Para Inspirar
A espiritualidade, que pode ser fundamental no processo de superação de um trauma como o luto, pode oferecer diferentes caminhos para a cura. Contamos alguns aqui!
19 de Abril de 2024
No terceiro episódio da décima quinta temporada do Podcast Plenae, conhecemos a história das irmãs Luciana e Marcella Tranchesi. Mais do que um relato de fé, é também um relato de superação do luto e como um episódio como a perda de um ente querido acaba mudando todos os caminhos seguintes da vida de quem passa por essa situação.
Já abordamos por aqui as fases do luto e porque é importante vivê-las, além da importância também das relações ou como acolher uma viúva. Queremos agora falar desse mesmo tema, mas sob a ótica religiosa. Leia mais a seguir!
A palavra religião existe no dicionário da língua portuguesa aproximadamente desde o século XIII, mas sua origem ainda é cercada por dúvidas, como debatemos neste artigo. Há algumas hipóteses. A primeira delas - e provavelmente a mais aceita -, é a de que a palavra vem do latim religio, que significa “louvor e reverência aos deuses”, segundo o Dicionário Etimológico.
Ela é um conceito que define “um conjunto de crenças relacionadas com aquilo que a humanidade considera como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças”, ainda segundo o mesmo dicionário.
São muitas religiões existentes no mundo - das mais clássicas às mais diferentes, como as que te contamos aqui -, cada uma com os seus ensinamentos, mas todas unidas por um mesmo propósito: garantir que exista um sentido maior e ideal para o qual você pode lutar, algo como dar um sentido coletivo, como te contamos neste artigo.
Além disso, a fé traz conforto, uma muleta de apoio que pode ser muito importante em períodos difíceis do sujeito. O luto, como mencionamos no começo dessa matéria, pode ser um desses períodos. Mas elas têm abordagens variadas em relação a esse sofrimento para quem fica, influenciadas por suas crenças, tradições e ensinamentos específicos e que estão interligados ao que elas acreditam a respeito do pós-morte.
Conheça as perspectivas principais de algumas das principais religiões sobre o assunto:
Para os cristãos, a morte é a passagem para um lado de lá que envolve estar ou não ao lado de Deus - tudo vai depender das suas atitudes terrenas. O luto de quem fica, por sua vez, é visto como uma oportunidade para se conectar com Deus e encontrar consolo na fé.
A ressurreição de Jesus Cristo, seu messias, é central para a crença cristã, e muitos cristãos acreditam que aqueles que morrem em Cristo serão ressuscitados - ou seja, aqueles que morreram com fé e fora cristãos em vida, estarão sempre ao lado de Deus e, portanto, ao nosso lado também.
As Igrejas cristãs oferecem apoio espiritual e conforto através da oração, dos sacramentos e da comunidade durante o período de luto. Ainda, há a tradição da missa de sétimo dia, um mês e até anuais, onde o enlutado pode colocar o nome do seu ente querido que partiu e receber homenagens, honrarias e um sermão específico para esse momento.
Te contamos por aqui um pouco mais sobre o islamismo. No Islã, o luto é considerado uma parte natural da vida, e os muçulmanos - ou seja, praticantes da religião -, são incentivados a enfrentá-lo com paciência e submissão à vontade de Alá (Deus).
O Alcorão, que é o livro sagrado dos seguidores do islamismo, e os ensinamentos do Profeta Muhammad oferecem orientação sobre como lidar com o luto. É comum realizar orações pelos falecidos, visitar túmulos e oferecer apoio prático e emocional aos enlutados.
A visão do Islamismo sobre a morte, segundo esse artigo, é moldada por várias crenças fundamentais como akhirah, termo em árabe para a vida após a morte. Em resumo, eles acreditam que a vida neste mundo é temporária e que a verdadeira vida começa após a morte.
Sendo assim, os muçulmanos buscam viver sua vida de acordo com os ensinamentos do Islã de forma moral e piedosa, pois acreditam que haverá um Dia do Juízo em que todas as pessoas serão ressuscitadas e julgadas por suas ações. Isso inclui a prática das boas ações. Isso inclui a oração, a caridade (zakat), o jejum durante o Ramadã e a peregrinação a Meca (Hajj), entre outros atos de devoção.
Neste dia, ainda segundo eles, tanto as pessoas boas quanto as más serão pesadas, e Deus determinará seu destino eterno com base nisso, recompensando com o paraíso ou com a punição no inferno. Uma parte importante da visão islâmica sobre a morte é a aceitação da vontade de Deus. Para eles, esse dia é predeterminado por Alá e ninguém pode escapar do seu destino.
Isso traz um senso de aceitação maior como sendo algo que parte do plano divino. Seus rituais específicos para lidar com a morte e o sepultamento incluem lavagem do corpo por membros da comunidade muçulmana antes do enterro para purificá-lo; orações fúnebres realizadas na mesquita ou em um local designado; sepultamento o mais rápido possível após a morte, de preferência no mesmo dia; e túmulo é simples, sem adornos extravagantes, refletindo a ênfase do Islã na humildade.
Te contamos por aqui um pouco mais sobre a diferença entre o Candomblé e a Umbanda, principais religiões de matriz africana. Mas em questão de luto, não há um consenso único sobre como seguir e ele é vivenciado de maneira individual e profundamente ligada às suas tradições e crenças específicas.
No Candomblé, por exemplo, o luto pode envolver rituais específicos realizados pelos sacerdotes e membros da comunidade religiosa e pode incluir cantos, danças, oferendas e cerimônias destinadas a honrar o espírito do falecido e a auxiliá-lo em sua transição para o mundo espiritual. A comunidade também oferece um papel fundamental e muitas vezes se reúne para oferecer apoio emocional e espiritual à família enlutada.
Na Umbanda e em outras religiões afro-brasileiras, o luto também pode ser acompanhado de rituais e práticas específicas, como missas ou trabalhos espirituais realizados nos terreiros, buscando proporcionar conforto aos vivos e também aos espíritos dos falecidos.
Nessas religiões, o luto é visto como parte natural da vida e da jornada espiritual, e as práticas associadas a ele são destinadas a honrar os mortos, fortalecer os laços comunitários e oferecer consolo àqueles que estão sofrendo a perda.
O Judaísmo, assim como outros dogmas, possui rituais e práticas específicas para o luto. A fé judaica ensina que a alma da pessoa falecida continua a existir após a morte e que o luto é uma maneira de honrar sua memória. Nas horas entre morte e enterro, conhecido como aninut, o enlutado por estar mais desolado pode ser isentado até mesmo de ter que ir em exigências religiosas. Depois, nos primeiros três dias de luto, a pessoa deve refletir sobre o que pode melhorar no seu comportamento.
As pessoas ainda não podem saudar ou serem saudadas por um enlutado, como explica esse artigo. Se por engano o cumprimentam, ele deve responder: "Não posso responder ao cumprimento, pois estou de luto." As "proibições de trabalho" durante estes dias aplicam-se mesmo se os enlutados forem passíveis de sofrer perda financeira e até responsabilidades religiosas podem ser canceladas também.
Durante este tempo, o enlutado fica dentro de casa, expressando sua dor ao usar uma roupa rasgada, sentando-se num banco baixo, usando chinelos, abstendo-se de barbear e arrumar-se, e recitando o Cadish (prece dos enlutados), como continua a explicação do Chabad.
E enfim chega o período de shivá, que dura sete dias após o funeral e inclui os três dias mencionados anteriormente. Nesse estágio, as visitas de apoio da comunidade são mais encorajadas e ele passa a falar mais sobre sua perda e aceitar consolo dos amigos e parentes.
Para os judeus, é uma obrigação mostrar compaixão por meio da visita de condolências. Isso é uma mitsvá, ou seja, uma ordem bíblica. O objetivo fundamental dessa visita durante a shivá é aliviar o enlutado do fardo intolerável da intensa solidão e começar a incluí-lo novamente na sociedade.
Por fim, passado o shivá, é chegado o sheloshim - um período de trinta dias mais intensos que abarcam o shivá. Barbear-se e cortar o cabelo geralmente é proibido, assim como cortar as unhas e lavar o corpo todo (é feita apenas uma limpeza necessária). Ainda não passou-se tempo suficiente para retomar suas obrigações sociais, mas a pessoa começa lentamente a voltar.
O período de um ano - os 12 meses que se passaram desde a morte desse ente - é de retomada total da vida, com exceção das festividades coletivas ou pessoais, cuja ausência é uma forma de respeito do enlutado. No encerramento deste último estágio, espera-se que a pessoa continue seu luto apenas em breves momentos, como quando yizkor (prece especial recitada em memória aos entes falecidos) ou yahrtzeit (aniversário de morte do ente falecido) estão sendo cumpridos.
Apesar de não se tratar de uma religião formal, e mais uma filosofia, como te explicamos aqui, o Budismo também tem seus ensinamentos para somar. Para eles, o luto é visto como uma oportunidade para refletir sobre a natureza impermanente da vida e praticar a compaixão e a aceitação.
Os budistas acreditam ainda na reencarnação - como os espíritas -, e a morte é portanto vista como parte de um ciclo contínuo e complexo de renascimento. As práticas budistas de luto podem incluir meditação, recitação de sutras e cerimônias de memória para o falecido.
Para os espíritas, a morte é uma passagem para a verdadeira vida do espírito, como explica o Instituto Chico Xavier, instituição que leva o nome do principal líder dessa religião. “Enquanto encarnados mesmo que não tenhamos noção disso, ao dormir nosso espírito fica livre e vai de encontro ao que nos unimos durante o dia em pensamento, seja bom ou mal, a sintonia é o que define se vamos para aprender, reencontrar quem amamos ou para saciar os vícios ou ser perturbados por quem nos conectamos ou atraímos em vidas passadas”, explicam.
Por conta dessa crença de que há toda uma outra vida após a morte e na comunicação entre os vivos e os espíritos desencarnados, existem diferentes vertentes e práticas dentro do espiritismo, incluindo a mediunidade, que é a capacidade de estabelecer essa comunicação com quem ficou por aqui e quem se foi. As cartas psicografadas, por exemplo, podem trazer conforto para quem está enlutado.
Durante o período de luto, muitos praticantes do espiritismo recorrem à fé, à oração e à busca por consolo espiritual para lidar com a perda de entes queridos. Eles costumam se apegar também ao fato de que esse espírito ainda vive, só não está mais preso ao seu corpo físico.
Além disso, as reuniões mediúnicas podem desempenhar um papel importante no processo de luto para alguns espíritas, proporcionando a oportunidade de se comunicar com os espíritos dos falecidos e receber mensagens de conforto e orientação. A depender do centro espírita que você visitar, haverão práticas e abordagens diferentes, também com base no nível de sofrimento daquele que procura ajuda. Até mesmo “cirurgias espirituais” podem ser oferecidas.
No Hinduísmo, o luto é visto como parte do ciclo de morte e renascimento, o chamado samsara. Os hindus também acreditam na reencarnação, e ainda que a alma dessa pessoa que se foi continua sua jornada após a morte. As práticas de luto hindus podem incluir rituais como a cremação, cerimônias de memória e oferendas aos antepassados.
Independente da religião, perceba como cada uma à sua maneira pretende consolar o enlutado e oferecer conforto. Isso porque, por melhor que seja a interpretação dessa passagem, trata-se de um período intenso e complexo para todos nós. A morte pode não ser um adeus eterno a depender da sua crença, mas é sempre ao menos um até logo que deixa saudades para quem fica. Apegue-se à sua espiritualidade nesse momento difícil: ela irá te ajudar!
Para Inspirar
Inspire-se com o episódio de Relações da décima oitava temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir!
1 de Dezembro de 2024
Leia a transcrição completa do episódio abaixo:
Geninho: As pessoas falam que eu tive coragem
pra adotar 5 filhos. Eu respondo que coragem eu teria que ter pra pular de
paraquedas. Eu não tenho coragem, eu tenho é amor.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Geninho e
Eduardo adotaram a Maria Helena quando ela tinha 8 anos. Depois de seis anos,
descobriram que ela tinha quatro irmãos que também estavam para adoção e não
tiveram dúvidas de que a família iria crescer. De um dia pro outro, eram 5
filhos de idades muito diferentes. Os desafios aumentaram, assim como o amor
também. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.
[trilha sonora]
Geninho: Eu não planejei ser pai. Como poderia
ter um filho se eu sou gay e não me relaciono com mulher? Então, a ideia da
paternidade simplesmente nem passava pela minha cabeça. Mas esse desejo surgiu
num dia específico. O ano era 2014 e eu e o Duda já éramos casados.
Eduardo: Era um dia de sol e a gente desceu pra
dar um mergulho na piscina do prédio. Teve um momento em que a gente encostou
na beirada da piscina e ficou olhando umas crianças brincando na água. A gente
não falou nada, só ficou vendo aquela cena. Um tempinho depois a gente subiu
pro apartamento, tomou banho, sentou no sofá e ligou a TV. Estava passando um
programa chamado “Histórias de Adoção”. Aí, quando um olhou pro outro, os dois estavam
chorando. O Geninho virou pra mim e perguntou: “Você tem certeza disso?”. A
gente não tinha falado nada sobre filho, adoção, nada. Eu falei: “Tenho”.
[trilha sonora]
Geninho: Não foi uma decisão muito racional,
porque, se eu parasse pra pensar em todos os desafios envolvidos, não ia querer
adotar uma criança. Foi uma coisa que veio da alma. Eu faço terapia e na psicanálise a gente fala muito
sobre o desejo. A gente só sabe que um desejo existe quando ele se efetiva. O
desejo existia, porque se não existisse a gente não seria pai. Mas eu não tinha
consciência dele.
Na análise, eu entendi que eu cresci com a síndrome da
família da margarina, achando que família era formada por pai, mãe e filhos.
Como meus pais eram separados, a minha sensação era de que eu vinha de uma
estrutura meio capenga. E a ideia de ter crianças em casa me trazia uma
sensação de plenitude.
Eduardo: Um dia depois que a gente viu o
programa de TV, foi no fórum da cidade atrás de informações. Santa Catarina é
um estado que tem uma fama de ser preconceituoso, mas a verdade é que a gente
não sentiu nenhum tipo de preconceito ou constrangimento. Nem perante o juiz,
perante o promotor ou perante a assistente social. O tratamento sempre foi
muito respeitoso.
Dois anos antes, o STF tinha reconhecido a união estável
entre homossexuais. E vários casais homoafetivos começaram a fazer pedidos de
adoção. Quando a gente entrou na fila, decidiu que queria duas
crianças de no máximo 7 anos de idade. Foi um processo demorado, que durou dois
anos e meio, até que um dia num encontro de adoção que a gente participou uma
assistente social falou assim: “Ah, que pena, porque lá onde eu moro tem uma
menina, mas ela está com 8 anos”. Aí ela mostrou a foto da Maria Helena. Na
mesma hora a gente começou a chorar. Sentimos que aquela era a nossa filha.
[trilha sonora]
Geninho: A gente se candidatou pra adotar a
Maria, mas essa assistente social ligou pra gente dias depois e explicou que já
tinham dois casais na nossa frente. Um mês se passou e a gente soube que uma
das famílias tinha desistido da adoção. O outro casal até fez uma aproximação,
mas devolveu a Maria.
Era a nossa vez. A gente foi no abrigo que ela morava
fazia 3 anos. Tinham 18 crianças. Todas se jogavam no nosso colo, perguntando
se a gente ia ser o pai delas. Mas a Maria não chegava nem perto. Ela estava
traumatizada da experiência anterior. Nós voltamos nesse abrigo seis vezes.
Toda vez que a gente convidava a Maria pra passear, ela recusava. Eu falei pra
assistente social: “Acho que é bom a gente desistir, porque ela não gosta da
gente”. Daí ela falou: “Geninho, ela não gosta de ninguém”.
[trilha sonora]
Eduardo: Com muita insistência, quase um mês depois
a gente finalmente conseguiu levar a Maria pra passar um fim de semana num
hotel. A minha cunhada foi junto e também os nossos cachorros pra descontrair o
clima. Seis semanas depois, no dia 14 de novembro de 2006, a gente foi buscar a
Maria pra passar o período de adaptação com a gente em casa. Dezesseis dias
depois, voltamos e o juiz perguntou se ela aceitava a gente como pais e ela
disse sim.
Com mais ou menos um mês, ela já chamava a gente de pai.
Ela tinha um desejo grande de ter uma família. Mas, ao mesmo tempo, ela ficava
testando o nosso amor. No primeiro aniversário da Maria, que foi em dezembro,
ela não deixou nem a gente dar um abraço. Teve um dia que ela subiu na nossa cama, teve um ataque de raiva e jogou tudo no chão. No começo, ela gritava dentro de
casa: “Socorro, eu sou uma prisioneira!”.
[trilha sonora]
Geninho: Quem adota tem que abrir mão da expectativa de que o filho vai chegar e
falar ou demonstrar que ama. Isso é raro. Toda adoção tem uma história de
violência, abandono por trás. E quando você adota uma criança com mais idade,
ela vai testar o seu amor. Ela vai fazer de tudo pra você mostrar que não
aguenta mais. A gente oferece o melhor, mas a criança oferece o que ela tem de
pior, porque assim ela vai ter certeza de que você gosta dela ou não.
Hoje, eu não julgo quem devolve uma criança na fase de
adaptação, porque nem todo mundo tem estrutura emocional pra lidar com estes
testes. Você vai se sentir desprezado, abandonado e rejeitado, vai mexer com a
sua história. Durante anos, a Maria ficava perguntando: “Vocês vão me
devolver?”. Isso era constante. Não faz muito tempo que ela chegou em casa com
um cachorrinho que ela pegou na rua. Eu não deixei o cachorro ficar, dei uma
bronca nela e depois ela falou assim: “Pai, me desculpa, é uma coisa que eu não
consigo controlar. Eu vivo querendo te testar pra saber o quanto você me ama”. A
gente aprende que limite também é uma forma de amor.
[trilha sonora]
Eduardo: Durante 6 anos, nós fomos uma família de 3 pessoas. Nesse
processo, eu e o Geninho também fomos amadurecendo. Eu acho que o nosso maior
trunfo é ser um casal unido. A Maria tentava jogar um contra o outro para ter
um aliado, mas a gente conversava, não na frente dela, e ninguém tomava nenhuma
decisão sem o aval do outro. A gente ficou ainda mais conectado do que antes
Até que, em 2022, o Geninho recebeu uma ligação de uma
assistente social. Eu não estava com nenhuma expectativa, porque às vezes eles
ligavam pra gente dar uma entrevista ou pra falar com uma família que queria
adotar também. Só que dessa vez o assunto era os irmãos da Maria.
Geninho: A Maria sabia da existência de uma irmã, com quem ela conviveu até os 3
anos de idade. E sabia de um irmão que ela não conhecia. Ela chorava de soluçar
querendo esses irmãos. No início a gente até tentou adotar as crianças, porque
elas também foram pra um abrigo. Mas nós ficamos sabendo que elas foram
devolvidas pra família de origem. E se uma família se regenerou e tem condições
de ficar com filho, esse é o melhor lugar da criança.
Mas a assistente social contou que a Maria não tinha dois
irmãos, e sim quatro, sendo um bebê. E daí ela falou assim: “Os três mais
velhos já estão destituídos, então a gente queria saber se vocês conhecem
alguém no grupo de adoção aí na cidade de vocês que possa adotar os dois
meninos e a menina separadamente, pra eles ficarem perto da Maria”. Um olhou pro
outro e, de novo, a gente não teve dúvida: “Nós sabemos. Somos nós”. Ela
perguntou: “Vocês vão adotar os três?”. Eu respondi: “Os quatro”.
[trilha sonora]
Enquanto a assistente social foi falando, já passava um
monte de coisas na minha cabeça. Tipo assim: imagina a Maria daqui a alguns
anos descobrir que os irmãos foram pra adoção, que a gente sabia e não fez
nada? Por tudo que a gente já passou com a Maria, se esses são os irmãos dela e
ela é nossa filha, eles são nossos filhos também.
Eduardo: Eu pensava que não tinha como dizer não para uma situação dessas. Eu
sou muito empático, então eu não ia conseguir ter paz de espírito pensando
nessas crianças. A bebê no outro dia já teria uma família. Os dois meninos eram
mais novos, então também iam achar um lar. Mas a Ellen estava com 9 anos.
Talvez ela ficasse no abrigo. Como é que a gente ia separar esses irmãos.
Geninho: Em nenhum momento, eu pensei: “O que nós vamos fazer?”. A gente só
decidiu. Uns dias depois dessa conversa com a assistente social, foi Dia dos
Pais e eu visitei meu pai, que tem 88 anos. Quando eu compartilhei a novidade,
ele começou a chorar e falou: “Meu filho, faça isso. Seja o pai que eu não
fui”. A gente só contou pra Maria na véspera do encontro com os irmãos.
Eduardo: A Rayane estava com 1 ano, o Allysson com 4, o Wellington com 7, a
Ellen com 9 e a Maria com 13. O nosso primeiro encontro foi com os três mais
velhos, porque a bebê ainda não tinha sido destituída da família. Foi um
momento emocionante. A Maria se lembrava de ter carregado a Ellen no colo, mas
ela ainda não conhecia o Wellington e nem sabia da existência do Allysson.
Nesse mesmo dia, a Ellen perguntou pra gente: “Quando é que a gente pode chamar
vocês de pai?”. Eu falei: “Olha, nós somos os pais da Maria. Se você é irmã
dela, nós somos seus pais também”. Os três estavam sedentos por uma família,
sedentos por amor e proteção. Eles não queriam mais aquela vida de abrigo. A gente viajou dois finais de semana seguidos para
encontrar os três. No fim de cada encontro, a gente saía destruído de deixar
eles pra trás. Na terceira viagem, eles vieram embora com a gente em
definitivo.
[trilha sonora]
Geninho: Até então, eles não sabiam que tinham mais uma irmãzinha. A Rayane
chegou no mesmo abrigo que eles moravam com 20 dias de vida, só que o pessoal
não contou pras crianças, porque eles achavam que cada irmão ia pra um lado,
então eles não queriam causar mais sofrimento. Nós entramos com um processo pra
adotar a Rayane e então foi possível conseguiu reunir os cinco.
Eduardo: A adaptação deles foi muito mais fácil do que a da Maria. Sem saber, a
Maria foi uma professora. Ela já tinha testado a gente de todas as maneiras
possíveis. Então, a gente já sabia como lidar quando uma criança fazia prova de
amor. O mais difícil era e ainda é atender demandas de tantas idades diferentes.
Até hoje são desafios da fralda ao absorvente. Fora a logística da agenda de
cinco crianças com várias atividades durante o dia. A nossa vida virou uma
correria.
[trilha sonora]
Geninho: No começo, a gente compartilhava o dia a dia nas nossas redes sociais
fechadas, pros amigos. Só que as pessoas começaram a perguntar um monte de
coisa. “Como é a sua rotina?”, “como que é adoção?”. Até que eu pensei: “A
gente tem uma história que pode inspirar muita gente. Tem muita criança em
abrigo e muitas crianças órfãs de pais presentes e ao mesmo tempo muito, muito
adulto com medo de ser feliz”. Do mesmo jeito que um programa de TV nos
inspirou, a gente poderia inspirar outras pessoas com a nossa história.
Eduardo: A gente queria passar uma mensagem inspiracional, mas ao mesmo tempo
sem romantizar a experiência. E aí veio a ideia do nome pro perfil: “Paiciência
na prática”. No primeiro mês já foi um boom, só de crescimento orgânico. A
gente mostra a vida como ela é. É claro que a gente não vai expor as crianças
brigando ou chorando, mas a gente fala sobre os conflitos que a gente vive e a
maneira como lida com eles.
Geninho: Virou um serviço de utilidade pública. Busquei conhecimento, me
formei como educador parental, estou fazendo uma pós em educação para entender
cada vez mais esse universo. Tem gente que fala assim: “Vocês são meus
terapeutas”. Nem todo mundo tem dinheiro pra pagar um psicólogo. Uma mãe
escreveu pra gente pedindo ajuda pra aceitar a filha que é homossexual. Daí a
gente falou assim: “Tudo que a sua filha precisa é do seu amor, é da sua
aceitação”. Depois ela mandou mensagem agradecendo a nossa resposta.
[trilha sonora]
O que mais me motiva é inspirar as pessoas a construírem
suas famílias, independentemente de qual seja o formato. Pode até ser uma
pessoa com seu pet. O importante é que tenha respeito e amor. Um dos maiores
desejos de todo ser humano é o de pertencimento. O meu grande aprendizado com a paternidade é de que o
filho vai ser o que ele veio pra ser.
Os pais criam expectativas e projetam
suas ideias sobre os filhos, os biológicos e os não biológicos. Hoje, eu estou em
processo de aceitar que cada um vai fazer as suas escolhas. E por qualquer
caminho que eles sigam, eu vou dar o meu amor. O que me deixa tranquilo é saber
que eu estou entregando o meu máximo.
Se a gente conseguir mostrar pras pessoas
que elas podem evoluir fazendo com os filhos melhor do que fizeram com elas, a
gente já tá no caminho certo. E eu posso te dizer que o amor cura, mas não o amor que
você espera receber do outro, desse você não tem nem controle, o que cura, é o
amor que você consegue oferecer ao outro. E ser pai é esta grande, grande
possibilidade de cura.
[trilha sonora]
Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos
em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.
[trilha sonora]
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