Para Inspirar
Conheça mais sobre a filosofia que engloba um conjunto de ensinamentos relacionados a Deus, o universo, o homem, a criação do mundo, a vida e a morte
23 de Maio de 2023
Você já ouviu falar no cabala? A filosofia, que ganhou grande notoriedade nos anos 90, quando o Kabbalah Centre abriu as portas para pessoas de qualquer religião, é na verdade um ensinamento milenar, com mais de 2 mil anos de existência. Mas, na época do seu boom, até mesmo a cantora Madonna se tornou uma adepta.
Hoje, nós te explicaremos um pouco mais sobre essa prática, que vem diretamente dos ensinamentos do judaísmo. Como ela surgiu e como aplicá-la em sua vida? Veja mais a seguir!
Para explicar como surgiu a Cabala, é preciso dar um passo para trás e relembrar alguns conceitos do judaísmo. Te contamos por aqui um pouco sobre a sua celebração específica da “Páscoa”, que para eles, chama-se Pessach. Também já trouxemos duas figuras relacionadas a essa religião, que dividiram com a gente um pouco de sua sabedoria: o rabino Michel e o músico litúrgico Ale Edelstein.
Mas, falando sobre sua origem, é importante começar pela Torá, o livro sagrado dos judeus. Originalmente, ela foi escrita a mão em dois rolos imensos de pergaminhos que é de impressionar qualquer um. Hoje em dia, já há versões em livros editados e disponíveis em diferentes livrarias.
Segundo a crença judaica, o seu conteúdo foi revelado por Deus a Moisés no alto do monte Sinai, e inclui os 5 primeiros livros da Bíblia onde é narrada desde a Criação até a saga do povo de Israel pelo deserto em busca da Terra Prometida.
Ele é inteiro escrito em hebraico “clássico”, língua falada em Israel e resgatada em um movimento no século XIX, liderado pela comunidade judaica europeia. Conhecido como “movimento sionista”, seu objetivo era defender a restauração de um Estado judeu independente.
Onde entra a cabala em tudo isso, afinal? Na crença de que há mensagens “escondidas” na Torá. Segundo a tradição mística judaica, as 304 805 letras hebraicas da Torá também contêm significados ocultos sobre Deus e as leis do Universo, como explica esse artigo da Revista Superinteressante.
Para desvendar essas mensagens, seria preciso usar chaves numéricas e meditações. Só assim os cabalistas seriam capazes de tirarem lições das histórias narradas no texto. O mais interessante é que não é preciso ser rabino ou mesmo judeu para ter acesso a esses ensinamentos e aplicá-los em sua vida.
Sua origem, como continua o artigo, está no "Sêfer Ietsirá”, ou o “Livro da Criação”. Trata-se de uma obra muito pequena e sem data exata de quando foi lançada ou sequer por quem foi escrita. Foi a partir dela que a ideia de que Deus criou o Universo usando as 22 letras do alfabeto hebraico foi introduzida.
O livro ainda apresenta o termo sefirot, plural de sefirá, que pode significar “reino”, “esfera” ou “contagem”. Representadas pelos números de 1 a 10, elas são consideradas outro instrumento da criação do Universo. Porém, nada disso trazia a explicação exata de como revelar os significados ocultos da Torá.
Foi no século 13 que o espanhol Moisés de León publicou o “Sefer Ha Zohar”, ou o “Livro do Esplendor”, trazendo regras mais consolidadas do que hoje conhecemos por cabala. Isso porque ele conseguiu conectar cada uma das sefirá a um modo de atuação de Deus e também a um personagem bíblico.
Os cabalistas também interpretam a Torá utilizando a numerologia judaica, chamada guimátria. Seu princípio é, basicamente, atribuir um valor numérico para cada uma das 22 letras do hebraico. É fazendo as contas (veja abaixo), surgem os significados ocultos que expandem os ensinamentos do livro sagrado.
Apesar de sua recente popularização, por muitos anos a cabala foi restrita a homens judeus acima dos 40 anos. Dentro desse grupo, havia ainda uma segunda peneira, dentre os mais qualificados espiritualmente. Esse cenário mudou bastante nos últimos anos, mas há ainda correntes mais ortodoxas e conservadoras que restringem seus ensinamentos.
“Aparentemente, as histórias da Torá não têm relação com a vida diária. Mas a cabala mostra que, por trás delas, há ensinamentos profundos sobre como lidar com nosso semelhante e encarar as situações ", diz Samuel Lemle, professor do Kabbalah Centre (Centro de Cabala) no Brasil para a revista.
Para Yonatan Shani, diretor do Kabbalah Centre Brasil, em entrevista ao Portal NAMU, se questionar onde surgiu a cabala é a mesma coisa de se questionar onde surgiu a física. Isso quer dizer que elas sempre estiveram ali, assim como a gravidade já existia antes mesmo de Newton a descrevê-la a partir da queda de uma maçã.
O mesmo se aplica à cabala: sua essência sempre esteve aqui, mas foi por intermédio de algumas pessoas que ela se tornou “pública”. Prova disso é que, no livro que mencionamos antes, Sefer Ha Zohar, já constava em seus escritos algumas passagens que só fizeram sentido para a humanidade muitos anos depois.
“Esse livro fala que o mundo está montado em cima de 7 pratos, que é aquilo que a gente chama hoje de placas tectônicas. Também fala que o solo é verde. Os cabalistas tinham muito conhecimento sobre muita coisa há milhares de anos, só que de onde eles tiraram esse conhecimento era de um conceito espiritual”, pondera Shani.
Os cabalistas têm como princípio usar esses ensinamentos “ocultos” da Torá para se tornarem pessoas melhores, crescerem espiritualmente e ajudarem outros. Yonatan diz que "a cabala diz que, na verdade, nós não somos só pessoas, somos almas e viemos do infinito". Não se trata de um oráculo que deseja prever o futuro ou retornar ao passado, mas sim, compreender o que há de comum em todos nós.
“A palavra cabala, em si, significa só uma coisa: receber. (...) Viemos do infinito, de uma realidade onde a gente tinha tudo, menos uma coisa: o poder de compartilhar. (...) Esse mundo, com todas essas coisas que temos, foi criado por nós. E, aqui nesse mundo, há uma força negativa que nos faz pensar de uma forma muito pequena”, reflete o estudioso.
Ele ainda propõe um exercício: que se enxergue a cabala como uma tecnologia. “Você tem que saber como ligar o rádio, a televisão, o celular, para poder ouvir aquilo que está sendo transmitido. A gente acredita que toda a verdade está aqui. O infinito está aqui. (...) Se nós conseguirmos transformar a nós, vamos transformar toda a nossa realidade. Meu mestre sempre falava: consciência é tudo e cria toda a realidade”, conclui.
Há ainda outros ensinamentos, que você pode colocar em prática na sua vida:
Abraçar o que não pode ser mudado, já que há leis do universo que existem de forma imutável e que precisam ser absorvidas com harmonia
Não existe o acaso, e sim, causa e efeito. Tudo que acontece em nossa vida, nós criamos de alguma maneira. É preciso ser mais ativo e menos passivo diante da sua própria jornada, tomar as rédeas do seu futuro
Os olhos são a janela da alma, então busque sempre visualizar as situações diante de si
- A evolução é lenta e gradual, seja ao iniciar na jornada da cabala ou em qualquer outra jornada de sua vida. É preciso intenção.
A cantora Madonna ainda pontua outros aprendizados que adquiriu na sua jornada pessoal, como:
Qual é a sua essência sem os seus bens materiais?
Cuidado com o que você deseja.
Devemos buscar fazer além, não se contente com o fácil
Nossa meta deve ser deixar este mundo melhor do que entrou.
O verdadeiro objetivo é o processo e a transformação pela qual passamos.
Concentre-se nos pensamentos positivos e enxergue oportunidades
Pondere suas palavras antes delas saírem de sua boca
Não leve tudo para o pessoal, pois ninguém é o centro das atenções
Seja paciente consigo mesmo e respeite os processos
Observe a mudança em seu comportamento depois de colocar em prática. Seja a mudança de sua própria vida!
Para Inspirar
A sétima temporada do Podcast Plenae está no ar! Confira a história da jornalista Barbara Gancia. Aperte o play e inspire-se!
13 de Março de 2022
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
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Barbara Gancia: Os meus pais se mudaram sozinhos da Itália pro Brasil. Eu nunca tive avós, avôs, tios e primos presentes. A nossa família era pequena: só meu pai, minha mãe, meus dois irmãos e eu. A gente sempre foi muito unido, com uma relação de afeto forte. Mesmo não concordando com o meu comportamento, eles estavam do meu lado. O apoio da minha família foi fundamental pra eu conseguir vencer a dependência no álcool.
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Geyze Diniz: Profissional consagrada e jornalista reconhecida nacionalmente por suas análises cirúrgicas, Barbara Gancia abriu seu passado no livro “A saideira” onde, além de resgatar memórias dolorosas, também busca ajudar pessoas e famílias inteiras a lidar com o alcoolismo. Bárbara foi alcoólatra por 30 anos e conseguiu vencer a dependência depois de várias tentativas. O apoio da família e de outras pessoas que enfrentam o mesmo problema foi crucial para ela dar a volta por cima. Conheça todo o aprendizado que Barbara Gancia reuniu ao longo dos últimos anos.
Ao final do episódio, você ainda encontra reflexões do especialista em desenvolvimento humano Marc Kirst, para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae, ouça e reconecte-se.
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Barbara Gancia Eu tinha 3 anos de idade quando provei álcool pela primeira vez. Isso mesmo, 3 anos. Foi numa das tantas festas que meus pais deram na nossa casa da avenida República do Líbano, no Jardim Paulista, em São Paulo. A minha mãe contava que o Alberto, um copeiro que trabalhava com a gente, me pescou no chão da copa, tomando restos de bebida dos copos que ele havia empilhado num carrinho, desses que também servem de bar.
Me disseram que a minha segunda experiência com álcool foi aos 6 anos. A marca de chocolates Kopenhagen fabricava, e ainda fabrica, um bombom recheado com uma cereja banhada num vinho bem doce e licoroso. A minha mãe comprava uma caixa desses bombons e deixava no quarto de vestir dela, em cima de um pufe quadrado. Nunca me esqueço da embalagem: era vermelha e redonda, com chocolates embrulhados num papel prateado. Eu desenvolvi uma técnica de desembrulhar o doce e, ao mesmo, deixar a impressão de que ele estava intacto. Eu abria o papel laminado e fazia um furinho junto ao talo da cereja que saía de dentro do bombom. Depois, virava o doce feito um shot de uísque e bebia o líquido. Daí eu fechava de novo e colocava na caixa. Alguém me viu trançando as pernas no corredor, e foi assim que descobriram o meu delito.
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Teve um terceiro episódio, quando eu tinha 9 anos, e desse eu me lembro muito bem. Aconteceu num domingo e, no dia seguinte, pela primeira, de muitas e muitas vezes, senti a mais terrível das sensações: a ressaca moral. Depois de uma missa na igreja São Gabriel, meu pai me levou a um churrasco numa cidade próxima de São Paulo. Eu fiquei fascinada quando vi um balde enorme de ponche, cheio de maçãs, laranjas, pêssegos, abacaxis e folhinhas de hortelã mergulhados num líquido de cor atraente. Experimentei e nem dei bola pro gosto do álcool. Quando ninguém estava prestando atenção, eu ia lá e me servia de uma concha generosa. Foram me encontrar, já no escuro, deitada no meio de uma estrada de terra secundária, olhando pra Lua cheia e cantando.
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Antes que você pergunte: “Onde estavam os pais dessa criança?”, eu respondo que os tempos eram outros. A minha impressão é de que todas as elites, por terem farta ajuda para cuidar dos filhos, mantêm um certo distanciamento deles. Além disso, eu sou temporã, 6 e 7 anos mais nova que os meus irmãos, e sempre pude fazer mais ou menos o que me deu na telha.
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Lá pelos 17 anos, eu comecei a beber sistematicamente. Eu não sei dizer os motivos que me levaram a adotar esse comportamento. Você pode especular o que bem entender. Que eu bebia porque sofri alguma negligência na infância, que eu usei a bebida pra me libertar da timidez ou por pura porra-louquice. Muita gente bebe pelos mesmos motivos, sem se tornar dependente de álcool por isso.
Admito que a minha motivação nunca foi sentir o gosto da bebida, as sutilezas do vinho ou o malte do uísque. Eu só me importava mesmo com o efeito do álcool. Quatro cervejas ou três doses de uísque era o que eu tomava antes de sair para a igreja. Imagine, então, pra ir pra balada. Foi nessa época que a minha família começou a viver um calvário comigo.
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Pouco tempo depois que eu tirei carta de motorista, meu pai acordava no meio da noite e, quando não me encontrava em casa, mandava o meu irmão pro IML e a minha irmã pro Hospital das Clínicas pra me procurar. Imagina a barra pesada que não era?
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Mesmo sem quase nenhuma lembrança dos meus fins de noite, os barracos que eu causava ao voltar de madrugada continuam cravados na minha memória, três décadas e lá vai pedrada depois. O inferno se instalava assim que eu cambaleava pra dentro de casa. Ameaças, castigos infinitos, tapas, empurrões, objetos atirados contra a parede, móveis chutados e muitos berros. Sobrava pra mim em grande estilo. E eu fazia por merecer.
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Aos 24 anos, perdi uma das minhas vistas num acidente de carro causado por mim. Eu estava bêbada. Cruzei a avenida Paulista no sinal vermelho a toda velocidade, atingi um fusquinha bege e o meu Fiat 147 saiu rodando igual um buscapé. Eu estava sem cinto de segurança, que não era obrigatório em 1981, e mergulhei pelo vidro dianteiro no asfalto. O impacto do meu rosto arrancou o espelho retrovisor. Quando meu pai chegou no hospital e me viu com a cara estraçalhada, ele encostou na parede e desmaiou. Eu passei por uma operação de 6 horas pra reconstruir o meu rosto, e mais 3 numa tentativa frustrada de recuperar o meu olho direito. Esse foi só um dos cinco ou seis carros em que eu dei perda total.
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A minha família não enxergava o alcoolismo como uma doença. Pra eles, o meu exagero era uma questão de força de vontade. Meu pai era um cara muito pé no chão e falava assim: “Cê tá com um problema? Vai trabalhar que resolve”. Ele não achava que a psicologia , a psiquiatria, pudessem ajudar uma pessoa a solucionar suas crises. Pra minha família, eu era louca e por isso eu bebia, mas na verdade era o contrário: eu bebia e ficava louca. Quando eu decidi me internar pela primeira vez pra tratar o alcoolismo, aos 30 anos de idade, eles foram contra.
Depois da minha primeira internação, eu passei dois anos e oito meses sem tomar um gole de álcool. Parei outras vezes também, de supetão, por conta própria, sempre depois de alguma ocorrência dramática. Toda vez que meus pais ficavam extremamente decepcionados com as consequências de um porre meu, tipo criar alguma confusão no Natal, terminar a madrugada com um meganha me apontando uma arma na entrada da favela do Buraco Quente, eu jurava que ia parar de beber.
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Nunca foi malandragem minha. Eu juro que eu tentei 1 milhão de vezes, mas não beber quando sentia necessidade demandava uma energia além das minhas possibilidades. A uma certa altura, eu já não bebia mais por diversão, mas pra me entorpecer e fugir das consequências do meu próprio comportamento. Foi preciso que eu magoasse, profundamente, as pessoas ao meu redor pra eu me conscientizar de que não existe a possibilidade de acordo entre mim e o álcool.
Eu bebi praticamente dos 17 aos 47 anos, com alguns intervalos de sobriedade. Não tenho a menor ideia de como consegui manter uma agenda mínima de compromissos, um emprego, dentes, a conta bancária e essas coisas que vêm no pacote da existência. Chegando aos 50 anos, eu intercalava surtos de medo e remorso. Fazia cálculos mentais, tipo um cacoete, da quantidade enorme de pessoas que morreu pela dependência, entre amigos, ex-colegas e gente que eu conheci no bar. Eu estava num ponto de ressaca moral tão grande, que eu passava o dia inteiro falando pra mim mesma: “Tiro na cabeça, tiro na cabeça, tiro na cabeça”, era um cacoete.
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O gatilho pra me internar pela terceira, e última, e efetiva vez em uma clínica foi um telefonema da minha mãe. Ela me viu ao vivo na TV, achou que estava alcoolizada e, assim que o programa terminou, ela me ligou e perguntou: “Você estava bêbada?”. Bateu um frio na minha espinha, senti um impulso de sair gritando e arrancando os cabelos, pânico, vergonha, suadeira, vontade de sumir do mapa. A gente terminou de falar e, sem refletir, eu atravessei a redação da emissora e pedi pro editor-chefe do programa: “Posso tirar uma licença médica? Eu preciso me internar numa clínica de reabilitação, eu não tô mais segurando a barra”.
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A pergunta da minha mãe foi a gota d’água e fez a represa transbordar. Dessa vez, eu não me internei com dúvidas, nem pesar, como se tivesse a caminho de um matadouro. Eu sabia que seria dureza, que teria de me confrontar com a abstinência e suas consequências, sabia da angústia, mas alguma coisa dentro de mim me dizia que aquela seria a minha última internação.
Encontrei uma clínica que utiliza os 12 Passos dos Alcoólicos Anônimos como referência na minha orientação de tratamento, e lá fui eu. O primeiro passo é admitir que somos impotentes perante o álcool. Porque é assim: toda vez que eu entro em contato com essa substância, eu saio derrotada. O ciclo vicioso do crime e castigo só foi rompido quando eu assumi a minha parcela de responsabilidade e parei de beber de vez.
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Quando eu deixei a clínica, quem mais me amparou pra manter a sobriedade foram os colegas do grupo de apoio, o Narcóticos Anônimos e o Alcoólicos Anônimos. Essas pessoas são as mais adequadas e as mais preparadas pra ajudar quem tem um problema de dependência como o meu. No Brasil, a gente tem um preconceito ridículo com esses grupos. Quem frequenta o NA ou o AA é um vencedor, porque quem tá lá dentro quer parar de beber e quer parar de usar droga. O nosso olhar de pena deveria ser para quem tá no boteco e não consegue parar de dar mais um gole.
Com a evolução do meu tratamento, passei a vivenciar uma condição que não tenho mais como refutar: eu não posso beber. Caso contrário, a minha estabilidade vai por água abaixo. Antes de parar completamente de beber, eu achava que a vida seria uma chatice sem álcool. Mas eu descobri que não só eu consegui ser feliz, muito feliz, como eu tive outra chance de vida, muito melhor que a anterior. Eu quis escrever o livro pra que outras pessoas soubessem que é possível largar a bebida e ser feliz. Existe esperança de vida feliz após a sobriedade. Eu esperei meus pais morrerem antes de fazer isso, porque eu não queria que eles revivessem os traumas do passado. É muito barra pesada pra um pai, pra uma mãe, e eu me sentia responsável pelo sofrimento deles.
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Enquanto eu escrevia, eu pensava assim: “Se uma única pessoa puder tirar proveito desse livro, eu já fiz um bom trabalho”. E eu vejo que a minha história tá conseguindo tocar muita gente. Um cara me contou que tava no carro, a caminho de um motel pra se matar, quando ele me ouviu falando no rádio sobre o meu livro. Ele parou no acostamento, começou a chorar e foi direto pros Narcóticos Anônimos. Eu ouço vários relatos como esse.
O Brasil é o país que mais tem acidente de trabalho, que mais tem violência doméstica, na maioria das vezes causada pelo álcool. A bebida favorece doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada, acidentes de trânsito e violência gratuita. O ônus da bebida pro país é mirabolante e a gente não saber disso é uma tragédia. Médicos, agentes sociais, professores, pais, alunos, autoridades, associações de bairro, a indústria precisam ouvir e precisam falar sobre esse assunto, porque a gente não conversa sobre álcool. Por isso, faço questão de compartilhar essa minha história.
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Eu, hoje, não sou mais refém de droga nenhuma. Quando eu completei 60 anos, a minha irmã me ligou para dar os parabéns e disse: “Você está entrando nos 60 muito melhor do que entrou nos 40 e nos 50”. Há mais de 15 anos eu não conheço a sensação da ressaca física, moral, não sinto medo, culpa ou desespero. Há 1 ano a minha história virou uma peça de teatro estrelada pela Marisa Orth, um monólogo. Foi um sucesso de público, um sucesso de crítica e vai retomar no segundo semestre de 2022. A gente vai rodar o Brasil com essa peça, e está chamando muito a atenção de todo mundo. Ou seja, o trabalho continua.
Hoje, eu devo dizer que a serenidade caminha comigo e todo esforço feito em nome dela tem valido muito a pena. Só por hoje.
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Marc Kirst: Como você se sente ao ouvir a história da Barbara? O alcoolismo é uma doença que abala não somente o indivíduo dependente da bebida, mas também as pessoas ao seu redor. Por isso, a união e resiliência dos familiares é fundamental para quem quer romper o ciclo do vício. Barbara nos conta que seus pais e irmãos condenavam seu comportamento e nunca entenderam o seu alcoolismo como uma doença. Mesmo assim, sempre estiveram ao seu lado e não desistiram dela, mesmo após décadas de tentativas e erros.
As relações humanas têm um dos mais profundos poderes nos nossos processos de cura. Além do amor da família, Barbara recebeu o apoio de grupos, como os Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos, para vencer de vez este desafio que parecia não ter fim. Nesses grupos, ela encontrou pessoas determinadas a contribuir com quem está passando pelo que já foi superado. Sem preconceito e julgamento, praticando a compaixão de quem já sentiu na própria pele. Qual é a sua rede de apoiadores da tua cura?
Pra muitos de nós, o primeiro passo talvez seja admitir que precisamos do outro numa jornada que pode ser muito mais difícil quando estamos sozinhos.
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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
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