Para Inspirar

Claude e Batista em "Parceria de longa data"

O quinto episódio da décima terceira temporada do Podcast Plenae é com Claude e Batista, representando o pilar Relações!

15 de Outubro de 2023



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:


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Batista: Quando a gente começou, lá nos anos 80, era só nós dois na cozinha.

Claude: O Batista foi o meu primeiro funcionário no restaurante. Ele chegou lavando prato, virou chef e, principalmente, virou meu amigo. A nossa relação é, tipo assim, um casamento. A gente se conhece só pelo olhar.


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Geyze Diniz: Ambos tiveram seus primeiros contatos com a culinária através da vivência com suas avós, um em Roanne na França e outro em Gurinhém na Paraíba. E por coincidência do destino, se encontraram no Rio de Janeiro. Há mais de 40 anos Claude e Batista constroem uma relação de amizade e parceria. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.


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Claude: Eu cresci numa casa com doze pessoas em Roanne, uma cidade a 90 quilômetros de Lyon, o coração da gastronomia francesa. A gente morava praticamente dentro do restaurante da família, que ficava na parte de baixo da casa.

O Troisgros, que foi inaugurado pelos meus avós paternos, existe até hoje e é um lugar super famoso. Os meus pais, Pierre e Olympe, trabalhavam o dia inteiro no restaurante. Então, eu passava o dia com a minha avó materna, a italiana Anna Forte, que eu chamava carinhosamente de Mémé. Como boa “nonna” italiana, a comida dela era maravilhosa.

Eu me lembro de ficar em cima de uma cadeira, encostada na mesa da cozinha, enrolando basicamente todos os domingos aquelas tirinhas do nhoque. A casa da minha avó tinha perfume de molho de tomate em qualquer lugar.

Batista: A minha infância foi em Gurinhém, uma cidade de 14 mil habitantes no interior da Paraíba. Eu passava muito tempo com a minha avó, Corina, enquanto minha mãe trabalhava como professora.

A minha avó tinha um restaurante de beira de estrada que servia comida para caminhoneiros. Ela servia comida brasileira, tipo arroz, rabada e macaxeira na manteiga. Eu comecei a ajudar ela na cozinha com 8 anos.

Eu descascava cebola, pimentão e picava coentro. Em troca, ela me dava um dinheirinho pra mim comprar um sorvete, um geladinho. E também para ir no parque de diversão.

 

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Batista: Quando eu tinha 6 anos, eu assinei um “contrato”, obviamente de brincadeira, que dizia que eu ia trabalhar com um amigo da família quando eu crescesse. Esse amigo era o Paul Bocuse, um dos chefs mais famosos do mundo naquela época.

A brincadeira se tornou realidade aos 17 anos de idade. Eu comecei descascando batatas, como muitos iniciantes, e fiquei na cozinha do Paul Bocuse por dois anos. Depois, eu estagiei em vários lugares da Europa e voltei para o  restaurante da família em Roanne.

Um belo dia meu pai entrou na cozinha e disse que o Gaston Lenôtre, um amigo e chef muito famoso naquele momento, tava procurando alguém pra trabalhar no restaurante que ele ia abrir no Rio de Janeiro. O meu pai perguntou: “Alguém quer ir?” Eu respondi, olha, na hora: “Eu!”

 

Batista: Quando eu tinha uns 9 anos, meu avô começou a me chamar pra ajudar ele na roça. Ele me pegava em casa umas 4h30 da madrugada e eu trabalhava até meio-dia. Depois eu ia pra escola.


Na adolescência, eu passei a estudar à noite e eu ficava o dia inteiro com meu avô. Eu ajudava ele a cuidar de cavalo e de boi. Ajudava ele na plantação de algodão, milho e cana. Os meus tios tinham ido embora, então era só nós dois na roça.

 

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Claude: Eu cheguei no Rio em 1979, com 23 anos de idade.

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Eu não falava nada de português, mas o Brasil era como um sonho tropical, sinônimo para mim de sol, Pelé, futebol, mulher bonita, caipirinha e praia. A primeira coisa que eu me lembro ao sair do avião foi o cheiro. Era um aroma de calor úmido, maresia, uma coisa muito diferente para um francês do interior.


O restaurante do Gaston Lenôtre chamava Le Pré Catelan e fez um sucesso imenso. Quando o meu contrato de dois anos acabou, eu tinha planos de voltar para França. Só que a vida tinha outros planos pra mim. Decidi ficar no Brasil, pensando em novos desafios.

 

Peguei o telefone e liguei para meu pai, falei: "Pai, eu decidi ficar no Brasil. Ele respondeu: "Ah é, meu filho, então se vira". Ele não apoiou minha decisão então eu tive que me virar e decidi abrir o meu primeiro restaurante. Eu vendi os bens que tinha naquele momento, que eram poucos. Aluguei um espaço de 30 metros quadrados no Leblon, coloquei seis mesas e 18 banquinhos. O restaurante recebeu o nome da minha cidade: Roanne.

 

Batista:  Quando eu tinha 17 anos, eu viajei proo Rio de Janeiro com a minha vó, pra passar duas semanas. A gente ficou hospedado na casa do meu tio, na favela da Rocinha.

Ele trabalhava como porteiro num prédio no Leblon e soube que um restaurante novo tava precisando de alguém pra lavar pratos. Este restaurante era o Roanne, que era do Claude.

Fui contratado pelo Claude. Um ano depois, a gente se mudou pra um restaurante maior, lá no Jardim Botânico, que se chamava Claude Troisgros e depois passou a chamar Olympe.

 

Claude: Duas vezes por semana, o Batista ia comigo comprar peixe no mercado de Niterói. Depois do serviço, todo mundo ia pra casa bem de madrugada. Mas eu e o Batista ficava lá no restaurante, porque tinha de estar lá em Niterói pelas 5 da manhã. A gente compara o peixe, tomava um café, comia um sorvete, voltava e sempre na subida da ponte ponte Rio-Niterói a minha "fiorina" velha, que o Batista chamava de carro dos Flintstones, quebrava. Eu falava: "Batista, sai do carro! Empurra aí!". E o Batista empurrava suando, e eu tentando ligar aquele carro. A gente chegava no restaurante lá 8, 8 e meia da manhã. Deixava o peixe e naquele momento a gente tinha um tempinho para ir para casa e dormir um pouco, porque às 4 e meia da tarde a gente tava lá de novo no restaurante, pra começar o turno da noite. Nossa amizade começou assim, no trabalho duro.

 

Batista: Aos poucos, virei aprendiz do Claude. Comecei preparando as entradas. Depois, passei pros legumes, pros peixes e as carnes, pra confeitaria e pros molhos.

Conviver dentro da cozinha de um restaurante não é fácil. É muito prato pra servir e muita gente pra agradar. Não pode atrasar e nem errar.

Só que, quando o serviço acaba, todo mundo relaxa e se ajuda. Depois que a gente fechava o restaurante, lá pelas 2 da manhã, eu levava o Claude e o resto do pessoal pra dançar forró. Fui que ensinei ele a dar os primeiros passos. Hoje até que ele dança bem.

 

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Claude: O Batista virou meu intérprete. O restaurante tinha muita rotatividade e a maioria dos funcionários era de origem nordestina. Eles diziam que não entendiam absolutamente nada do que eu falava, porque naquela época eu tinha muito sotaque, não é?. Hoje eu quase não tenho, não é?

Eles perguntavam o que eu tinha falado e o Batista, malandro, às vezes inventava.

O Batista sempre me acompanhou nos eventos que faço por todo o Brasil. Um dos primeiros foi um casamento em Vitória, no Espírito Santo. Quando a gente chegou na cidade, de manhã, foi direto pra casa do cliente. A gente só foi pro hotel lá pelas 2 da madrugada, depois do evento. Quando abri a porta do quarto... surpresa! Só tinha uma cama de solteiro e nenhuma outra vaga no hotel. Tava um frio de cão e não tinha como um de nós dormir no chão, impossível. O jeito foi dividir a cama com Batista: um, obviamente, com os pés para um lado e o outro, claro, na posição contrária. Foi a nossa primeira noite juntos.

Batista: Eu me casei, tive três filhos e me separei. E fui morar num apartamento em Botafogo. Mas aquele bairro não é pra mim. Eu gosto mesmo é da Rocinha, aonde eu moro até hoje com a minha atual mulher e meu filho Bernardo de 5 anos.

A Rocinha parece uma cidade à parte do Rio de Janeiro. Tem tudo e todo mundo me conhece. Eu gosto de chegar do trabalho, bater um papo e tomar uma cervejinha com os meus amigos.

 

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Claude: Eu tinha total confiança no Batista e por isso deixei o Olympe nas mãos dele quando tive uma proposta de abri um restaurante em Nova York chamado CT, a minhas iniciais: CT.

Nos Estados Unidos, eu conheci o canal de TV Food Network, que só passava gastronomia. Quando eu voltei ao Brasil, fiquei pensando por que não tinha mais programas de culinária por aqui. O que existia na época era o programa da Ofélia, da Palmirinha, Ana Maria Braga e o Olivier Anquier tava começando.

Um dia, a Marluce Dias da Silva, que era superintendente executiva da Globo, foi comemorar o aniversário de casamento no Olympe. Eu, na maior cara de pau, eu perguntei pra ela por que não tinha gastronomia na televisão brasileira. Ela olhou para mim sem rodeios e disse: “Porque? Você quer tentar?” Eu respondi assim na hora: “Quero, sim!” e ganhei um quadro num programa que já existia na GNT. Foi um sucesso, tá? Não sei se pelo meu sotaque ou por outras razões.

Um tempo depois, eu ganhei um novo programa com Renato Machado, o Menu Confiança. Foi aí que o Brasil conheceu o Batista.

 

Batista: Eu que preparava os ingredientes pras receitas e arrumava as bancadas nos dias de gravação. Mas eu sempre esquecia de alguma coisa. O Claude tava gravando e, na hora de pegar a cebola, aí não tava lá. Aí ele gritava: “BATIIIIIIISTAAAAAA!!! Cadê a cebola?!” Aí a gravação parava ou a edição cortava depois.

Claude: Só que, numa temporada do Menu Confiança, o diretor decidiu deixar a cena. E o resultado foi que a audiência subiu. A cena em que o Batista entrava meio atrapalhado virou uma marca registrada do programa. Ele começou a aparecer mais e mais. Acabou que ele virou apresentador junto comigo. Mais tarde vieram os reality shows The Taste Brasil e Mestre do Sabor.

Batista: Por causa da televisão, eu viajei pra fora do Brasil pela primeira vez. A gente passou 10 dias em Nova York pra gravar e eu fiquei impressionado com a beleza da cidade. Na Times Square, tinha uns telões lindos, passando várias coisas. Uma hora, mostraram eu e o Claude. Era uma ação de publicidade. Quando eu vi, eu chorei muito. Veio toda a lembrança das minhas origens.

Outra temporada especial pra mim foi quando nós gravamos um especial de Natal com a minha família, na Paraíba. Eu levei o Claude pro forró e almoçamos na casa dos meus parentes. Foi uma festa.

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Claude: Já são 41 anos de convívio. Hoje, somos irmãos, temos muitas histórias para contar, porque a gente passou por muita coisa junto. É isso que constrói uma história, é isso que constrói a confiança e uma amizade, assim, sólida como a nossa. O Batista é, acima de tudo, o meu grande amigo, meu grande parceiro. Como ele diz, “nosso sangue bateu, hein chef?” desde o início. E isso não tem preço, mas tem um valor incalculável.

 

Batista: Quando eu cheguei no Rio, aos 17 anos, eu não imaginava que eu seria chef de cozinha, muito menos apresentador de TV. Hoje em dia, as pessoas me reconhecem na rua, pedem selfie e autógrafos.

O Claude mudou a minha vida em muitos sentidos. Eu ganhei uma profissão, um trabalho na TV e um sócio pro meu primeiro restaurante, que se chama Do Batista. Acima de tudo, eu ganhei um amigo.

 

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Geyze Diniz: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

 

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Para Inspirar

Henri Zylberstajn em "As boas surpresas do acaso"

O episódio de estréia da nossa primeira temporada do Podcast Plenae, "Histórias para Refletir", está no ar!

21 de Junho de 2020


Leia a transcrição completa do episódio abaixo: 

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Introdução: Bem-vindo ao Podcast Plenae, um lugar onde você encontra histórias reais para refletir. Ouça e reconecte-se. 

 

No episódio de hoje, o engenheiro e fundador da ONG Serendipidade, Henri Zylberstajn conta como a sua vida deu uma guinada a partir do nascimento do Pepo. Mais do que um filho, Henri ganhou um propósito, o pilar que ele representa neste podcast. No final do relato, você ouvirá reflexões do monge Satyanatha, nosso convidado especial dessa temporada, para ajudar você a se conectar com o seu momento presente. Aproveite este momento, observe seus sentidos e abra-se para uma nova visão sobre o mundo e sobre você mesmo.

 

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Henri Zylberstajn: A Marina e eu temos um ritual desde que a gente começou a namorar, em 2007. Entre o Natal e o Ano Novo, em um jantar a dois, a gente escreve bilhetes com os nossos desejos pro ano que vai chegar. Em voz alta, a gente lê também o que a gente pediu no ano anterior. Na virada de 2017 para 2018, os dois pediram pela saúde do bebê que ia nascer. A gente já tinha a Nina, de 5 anos, e o Lipe, de 2, quando ficamos grávidos do Pedro, o Pepo. Eu sempre quis ter três filhos. A Marina também. O que não escrevemos naquele fim de ano, e a gente nem poderíamos imaginar, era o presente que estava por vir.

 

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A gravidez do Pepo, como as outras duas, foi normal, sem nenhum tipo de intercorrência. A gente fez todos os acompanhamentos com a mesma médica, no mesmo consultório. Fizemos todos os exames possíveis e imagináveis que nos foram apresentados e nenhum deles apontou nenhum risco de anormalidade. Éramos pais jovens, saudáveis, que não consumiam drogas e nem bebidas alcoólicas, ou seja, todo um cenário pra que tudo caminhasse dentro do que são as situações mais típicas. 

 

Quando a Marina tava de 36 semanas, a gente começou a ter um acompanhamento um pouquinho mais de perto, porque ela passou a ter contração. A médica falou: “O fluxo do cordão umbilical de oxigênio não é que tá ruim, mas ele não tá como eu gostaria.” Dois dias depois, a mesma médica disse: “Já tem um pouquinho de dilatação, vamos induzir pro Pedro nascer de parto normal, se ele quiser”.

 

Esse foi o único dia da gestação que a Marina teve um feeling ruim. Eu lembro que, quando a gente saiu da médica e entrou no carro, a Marina desabou, começou a chorar. E eu falei: “Fica tranquila, tá tudo bem”. Mas, por maior a confiança que a gente tivesse na obstetra, essa história de que o fluxo de oxigênio não tá bom, vamos adiantar o parto, tudo isso trouxe dúvidas: será que tá tudo bem com ele mesmo?

 

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Era meio de carnaval, 5 horas da tarde de uma segunda-feira, dia 12 de fevereiro de 2018. O Pedro nasceu prematuro, com 43 centímetros e 2 quilos e 200 gramas. A Marina ficou com ele no colo. Ele era tão pequenininho... 

 

Também percebi que a pediatra ficou examinando ele com um pouco mais de atenção, com um pouco mais de cuidado do que nos partos da Nina e do Lipe. Mas até aí tudo bem. Você tá eufórico, nasceu teu filho, é uma explosão de alegria! Toquei o hino do Corinthians. A gente recebeu a família, ficamos debatendo com ele parecia, com quem ele não parecia, como foi o parto...

 

A gente nem se preocupou quando a enfermeira levou ele pra UTI. A obstetra já tinha falado que, por ele ser prematuro, talvez tivesse que ficar uns diazinhos por lá, pra poder se reabilitar. Nesse dia, eu dormi do lado da Má, no sofazinho do quarto.

 

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No dia seguinte, acordei umas 6h da manhã e desci pra tomar um café. Quando eu tô voltando, encontro a obstetra no corredor: “Você tá indo pra onde?”, ela perguntou. “Ah, tô indo pro quarto”. “Então tá bom, vou lá com você”. 

 

Voltei pro quarto com a doutora, sentei na cama e ela disse: “Então”... E mudou o tom. “Vocês acreditam que o hospital tá desconfiando que o Pedro tem Síndrome de Down?” Eu me lembro como se fosse ontem do quente que me veio aqui dentro, uma sensação de calor, desespero. Eu falei: “como é que é?”

 

[trilha sonora]

 

Meu nível de informação sobre a trissomia do cromossomo 21, o nome técnico da Síndrome de Down, era praticamente nulo. Eu não tinha a menor ideia do que era. E o pouco que eu sabia não me deixava muito animado, pra dizer o mínimo. A real é que a minha primeira sensação foi a pior possível.

 

Eu falei, tremendo: “Doutora, como assim?”. E ela também assustada não tava acreditando. Acho que, apesar de tecnicamente ser magnífica, nessa hora ela vestiu o casaco de mãe. Aí me baixou o espírito de engenheiro e eu falei: “Calma. Quem falou que ele tem Síndrome de Down?”. E lá fui eu pelos corredores do hospital atrás da pediatra neonatal que tinha dito.

 

Quando ela me vê, ela para e petrifica. Eu cheguei perto e falei: “Doutora, eu sou o pai do Pedro. Ele tem Síndrome de Down?”. Ela se assustou com a pergunta e falou: “vamos ali no quarto conversar?”. Eu falei: “Não. Eu só quero saber o seguinte: além de você, alguém examinou ele?” 


E ela falou: “Examinou”. Quem? "Outros médicos, pediatras". Mas pediatras neonatais? "Sim" Quantos? "Mais cinco." Alguém teve alguma dúvida? "Não". Voltei pro quarto e falei: Marina, o Pedro tem síndrome de Down. 

 

[trilha sonora]

 

Eu nunca vi uma morte de perto. A não ser dos meus avós, que já estavam bem velhinhos e aí eu acho que é diferente. Receber a notícia de que o filho que você imaginou não é exatamente assim certamente foi o momento mais difícil da minha vida. Eu não sabia onde eu tava. 

 

Eu entrei na UTI e comecei a enxergar no Pedro - pela primeira vez - os traços da Síndrome de Down. Aí veio o pediatra da família. Ele chegou perto da incubadora e precisou de um segundo e meio, não mais do que isso, pra dizer: “Henri, a gente vai ter que esperar um exame de confirmação, mas o Pedro tem Síndrome de Down”.

 

Ele começou a me dar uma série de elementos no meu filho: Falta de tônus muscular, uma linha na mão, a orelhinha implantada mais baixa, os olhinhos amendoados, a falta de osso nasal ou o osso nasal muito pequeno, a língua pra fora...

 

Quando os meus pais chegaram no hospital, eu levei eles na salinha da UTI neonatal e dei a notícia. A minha mãe é que nem eu: chorona, emotiva. Se um neto tocar DO RE MI FA, ela vai chorar, então, eu já estava acostumado. Mas meu pai, que estava prestes a fazer 70 anos, eu nunca tinha visto chorar. Nem quando o pai dele morreu. Eu acho que os avós sentem em dobro, pelos netos e pelos filhos.

 

Eu até me arrepio, porque talvez tenha sido um momento tão difícil quanto o de receber a notícia. A médica tinha conversado comigo umas 7 horas da manhã, isso já eram 3h da tarde. Então, eu já tinha de alguma forma absorvido o baque, nem que fosse um pouquinho. Mas quando eu vi o meu pai chorar pela primeira vez, foi muito, muito, muito difícil. Me veio uma sensação de culpa.

 

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A primeira vez que eu fiquei no quarto só com a Má, a gente se abraçou e chorou muito. E essa cena se repetiu por várias vezes, até o Pepo sair da UTI, 22 dias depois. Desde antes do Pedro nascer, a gente não planejava anunciar o nascimento dele nas redes sociais. Porque a gente não estava querendo no terceiro filho receber muita gente no quarto. Tanto é que não tinha nem brigadeiro, lembrancinha, nem nada.

 

Só que eu comecei a encontrar pessoas, conhecidos no corredor do hospital. E passei a ficar incomodado com o fato dessas pessoas poderem imaginar que eu estivesse escondendo a Síndrome de Down do meu filho. Então, decidi postar um texto no Facebook.

 

E a partir de então eu comecei a receber muitas mensagens. Muitas clichês, do tipo:  “Filhos especiais são para pessoas especiais”; “Deus não confia missões mais difíceis do que as pessoas podem carregar”; “Vocês são uma família do bem, então nada vem por acaso”;

 

Só que essas mensagens, apesar de me confortarem, não tocavam o meu íntimo. Até então - eu confesso - eu estava encarando aquilo como um castigo. Eu questionei Deus muitas vezes. Do por que que ele tinha me mandado um filho com Síndrome de Down, se eu me considerava uma pessoa boa? Eu não tenho vergonha de falar isso, porque é a verdade, era como eu estava encarando a situação.

 

Até que chegou a mensagem da Silvia, uma amiga que também tem uma filha com Síndrome de Down. E a Silvia me falou, baseada na experiência dela que, na verdade, ter um filho com Síndrome de Down não é uma coisa ruim. É o contrário, é uma oportunidade de vida. De poder tê-lo do nosso lado e poder enxergar o mundo através de uma outra perspectiva. Poder valorizar as pequenas coisas. Poder respeitar as individualidades alheias. Poder entender que talvez o mundo não seja como a gente enxerga e que existam outras possibilidades. E que tudo isso fazia a vida valer a pena. Eu fiquei em prantos quando ela falou isso para mim. E foi ali, oito dias depois que o Pepo nasceu, que tudo começou.

 

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Pedro saiu do hospital, tomou as vacinas e a gente começou a levá-lo pra passear, pra ver gente. Parte dos meus amigos não conseguia me olhar no olho. Não conseguia tocar no assunto “Pedro”. A outra parte nos abraçavam como se a gente tivesse de luto. Foram muitos abraços, tapinhas nas costas, falando: “Que barra, conta comigo”. E eu pensava: conta comigo para quê?

 

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Apesar de ninguém escolher ter um filho com deficiência, a gente tava tentando extrair o melhor daquela situação. Eu acredito que as pessoas vão encarar o teu filhos da mesma forma como você encara ele. Então, se eu estava encarando o Pedro como alguém capaz, repleto de possibilidades, era muito provável que as pessoas também iam enxergá-lo da mesma maneira. 


Aí então a gente resolveu abrir uma conta de Instagram pra dividir um pouco do nosso dia a dia. Eu queria que a gente fosse no clube e as pessoas não precisassem falar: “Ah, ele tem Síndrome de Down”, diminuindo o volume quando falassem a palavra Síndrome de Down no final da frase. 

 

Eu não queria que os outros tivessem dedos para falar da deficiência do meu filho. Porque a deficiência faz parte da personalidade dele, faz parte das características dele, mas não é o que o define. Eu e a Má criamos a conta de Instagram dentro de um táxi, indo pro aeroporto. Um dia depois, tínhamos 3.500 seguidores. Em cinco dias, 10.000. E hoje, são mais de 115 mil.

 

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Eu nasci numa família que sempre me educou a respeitar a diversidade, mas ela não fazia parte do nosso dia a dia. Eu nunca tive preconceito, no sentido ruim da palavra, mas ao mesmo tempo eu achava que aquilo não me pertencia. Quando você vive uma vida inteira com pessoas da mesma cor de pele que a tua, da mesma classe social e com as mesmas condições físicas e cognitivas, você pode até não ter preconceito, o que já é um bom começo. Mas certamente você vai sentir uma barreira quando cruzar com alguém que não se encaixe nesses padrões.

 

Então, eu fico aflito quando eu penso que meu filho vai sofrer com essas barreiras. Porque eu sei que ele vai encontrar algumas. E, por mais racional, por mais preparado que você esteja, imagino que deva ser algo que te tire do prumo. 

 

Depois que o Pepo nasceu, eu tirei um sabático de 6 meses pra me dedicar a estudar a deficiência intelectual. Comecei a contribuir na APAE São Paulo e ter contato com a realidade brasileira do tema. Eu e a Má criamos uma ONG, chamada Serendipidade, que vem do inglês Serendipity, que quer dizer o ato de descobrir coisas boas ao acaso. Foi exatamente o que aconteceu conosco quando o Pedro nasceu. 

 

A gente fala de uma maneira leve e positiva sobre o tema, sem esconder nada e sem falar que é a melhor coisa do mundo ter um filho com deficiência. Mas a gente mostra que, se isso acontece, dá para você viver e enxergar um outro lado incrível da vida.

 

A nossa missão é fazer com que a inclusão não seja encarada como uma caridade, mas sim como algo bom para todos que se envolverem com ela. A gente atua para que as pessoas não tenham que ter um filho com Síndrome de Down ou esperar 38 ou 70 anos, como foi o caso do meu pai, para conhecer mais sobre o assunto.

 

Eu não tenho a menor dúvida de que o contato com a inclusão engrandece a nossa essência, faz com que as pessoas abram a mente. A diversidade nada mais é que a liberdade que as pessoas têm de viver como elas são ou como elas querem ser. O Lipe ainda é pequeno pra entender o que é a Síndrome de Down, mas a Nina já entende. Outro dia, ela me perguntou se o Pedro vai ter filhos. Aí eu falei: “Filha, ele vai ter se ele quiser e se ele puder. Mas se ele tiver, você gostaria que o filho dele nascesse com ou sem Síndrome de Down?”. Ela me disse: “Papai, tanto faz”.

 

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Satyanatha: Chegamos ao fim do relato do Henri. A gente costuma achar que o futuro é perigoso. Por isso, criamos um cenário hipotético e se convence de que é o único panorama viável e seguro. Mas a vida tem uma criatividade extraordinária. Muitas vezes ela nos conduz para um caminho diferente - e melhor - do que imaginávamos. Os temperos de alegria, de criatividade e de propósito são muito superiores a qualquer dor causada - até porque não existe caminhada sem dor. 

 

A solução pra evitar o sofrimento não é imaginar vários futuros, e sim viver o agora. Se hoje eu for aberto, verdadeiro, amoroso e dedicado ao que eu sinto, eu vou criar um futuro positivo. Foi isso que o Henri começou a descobrir, quando transformou a condição do Pepo em um propósito. 

 

Muita gente vê o propósito como uma tarefa. Na verdade, ele é um estado de espírito, no qual você se predispõe a estar alinhado com um tema e a vibrar, no presente, aquilo que você quer para o futuro. 

 

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Finalização: Nossas histórias não acabam por aqui. Acompanhe semanalmente novos episódios e confira nosso conteúdo em plenae.com e no perfil @portalplenae no Instagram.

 

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