Para Inspirar

David Hertz em “Atos que salvam vidas”

Na quinta temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir, o empreendedor social David Hertz conta como olhar para si o ajudou a olhar para o outro

4 de Julho de 2021


Leia a transcrição completa do episódio abraço:
[trilha sonora] David Hertz:  Eu acredito que quando a gente se conecta com a nossa missão de vida e com a nossa espiritualidade, tudo vai se encaixando. Hoje, todos os projetos dos quais eu participo são resultados dessa ligação. Mas isso não vem do dia pra noite, eu sinto que eu tive 3 grandes chamados na vida e, ao escutá-los com atenção, eles me trouxeram onde eu estou hoje.  [trilha sonora] Geyze Diniz: Empreendedor social, cozinheiro e apaixonado por pessoas, David Hertz, co-fundador da ONG Gastromotiva, é uma daquelas pessoas que traz em sua trajetória de vida caminhos de autoconhecimento e intuição, capazes de construir pontes ao invés de muros. Pontes essas que o levaram para muitos lugares no mundo, mas o mais valioso foi para dentro de si mesmo. 

Conheça a história de ação e transformação de David Hertz. Ouça, no final do episódio, as reflexões do rabino Michel Schlesinger para te ajudar a se conectar com a história e com você mesmo. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se. 

[trilha sonora]

David Hertz: Aos 18 anos, eu tranquei meu curso de engenharia, em Curitiba, para viver num kibutz, em um programa oferecido pelo governo israelense. Isso foi em 1992, antes de existir internet. Eu não tinha ideia do que eu ia encontrar lá e para mim tudo foi novidade. Eu descobri que os jovens israelenses tiram um período sabático depois de servir o exército, que lá é obrigatório pra homem e pra mulher. Eles passam seis meses, um ano ou até mais tempo que isso viajando pelo mundo. 

Foi quando eu ouvi o meu primeiro chamado: eu não precisava me encaixar nos padrões impostos pela nossa sociedade e cumprir o destino que os meus pais traçaram pra mim. Eu não precisava voltar pra faculdade de engenharia, nem assumir a loja de armarinhos do meu pai um dia. Eu podia ser dono do meu destino. E o meu destino era conhecer pessoas, costumes, culturas de diferentes lugares no mundo.

[trilha sonora]

Eu passei sete anos mochilando e saí transformado dessa jornada. Na Índia e na Tailândia, eu descobri a meditação e o budismo, que me ajudaram a encontrar a minha identidade, porque nessa fase da vida eu ainda estava bem perdido. Eu aprendi a ouvir a minha intuição, a viver o momento e a ter flexibilidade, habilidades que me ajudam até hoje. Em várias situações, eu me confrontava com essas ferramentas. Como uma vez em que eu estava em uma praia e conheci duas francesas. Por causa daquele encontro de uma hora, toda a minha rota mudou e eu acabei no Vietnã. 

Na viagem, eu também conheci a Krista, uma canadense com quem me relacionei e morei junto por todos esses anos da viagem. Nessa relação eu entendi que não estava sendo honesto comigo, nem com ela. Eu sou gay. Depois de tantas viagens, passando por um processo de autoconhecimento profundo e entender a importância da verdade e da presença, a minha vida não teria mais sentido se eu não assumisse quem eu sou. 

[trilha sonora]

Eu voltei pro Brasil sem saber no que trabalhar, sem me achar bom em nada, mas muito em paz comigo mesmo por ter tido a coragem de viajar pelo mundo e também de me assumir. 

[trilha sonora]

A partir daí, as coisas começaram a se encaixar. Eu descobri que tinha talento para cozinhar fazendo jantares para amigos, em Curitiba mesmo, de comida tailandesa e indiana. Foi quando uma amiga veio com a ideia da gente abrir um restaurante. Fiquei animado, mas como eu não tinha nenhuma experiência, falei: “Olha, se for para abrir um restaurante, eu preciso me especializar e entender esse mercado”. Aí eu fiz um curso de tecnólogo em gastronomia lá no Senac, em Águas de São Pedro, no interior de São Paulo. Como eu já tinha feito tudo que um jovem pode fazer na vida, eu foquei muito nos estudos. 

E quando me formei, estavam começando a aparecer as faculdades de gastronomia no Brasil. Aí eu fui convidado para dar aula de comida asiática numa delas e também pra ser chef de cozinha de um restaurante em São Paulo. Eu logo virei professor de gastronomia e chef. 

[trilha sonora]

Ali no restaurante, eu percebi que eu tinha um talento para liderar equipe e também para administrar um negócio, talvez por essa origem comerciante da minha família. Mas a parte mais motivadora do meu trabalho era ensinar o que eu sabia para as pessoas. Aquelas pessoas que não tiveram as oportunidades que eu tive na vida. 

Eu tinha uma carreira super promissora ali no Santo Grão, mas algo me dizia que ali não era o meu lugar. E foi num dia ali, eu me lembro, eu completei 30 anos, 15 de dezembro de 2003, eu estava na cozinha do restaurante e perguntei pra mim mesmo: “É isso? Eu viajei pelo mundo, fiz uma jornada de autoconhecimento, conheci tantas pessoas, culturas e costumes, e estudei para ter uma vida tradicional, uma rotina, buscar segurança num emprego e ser movido por dinheiro? Não, isso não faz sentido”.

 

Naquele mesmo dia eu pedi demissão. Eu montei um plano de negócios de um restaurante indiano, que era meu sonho, e apresentei para o meu pai. A resposta dele me deixou sem chão. Meu pai é muito tradicional, religioso, nem ele nem ninguém na minha família aceitavam ali a minha sexualidade e ainda tinham esperança que eu casasse com uma mulher e construísse uma família. Ele também acreditava que cortar qualquer apoio seria uma forma de me manter perto. Então, naquele momento ele me disse: “Olha, David, com as tuas escolhas, para você, não tem recurso”. 


[trilha sonora]

A partir dali eu sabia que não poderia mais contar com a minha família e nossa relação ficou estremecida por muito anos.

[trilha sonora]

Eu fui acolhido muito pelos meus amigos, eu continuei dando aulas e eu me perguntava muito naquele momento qual era o meu propósito, pedindo para Deus me mostrar o caminho. Um grande amigo, que cresceu comigo, chegou pra mim e falou: “David, tem um projeto social relacionado à uma padaria dentro da favela do Jaguaré, aí em São Paulo, não quer conhecer?” Eu lembro até hoje do dia em que fui lá, o dia que eu escutei meu segundo chamado, em 2004. Era a primeira vez que eu entrava numa favela, com todos os estigmas relacionados àquele universo. Conforme eu fui subindo o morro, o filme da minha vida foi passando na minha cabeça. Eram flashs, eu revi as cenas de Curitiba, de Israel, da Índia, do Canadá, da faculdade, do Santo Grão… Mas o que eu mais me lembrava naquele momento, é que quando eu andava em lugares muito pobres pelo mundo, na Índia, eu não tinha medo de ser roubado, eu não pensava se as pessoas que eu encontrava no meio de tanta pobreza eram criminosas. E aí, foi quando veio a resposta, que a minha realização pessoal era ser mais do que chef de cozinha, era compartilhar conhecimento, me tornar um educador, um empreendedor social. Com a minha bagagem, eu podia ser um canal pra mudar aquela realidade. Ser ponte entre dois territórios.

[trilha sonora]

Foi nessa favela que eu criei o projeto Cozinheiro Cidadão, dedicado a profissionalizar jovens da comunidade, gratuitamente. Mas, naquele momento, ainda com muito preconceito e arrogância, crente que eu já sabia de tudo, eu acreditava que ensinar uma profissão era suficiente pra melhorar a trajetória daqueles jovens.

Para minha sorte, na mesma época eu recebi um e-mail da Fundação Artemísia, que estava buscando pessoas pra treiná-las em negócios de impacto social. Com a minha origem comerciante, eu pensei: como seria uma Gastronomia Social? Como seria um negócio feito por jovens da favela? Eu me conectei com essa vontade e eu guardei esse sonho, enquanto formava cozinheiros naquele curso gratuito.

A primeira coisa que o pessoal da Artemísia falou para mim foi: “Você quer mudar o mundo? Então primeiro a gente vai mudar você. A gente vai te oferecer um coach, uma psicóloga. Nós vamos te mandar para os eventos mais importantes do mundo que trabalham com empregabilidade e empreendedorismo para jovens na base da pirâmide”. Eu tinha perdido meu pai como investidor, mas eu ganhei uma organização social disposta a me desenvolver como ser humano e me treinar pra eu ser melhor na minha área de atuação. 

[trilha sonora]

Numa dessas viagens da Artemísia, eu tive a oportunidade de levar para uma exposição na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, uma jovem que estudava no Cozinheiro Cidadão. A Uridéia Andrade é a maior inspiração da minha vida, uma parceira. Ela morava na favela e, durante o curso, descobriu que queria ser cozinheira. Ela é talentosíssima e conseguiu um estágio no Bistrô Charlô, um restaurante super conceituado de São Paulo. Parecia que a vida dela estava encaminhada, mas um dia ela sumiu do curso e do estágio. Fui atrás dela e descobri que ela tinha tentado suicídio. A Uridéia nunca foi aceita pelo pai, era maltratada pela mãe, tinha uma autoestima baixíssima. Eu disse pra ela: “Uridéia, meu pai também não fala comigo. Eu sinto o teu coração. Mas eu quero te mostrar que vale a pena viver”. Eu levei ela pra Nova York e, vendo ela lá na ONU, eu tive a resposta para o nosso projeto. Só ensinar uma profissão não era suficiente para transformar pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Eu olhei no olho dela e falei: “Eu não sei o que é passar fome, não sei o que é morar numa favela, mas eu tenho relação com pessoas que tiveram oportunidade, posso me conectar com jornalistas, com a ONU, com empresários. Mas você sabe o que os jovens precisam para ser transformados. Vamos fazer algo juntos?”.

E assim, em 2005, nasceu a Gastromotiva, um projeto social dedicado a promover transformações através da comida. Nós montamos um buffet-escola na minha casa, com a Uridéia como chef e mais 4 beneficiários. A gente fazia eventos e revertia o lucro pra vagas de educação nesse mesmo tipo de gastronomia. O objetivo era que os alunos pudessem replicar o negócio dentro das suas comunidades, porque os buffets não entram nas favelas, mas as pessoas que moram lá também querem dar festas. Mais tarde, a Uridéia seguiu a frente no seu buffet e eu com a Gastromotiva, que veio a se tornar uma OSCIP.

[trilha sonora]

A Gastromotiva hoje é uma ONG que oferece muito mais do que cursos profissionalizantes. Os nossos pilares são resiliência econômica, educação nutricional e educação como um todo, porque a gastronomia é multidisciplinar. A parte mais importante de todo nosso trabalho é ligada às habilidades emocionais que trabalhamos em cada indivíduo. A gente criou na Gastromotiva uma metodologia de desenvolvimento humano baseada no que a Fundação Artemísia fez comigo. Gerar pertencimento, se empoderar como indivíduo e cidadão, ter resiliência, empatia, e solidariedade, o que naturalmente já têm muito a ver com o universo onde as pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade moram. Os cursos profissionalizantes da Gastromotiva já atenderam mais de 6.300 pessoas no Brasil, no México e em El Salvador. 

E tudo isso me ajudou a criar o conceito de Gastronomia Social e levar esse movimento para ONU, pra Davos, assim como pro mundo da gastronomia e da hospitalidade. A Gastronomia Social é a gastronomia que transforma vidas e territórios. Ela foca na mitigação das desigualdades sociais e é uma solução multidisciplinar para muitos problemas da humanidade. Desde a fome à sustentabilidade ambiental. 

Ao longo de todos esses anos eu me tornei parte de várias comunidades. Sou fellow Ashoka, Ted fellow e me tornei um jovem líder global, do Fórum Econômico Mundial. Junto com todas estas conquistas veio um novo desconforto. Em 2014, eu fiz um curso em Harvard de 10 dias que se chamava liderança autêntica. Eu tive que rever mais uma vez toda a minha história. Tínhamos um grupo que se encontrava toda a manhã para dividir o que aprendíamos e como nos sentíamos. Era muito profundo e eu me empenhei muito. Era como se eu estivesse me preparando para encarar mais um grande desafio, um novo chamado. 

E novamente, foi na espiritualidade que eu encontrei minha energia interna para perceber as marcas que ainda tinham que ser curadas. Eu fiz um retiro chamado “Caminho do Amor”, de 21 dias de duração. Eu fiquei sem comer e sem beber por muitos dias. Sai de lá transformado, disposto a não buscar mais a aceitação da minha família e aprendi que era eu que deveria aceitá-los como são. Ali eu cheguei no meu pai e disse: “Pai, deu tudo certo. Eu estou bem, a Gastromotiva está bem. Está chegando algo muito importante para mim e eu quero contar com você. Com o teu apoio.” Daquele momento em diante nós restabelecemos uma relação de admiração, gratidão e fortalecimento.

[trilha sonora]

E aí, o que veio depois disso foi o projeto mais lindo e determinante da Gastromotiva. Eu me associei ao chef Massimo Botura, que naquele ano era o número 1 do mundo e a jornalista Alexandra Forbes e nós co-criamos o Refettorio Gastromotiva no Rio de Janeiro. Eu queria deixar um legado Olímpico para a cidade e lá criamos um restaurante escola, um lugar que cozinha apenas com doação de alimentos e atende pessoas em situação de rua. O lugar é lindo, repleto de cultura, de arte, onde celebramos todas as noites jantares com chefs renomados, voluntários, e os nossos beneficiários. Nós celebramos a gratidão, o amor, a vida. Agora na pandemia, o restaurante se tornou um banco de alimentos e já produzimos refeições para mais 1 milhão de pessoas. Nós estamos espalhando Cozinhas Solidárias pelo Brasil todo e nosso próximo passo é a América Latina.

O Movimento da Gastronomia Social, hoje está presente em mais de 60 países. Ao longo dos últimos 5 anos eu já visitei projetos similares ou complementares ao da Gastromotiva no mundo inteiro e juntos, nós vamos criando a nossa própria comunidade. Afinal, o alimento nos conecta, ele está ligado ao afeto, à memória e ao desenvolvimento dos nossos 5 sentidos.

[trilha sonora]

Todo dia eu acordo e me pergunto o que eu vou descobrir e como eu posso transformar isso em algo bom para o mundo. Eu tenho um sonho de transformar a vida de 10 milhões de pessoas até 2030 e construir legados como o Refettorio Gastromotiva no Brasil e mundo afora. Hoje eu reconheço que a cura, a sabedoria do passado, a presença no agora e a intenção genuína no futuro, criam realidades.

Eu posso resumir que tudo o que eu faço é trabalhar para que as pessoas se sintam livres como eu me senti durante e após a minha jornada de autoconhecimento. Eu desejo que todo ser humano tenha poder de escolha, auto responsabilidade e coragem de dar um passo à frente. Esse passo à frente muitas vezes não é claro, não é seguro, mas é ele que nos leva a uma próxima descoberta na vida. Eu não tenho ideia de como serão os meus próximos anos, mas eu tenho certeza que vale a pena deixar pra trás os medos, os traumas e acreditar no que diz o coração. A minha missão é alimentar a humanidade com humanidade. 

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Miguel Schlesinger: Existe um conto sobre uma pessoa que queria mudar o mundo. Ela tentou transformar o planeta, mas não conseguiu. Resolveu mudar o seu país, não deu. Depois quis mudar a sua cidade, o seu bairro, o seu quarteirão, a sua família, até que ela resolveu mudar a si própria. Isso ela conseguiu fazer. Ao se transformar, acabou mudando o seu quarteirão, a sua cidade, o seu país e o mundo. Qualquer grande mudança externa começa sempre por um pequeno passo dentro de um indivíduo. Quando David Hertz se aceitou como era, e reconheceu seus valores e habilidades, ele se sentiu mais livre e pode, a partir daí, ajudar muito mais gente. 

Não foi fácil. O David teve que enfrentar a própria família para conquistar o direito de ser quem é. Mas ele conseguiu. E o seu trabalho também é o de fazer com que as pessoas descubram seu potencial, se empoderem e sejam livres para realizar seus sonhos. Você quer mudar o mundo? Comece por você. 

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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Para Inspirar

Aprender para viver bem

O que a humanidade alcançou em conjunto é extraordinário. O que nos traz à pergunta: dentro de um planeta com tantas espécies, como foi que nós, seres humanos, chegamos tão longe?

23 de Abril de 2018


A neurocientista brasileira, com trabalho reconhecido mundialmente, assumiu o palco para falar sobre o funcionamento do cérebro humano. Em uma palestra dinâmica, repleta de curiosidades e vídeos bacanas, Suzana usou a ciência para emocionar e nos fez terminar o dia com um sentimento bom sobre nosso papel como humanos na Terra e em nossas próprias vidas.

BIOLOGICAMENTE, O QUE NOS TORNA TÃO ESPECIAIS?


Nós, humanos, somos responsáveis pela criação de tantas e tantas coisas que até nos acostumamos com elas. Encaramos nossas conquistas aqui no planeta como se fossem parte natural dele. Raras vezes – ou nunca – paramos para ver que quase tudo que há ao nosso redor é resultado do trabalho da teimosa, criativa e inquieta espécie humana.

Paredes, fios elétricos, arquitetura, sistemas complexos, a própria linguagem. Basta olhar ao redor. O que a humanidade alcançou em conjunto é extraordinário. O que nos traz à pergunta: dentro de um planeta com tantas espécies, como foi que nós, seres humanos, chegamos tão longe? Se somos apenas primatas, mais um animal no mundo, como foi que, cientificamente falando, conquistamos essa capacidade?

Simplificar esse raciocínio é tentador. Queremos logo imaginar que foi só uma questão decidida pela evolução. Nós, humanos, somos o ápice da evolução no planeta e ponto. Mas, na realidade, a resposta é um pouco mais complexa – e maravilhosamente curiosa – que isso.


Por muito tempo, os cientistas imaginavam que nossa diferença em relação aos outros animais se devia a algumas capacidades que acreditávamos ser só nossas, como o conceito de grandezas numéricas, o reconhecimento de padrões abstratos, o uso de símbolos como linguagem, a utilização e criação de ferramentas, a empatia e a capacidade de mentir e ludibriar.

Só que quanto mais se começou a estudar todas essas propriedades, mais se descobriu que humanos não eram os únicos aqui na Terra a possuí-las. Algumas espécies de aves, outros primatas e até ratos também possuem algumas dessas habilidades que achávamos tão humanas.

Se não temos mais esta tal exclusividade, como foi então que chegamos aqui? Os últimos estudos sobre o assunto, que envolvem pesquisas mais aprofundadas sobre o cérebro, nos mostraram que não precisamos mais pensar em termos de exclusividade, mas sim começar a nos entender através do todo, ou da combinação de dois elementos: capacidade biológica e capacidade de aprendizado.

Nossa biologia, somada à nossa capacidade de aprender e transmitir conhecimento de maneira organizada foram os dois elementos que, combinados, nos ajudaram a chegar até aqui.

CAPACIDADE BIOLÓGICA E O QUE NOSSOS NEURÔNIOS TÊM A VER COM NOSSA COZINHA


Durante muitos anos, o consenso era de que espécies cujo cérebro tinham um tamanho parecido possuíam obrigatoriamente a mesma quantidade de neurônios entre si. Porém, fomos descobrindo que em espécies mais complexas, como os primatas, a evolução aconteceu de maneira tal que a quantidade de neurônios aumentou, enquanto o tamanho do cérebro se manteve o mesmo. Isso quer dizer que não era mais o tamanho do cérebro que ditava a evolução e sim sua capacidade.

Trocando em miúdos, o que biologicamente nos distingue de todos os outros animais é o número de neurônios que temos em nosso córtex cerebral – justamente a parte de cima do cérebro, que permite que a nossa vida seja muito mais que simplesmente detectar estímulos e responder a eles.

É ali que reside a capacidade do autoconhecimento, de olhar para nós mesmos, pensar no que queremos alcançar e no porquê queremos alcançar. Resolvido: nós, seres humanos, temos o maior número de neurônios dentre todas as espécies da natureza. Claro, isso ainda não responde a questão primordial: por que nós?

Algumas pesquisas com outros primatas nos ajudam a começar a esclarecer essa questão. O que se descobriu foi que durante os milhares de anos de evolução, os outros primatas não conseguiram alcançar um cérebro mais complexo simplesmente por uma questão física: eles chegaram ao limite do que um organismo consegue sustentar em termos de energia e metabolismo.

Resumindo bastante, manter bilhões de neurônios trabalhando gasta muita caloria! Só para dar um exemplo, para conseguir manter funcionando no máximo 53 bilhões de neurônios em um corpo franzino de 25 kg, um primata com um organismo construído para a alimentação com a qual ele se sustenta normalmente deveria passar 8 horas por dia comendo.

Para ter um corpo maior que 25 kg, esse primata teria que abrir mão de neurônios, ou então passar o dia comendo, o que tornaria a sobrevivência, digamos, um tanto quanto inviável. Ao que tudo indica, o que mudou nossa história evolutiva foi o desenvolvimento de um hábito aparentemente simples: começar a cozinhar os alimentos.

Afinal, cozinhar nada mais é que pré-digerir a comida, o que facilitou nossa apropriação de calorias ao longo dos milhares de anos – com isso, nos tornamos capazes de aproveitar mais calorias em menos tempo. Ou seja, não podemos menosprezar o papel da cozinha na definição da biologia da nossa espécie.

Esta mudança de paradigma nos levou à cultura da agricultura, à civilização com divisões de tarefas, ao mercado, à invenção da eletricidade... e aos dias de hoje, em que um simples lanchinho esquentado no micro-ondas pode garantir muito mais que as calorias de que precisamos para sobreviver. Mas isso é assunto para outra conversa.

CAPACIDADE DE APRENDIZADO E O PODER DE NUNCA DEIXAR DE ABSORVER COISAS NOVAS


Agora que entendemos um pouco mais sobre nosso cérebro, fica mais fácil entender que de fato a biologia nos tornou diferentes. Mas vai além disso. Nosso cérebro, biologicamente, é o mesmo há milhares de anos. Como foi que conseguimos evoluir da carne assada na fogueira para os grandes avanços tecnológicos que vivemos hoje?

Graças à nossa capacidade de organizar processos e sistematizar o conhecimento. De desenvolver nossas próprias capacidades e transformá-las em habilidades. E esse crescimento vem acontecendo de forma exponencial, já que mais tecnologia nos dá mais tempo disponível para pensar em mais tecnologias – e assim sucessivamente, como um ciclo.

Dessa maneira, conseguimos cada vez mais nos dedicar à nossa capacidade de aprendizado, investigando sistematicamente nosso mundo, aplicando as tecnologias que criamos e passando tudo isso adiante. Nosso cérebro é muito mais que um córtex avantajado repleto de neurônios: temos, sim, essa facilidade biológica, mas temos também o poder de esculpir os neurônios que recebemos.

Quando nascemos, chegamos ao mundo com um excesso de sinapses. Somos como um bloco de mármore apto para quase tudo, mas bom para quase nada. E é com o aprendizado que vamos esculpindo esse bloco. Com o tempo, nosso cérebro mantém as conexões e neurônios que funcionam e arranca fora as conexões que não interessam.

O aprendizado nada mais é que esse processo de conexões mantidas e conexões removidas. E é a maneira como esculpimos nossos “blocos de mármore” que faz de cada um de nós indivíduos únicos. Durante toda a vida aprendemos, num eterno sistema de tentativa e erro. E nosso cérebro tem um mecanismo feito para isso: quando uma tentativa dá certo, ele nos premia com a sensação de prazer.

A partir dela, o caminho que fizemos para acertar é fortalecido e se torna cada vez mais fácil chegar nele novamente, neurologicamente falando. O fascinante é que esse sistema não funciona só quando somos bebês pequeninos aprendendo como funciona a vida. Funciona a vida inteira, o tempo todo, para tudo o que aprendemos, das tarefas mais simples às equações mais complexas.

Para aprender, é preciso ter a oportunidade de aprender. Essas oportunidades podem ser recebidas dos outros (como de pais e amigos que nos incentivam, por exemplo) ou dadas a nós mesmos. Este último caminho acontece somente quando nos damos conta do que realmente queremos para nós e nos permitimos conhecer as alternativas que a vida oferece para que sigamos aprendendo.

Depois de adultos, nossa capacidade de aprender está em nossas mãos. E vai além do aprendizado das ciências exatas ou humanas, de banco de escola. Tudo pode nos ensinar. Uma experiência, seja ela boa ou ruim, é um imenso aprendizado. O que nós fazemos com ele é que nos vai ajudar a continuar evoluindo, como pessoas, como espécie. O que faz nossa vantagem sobre as outras espécies na Terra realmente valer a pena é o poder de sermos capazes de mudar nossa vida para melhor.

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