fundo, eu sabia que eu precisava
corrigir a rota. Mesmo assim, eu liguei o piloto automático e segui na minha
rotina de executiva de RH. Continuei depositando a minha felicidade no sucesso
profissional e financeiro.
No dia seguinte à
consulta, fui à igreja Nossa Senhora de Fátima, sentei no primeiro banco e
supliquei: “Nossa Senhora de Fátima, eu preciso da sua ajuda. Eu entrego a minha
vida nas suas mãos”. Na véspera da operação, eu tive uma sessão com a minha
psicóloga e perguntei pra ela: “Márcia, e se não der certo?”. Tipo assim: se eu
morrer amanhã? Ela, muito carinhosamente, com o olhar fixo me respondeu: “Tem
coisas na nossa vida que estão acima de nós!”.
Eu entendi a minha
limitação e aí, eu fui aprendendo o meu lugar em relação a Deus. Na véspera da
cirurgia, eu rezei com os meus filhos, de 9 e 6 anos, antes de dormir. A gente
fazia aquele ritual sempre, mas aquela oração foi muito forte e especial para mim
porque, ao final, eles disseram: “Papai do céu proteja a nossa mamãe amanhã”.
Neste mesmo dia, ao
final da tarde, eu estava preocupada com o André, pois sabia que me operaria e
que seria um desafio por eu ser sua amiga. Queria falar alguma coisa para ele e
não sabia o quê. Foi então que fui a uma papelaria comprar uns cartões pois eu
queria escrever alguma coisa pra minha família, pros meus filhos e pros meus
amigos.
Quando cheguei no
caixa para pagar, tinha um livrinho desses pequenos, e ao abrir estava escrito
um diálogo entre um médico e Deus. O médico perguntava: “Deus, o que eu faço
para salvar minha paciente?”. E Deus respondeu: “Você faz a parte do médico e
eu faço a parte de Deus”. Foi isso que eu falei para ele no centro cirúrgico e
pra minha felicidade, todo mundo fez a sua parte.
Em nenhum momento eu
me vitimizei. A minha grande pergunta interna não era “por que” isso aconteceu
comigo, mas sim “para que” estou passando por isso. Qual aprendizado que eu
devo tirar dessa experiência? Afinal, sem querer, eu tinha mudado de lado: eu
passei de psicóloga a paciente. Comecei a perceber que, quanto mais eu buscava
meu autoconhecimento, mais eu tinha clareza nas respostas. As explicações
estavam dentro de mim e não fora. Eu me dei conta que tudo isto que estava
acontecendo era para me ajudar a colocar em ordem tudo aquilo que estava em
desordem. O que parecia o fim, foi só o começo.
Eu diminuí o ritmo de
trabalho e me tornei pesquisadora junto a uma equipe de médicos antroposóficos
na Escola Paulista de Medicina. Há 13 anos, eu estudo a teoria da Salutogênese.
“Salus” quer dizer saúde, e gênese origem, ou seja, como encontrar dentro de
nós as forças que nos blindam diante do estresse para que não cheguemos a
adoecer.
Essa abordagem foi
criada por um sociólogo chamado Aaron Antonovsky. Ele pesquisou o que havia em
comum entre os sobreviventes do Holocausto que se adaptaram às mudanças, reconstruíram as suas vidas e não adoeceram.
Ele constatou que essas pessoas não se colocavam na posição de vítima e tinham
um olhar positivo para a vida, mesmo passando por adversidades. Elas tinham
também internamente o que ele denominou “senso de coerência”: um equilíbrio
psíquico entre o que pensavam, sentiam e como agiam. Mas, o mais importante,
ele ressaltou, é que elas sempre encontravam um sentido maior no sofrimento, um
significado para poder continuar adiante.
[trilha sonora]
O segredo é a gente
ter flexibilidade e não ficar nos extremos, nem ser totalmente vulnerável nem
se achar a Mulher Maravilha ou o Super-Homem, que enfrenta tudo que aparece.
Com o autoconhecimento, a gente conhece os nossos limites e sabe até onde
podemos ir. O conceito de resiliência que eu acho legal é passar pela situação
difícil e sair mais fortalecido dela. É como um músculo que você trabalha na
academia, só que um músculo emocional, que você sempre pode fortalecê-lo.
Quando eu dou uma
aula, palestra ou um treinamento, eu compartilho o meu exemplo. O pessoal se
espanta de saber que eu vivo bem sem um estômago. Eu sempre digo para eles uma
frase de uma meditação: “Nada terá valor se a coragem nos faltar”.
Com o trabalho
biográfico, eu ajudo as pessoas a encontrarem a resiliência na sua própria
história de vida e a entenderem que essa força interna aparece nos momentos
mais difíceis. Quando a gente se apropria dela, temos mais habilidades para
enfrentar os problemas que possam surgir. Descobrir essa força interna que cada
um de nós tem e muitas vezes não percebe é o caminho para viver com saúde.
Ela precisou ter um
grave caso de câncer de estômago, fazer uma cirurgia delicadíssima que obriga a
uma reeducação absoluta depois da cirurgia pra que ela pudesse acordar para
outros valores que ela já tinha, mas que agora terá um outro olhar, e vai parar
de pensar que a vida é feita exclusivamente do sucesso e da aplicação do
sucesso profissional.
A Regina foi
descobrindo como paciente o que talvez ela dissesse para seus outros pacientes:
que ela de fato tinha que reinventar propósitos, tinha que reinventar na mente seus valores, tinha que redefinir metas, que
não podia ficar apenas focada em um campo. E foi redescobrir-se
profissionalmente, foi revalorizar coisas da família, passou a desenvolver
muito esse conceito de resiliência e conseguiu redefinir as coisas a partir de
uma experiência impactante que é o câncer no estômago. Muitas vezes, a
dificuldade tem esse poder de epifania, de revelação de quem nós somos de
verdade, que é o que aconteceu com a Regina.
Geyze Diniz:
Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em
plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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