Para Inspirar

Carolina Farani em "Eu venci a guerra que eu travava contra mim mesma”

Inspire-se com o episódio de Mente da décima oitava temporada do Podcast Plenae - Histórias para Refletir!

1 de Dezembro de 2024



Leia a transcrição completa do episódio abaixo:

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Carolina Farani: Quando eu vejo meninas com transtornos alimentares, a minha vontade é de falar que tem uma luz no fim do túnel. Ainda bem que os padrões de beleza tão mudando, mas a pressão social pela magreza ainda existe com muita força. E essa pressão quase acabou comigo. Eu vi a morte de perto, porque o meu objetivo era emagrecer até morrer.
 

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Geyze Diniz: Carolina Farani desenvolveu transtornos alimentares na adolescência que foram desencadeados pelo bullying que sofria na escola. O tratamento foi longo, mas Carolina conseguiu com o apoio da família e acompanhamento médico recuperar não só sua saúde, como sua identidade, sua autoestima e a vontade de sonhar. Eu sou Geyze Diniz e esse é o Podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Carolina Farani: Eu me mudei de Salvador pra Santos, no litoral de São Paulo, com 12 anos. Quando meu pai me contou que tinha recebido uma proposta de trabalho, eu senti medo e euforia. Era um mix de sentimentos, de querer e ao mesmo tempo de não querer ir pra outro estado. Por um lado, eu sabia que ia sentir saudades das minhas amigas. Mas por outro, era legal a ideia de conhecer um lugar diferente e fazer novas amizades.

Só que no primeiro dia de aula eu já percebi que não ia ser fácil me enturmar. Assim que eu abri a boca pra falar o meu nome, eu senti o preconceito. Carolina. Mas como eu falava na época: ‘Carolina’. Em quatro sílabas, meus colegas perceberam que eu era nordestina. Naquela época, começo dos anos 2000, ninguém falava em bullying, muito menos em xenofobia. Eu nem fazia ideia que essas palavras existiam. Mas descobri na pele o significado delas.

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Eu não podia abrir a boca, que alguém imitava o meu sotaque. Se falavam comigo, era tipo assim: “Ôxe, mainha”, “Vixe, mainha”. Eu nunca nem chamei minha mãe assim. Mas, pros alunos da classe, isso não tinha a menor importância. Era tanta perseguição, que eu comecei a tentar mudar o jeito de falar, treinando em casa olhando pro espelho. Não adiantou nada. A turma pegou implicância comigo e eu fui acusada de roubar uma prova que sumiu. Até o professor acreditou nesse boato, um absurdo.

Daí inventaram que eu tinha um caso com um moço que trabalhava na escola. O motivo: ele era nordestino. Ele era o rapaz da cantina que vendia o lanche. Mas, de repente, ele virou o meu namorado. A fake news foi tão pesada, que a psicóloga da escola me aconselhou a parar de frequentar a lanchonete. Um tempo depois, este moço foi demitido. Não sei exatamente por quê.

Meu irmão, que é dois anos mais velho do que eu, também passava pelo mesmo processo de adaptação na escola de forma nada agradável. Ele se isolou, e demonstrou estar estressado e meus pais focaram em ajudá-lo. Eu, por outro lado, percebendo a preocupação deles, não quis amolá-los com o que eu sentia. Portanto, me fechei, e comecei a descontar a tristeza na comida. Ganhei em torno de vinte quilos a mais. Ou seja, além da minha origem, passaram a implicar com o meu corpo e com a maneira que eu me vestia.

Eu comecei a ter muita vergonha de falar em sala, minhas notas despencaram e começaram a me chamar de ignorante. O ataque agora era falar que todo nordestino é burro. Chegou a um ponto em que eu não tinha mais identidade. O meu apelido na turma passou a ser Ana ou Aninha, de baiana, baianinha. Percebendo que eu era minoria e queria tanto pertencer ao grupo, que eu aceitei ser chamada assim. Mesmo odiando.

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Quando eu completei 18 anos, eu fiz uma cirurgia de redução das mamas, já que por conta do meu sobrepeso eu tinha muita dor nas costas. Na consulta pré-operatória, o médico falou assim: “Olha, eu vou ser bem franco com você. Você tem que emagrecer e tem que fazer ginástica, porque desse jeito o seu fígado vai virar uma pasta”. A partir disso, comecei a me preocupar com minha aparência e saúde.

Eu entrei na academia e comecei a excluir alguns alimentos da minha dieta. Era tipo assim: feijão dá gases, então tira o feijão. Arroz tem calorias, então corta o arroz. Depois tirei o pão, a carne, o leite, as frutas. E assim foi até chegar ao extremo de passar cinco dias sem comer nada, só bebendo litros e litros de água. Ao mesmo tempo, eu passava horas e horas na academia, com um plástico filme enrolado na barriga, pra queimar mais gordura.

Coincidiu que, nessa época, eu acabei o Ensino Médio e entrei na faculdade de propaganda e marketing. A minha vida melhorou um pouco, porque pelo menos eu parei de ser perseguida. Eu tinha me tornado uma pessoa retraída, cheia de traumas, mas consegui fazer amizades com um grupo de 9 meninas.

Só que nessa mesma época, os traumas que ficaram dentro de mim, emergiram, trazendo a questão do ser aceita em um grupo. Eu encarei aquilo como uma nova oportunidade de se refazer, porém eu não sabia lidar direito com as pessoas – por conta das coisas que eu sofri. Foi no segundo ano de universidade que se via uma modificação notória em minha aparência.

Minha pele era amarelada e meu cabelo começou a cair e ficar ralo. Com 21 anos, eu cheguei a pesar 32 quilos. Mesmo assim, eu tinha uma imagem distorcida e me enxergava gorda no espelho. Frequentava lojas de roupas infantis, porque as de adulto não cabiam em mim. Teve um dia que eu coloquei uma saia e uma das colegas percebendo minhas pernas muito finas, falou o seguinte: “Carol, você não tá muito magrinha, não?”.

Eu neguei, disse que estava bem. Mas era mentira. Eu estava mal para caramba. Eu sentia tanta tontura que às vezes eu saia da aula porque não conseguia raciocinar. Eu cheguei a me perder no caminho da faculdade pra casa, por causa da confusão mental. Teve um dia que as meninas combinaram um café da manhã na república de uma delas, mas eu não fui. Eu menti que me atrasei e só encontrei as meninas na aula.

Quando eu cheguei na faculdade, uma delas, a Priscila, me falou: “Eu guardei um pedaço de bolo que eu fiz especialmente pra você, Carol”. Aí ela me deu o tupperware na frente de todo mundo. Eu agradeci, guardei o pote na mochila e fui pro banheiro. As 9 meninas foram atrás de mim e me prensaram naquele cubículo, perguntando porque eu não comia. A Fernanda, que era a mais esquentada, falou na lata: “Qual o seu problema, Carol? Você tá magra demais, não come nada. Você tem alguma doença?”.

 Eu comecei a chorar e, pela primeira vez, falei que precisava de ajuda. Eu expliquei que eu não sabia por que eu estava comendo tão pouco. Contei que me achava gorda, que me sentia sempre cansada e que pensava em suicídio. As meninas me aconselharam a falar a verdade pros meus pais, mas eu não falei nada.

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Eu estava tão magra, que não tinha força pra andar direito. Eu me lembro que uma vez fui pra um restaurante com a minha família e me apoiei nos meus pais pra conseguir caminhar, tipo uma bengala humana. Quando a gente entrou no restaurante, todo mundo olhou pra gente. Meus pais ficaram super incomodados e meu irmão começou a gritar com uma família que estava sentada numa mesa. Só anos depois eu descobri o que tinha acontecido. Alguém dessa mesa aí comentou que eu tinha AIDS.

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A primeira pessoa a nomear a minha doença foi uma professora da academia.

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Um dia ela me perguntou se eu estava me alimentando. Eu respondi que estava um pouco inchada. Aí ela falou: “Você se acha inchada?”. Eu respondi assim: “É, preciso emagrecer alguns quilos a mais”. Nesse mesmo dia, ela ligou pra minha mãe e falou que eu tinha anorexia.

Eu estava assistindo TV, quando a minha mãe entrou no meu quarto muito brava perguntando: “Você tá doente!? O que que você tem?!”. Ela ficou horrorizada com o telefonema da professora e me proibiu de frequentar a academia. A maior indignação era com ela mesma, por ser médica e não ter percebido o que estava acontecendo comigo.

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A minha mãe me levou num psiquiatra especializado em transtorno alimentar. Depois dessa primeira consulta ela se ligou que a doença era grave e cuidou de mim durante o tratamento. Ela diminuiu o ritmo de trabalho pra poder fazer refeições comigo, um hábito que a gente não tinha mais. A reintrodução alimentar foi muito difícil. No começo, quando eu tentava comer, passava mal e vomitava. Daí a nutróloga me ensinou a comer de pouquinho. Uma colher de chá de arroz no almoço. Uma lasquinha de bife.

A nutróloga me explicou assim: “Sabe as crianças desnutridas da Somália? Você sabia que não pode colocar alimento de uma vez que elas podem até morrer? Então, não se sinta culpada se você não conseguir. Eu só quero que você tente e me conte sobre tudo que você fizer. O negócio é tentar, Carol”.

O tratamento incluía duas sessões por semana com uma psicóloga, mas no começo eu não falava nada. Eu só fui começar a me soltar quando a psicóloga encontrou um jeito de se comunicar comigo: pela escrita. Eu contei que gostava de escrever quando era criança e daí ela me deu um caderno. Ela pediu pra eu escrever tudo que se passava pela minha cabeça. Nos momentos em que eu tivesse mais desesperada, era pra desabafar o que eu estava sentindo. Foi só nessa fase que eu comecei a elaborar o estrago causado pelo preconceito na escola.

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Depois de dois anos de tratamento, dando passos de formiguinha, meu irmão veio pra Santos e me convidou pra almoçar no shopping com minha mãe. A gente foi a um restaurante por quilo e eu pedi um prato feito, que tinha arroz, brócolis e carne. Eu lembro que, quando coloquei o brócolis na boca, senti um gosto delicioso e a minha pupila até dilatou. O meu irmão ficou tão emocionado de me ver comer que levantou da mesa e foi pro banheiro chorar de felicidade. A gente até deu risada quando ele falou: “Eu não acredito que eu tô chorando porque você comeu um brócolis”.

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Esse dia foi muito marcante pra mim. Foi uma prova pra mim mesma de que eu era capaz de comer. Quando eu voltei a me alimentar, eu não recuperei só o peso e a saúde. Eu recuperei também a minha identidade e a vontade de sonhar. A minha mãe viu que eu estava pesquisando sobre a Austrália e me ofereceu um intercâmbio de um ano pra lá. Eu saí do Brasil com o aval do psiquiatra.

Ele me deu alta, mas me fez um alerta enfático quando me perguntou assim: “Você sabe que é uma doença crônica?”. Eu disse que não, daí ele me explicou: “Se você sofrer algum gatilho, o transtorno alimentar pode voltar”. Eu tive alguns momentos de compulsão e de bulimia na Austrália. Mas eu não deixei a coisa desandar e não cheguei nem perto de ficar tão magra e tão doente como eu fiquei em Santos.

É que eu tinha ganhado ferramentas e autoconhecimento pra lidar com a minha condição. Depois que eu voltei pro Brasil, não tive mais recaídas. Nem mesmo durante a gravidez. Hoje, eu tenho 39 anos e sigo uma alimentação equilibrada. Pensamentos viciosos sobre o meu corpo não me atormentam mais. As minhas preocupações agora são com a minha filha.

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Quando eu olho pra trás, eu sinto gratidão pelas pessoas que me apoiaram e por cada pequena conquista que tive ao longo do caminho. O processo foi doloroso, mas me fez renascer mais forte. Eu aprendi que a minha batalha não era apenas contra a balança ou a comida, mas por um amor próprio que eu precisava redescobrir. Esse amor me permitiu recuperar o brilho nos olhos, o prazer de compartilhar uma refeição e a coragem de ser quem sou. Mais do que vencer um transtorno alimentar, eu venci a guerra que eu travava contra mim mesma.

Hoje, eu não busco um corpo perfeito, mas uma vida equilibrada e feliz, em que me sinta bem na minha própria pele. Quando eu olho para minha filha, eu vejo que todo o esforço valeu a pena – por mim e por ela. Eu quero que ela cresça com a certeza de que o valor dela não está em um número, mas na pessoa que ela é. E se minha história puder iluminar o caminho de outras pessoas, então eu vou ter cumprido a minha missão. Porque a verdadeira cura é viver sem medo, com amor e aceitação.

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Geyze Diniz
: Nossas histórias não acabam por aqui. Confira mais dos nossos conteúdos em plenae.com e em nosso perfil no Instagram @portalplenae.

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Para Inspirar

Fabiana Scaranzi em "Seguindo a intuição"

O sexto episódio da décima sexta temporada do Podcast Plenae traz a história - ou histórias! - de Fabiana Scaranzi e sua sede por reinvenção.

8 de Setembro de 2024



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Fabiana Scaranzi: Eu me casei pela segunda vez aos 46 anos. Fiz uma transição de carreira aos 48. Entrei na minha quarta faculdade aos 54 e vou me formar aos 59. Em nenhum lugar tá escrito que eu não posso fazer isso.

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Geyze Diniz: É difícil rotular Fabiana Scaranzi, já que ela está sempre se reinventando. De dançarina a modelo, de apresentadora a mentora, de autora a empreendedora. Fabiana fez todas essas mudanças por ter certeza do que quer, e não ao contrário, como muitos pensam. Assim segue sua intuição e nunca para de aprender. Eu sou Geyze Diniz e esse é o podcast Plenae. Ouça e reconecte-se.

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Fabiana Scaranzi: Quando eu tinha uns 5 anos de idade, minha mãe me colocou pra fazer aula de balé. Pouco tempo depois, eu fui aprovada num exame da Escola de Bailado, que ficava embaixo do Teatro Municipal. Pra mim, aquela escola era o lugar mais bonito do mundo. Eu ficava lá a tarde inteira, e não fazia só balé. Eu tinha aula de história da música, história da dança. Aprendi a solfejar e até a tocar piano. Eu venho de uma família de classe média baixa que não era muito ligada em arte. Então, a Escola de Bailado abriu a minha cabeça.

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Eu comecei a sonhar em ser bailarina clássica e a dançar no Balé Bolshoi. Mas, aos 13 anos, eu sofri um acidente de kart e quebrei vários ossos do corpo. Triturei o tornozelo, quebrei o braço, fraturei o fêmur em dois lugares. Quando a gente é jovem, a gente não tem noção do perigo. O lado bom disso é que você só foca no seu objetivo, sem se deixar paralisar pelo medo. E eu lembro que, no hospital, o meu objetivo era dançar no espetáculo de final de ano da escola, e só.

Eu fiquei três meses engessada até o quadril. Depois, tive que reaprender a dobrar o joelho e a andar. Com muito sofrimento, choro, sacrifício, eu consegui me apresentar no final do ano, oito meses depois do acidente. Só não consegui dançar de sapatilha de ponta, porque eu não tinha recuperado muito a força naquela perna.

Mas, eu me lembro que eu convidei os médicos pra sentarem na primeira fila do Teatro, e foi um momento muito emocionante para todos nós. Mas também foi um momento de encarar a realidade. O meu sonho de ser bailarina clássica fora do Brasil não ia se realizar. Então, eu decidi focar nos meus estudos. E pra mim era muito importante isso também, já que eu seria a primeira pessoa da minha família a entrar numa faculdade.

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Bem nessa época pré-vestibular, o meu único irmão, que é um ano e meio mais velho que eu, foi diagnosticado com uma doença neurológica progressiva. Em 20 dias, ele não conseguia mais mexer um lado do corpo. Em um mês, ele não conseguia mais falar. Eu fiquei tão obcecada em me aproximar do meu irmão de alguma maneira, que aí eu decidi estudar comunicação.

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Eu entrei na FAAP, que era uma das faculdades mais caras de São Paulo. O meu pai se ofereceu pra pagar uma parte da mensalidade, mas eu teria que ajudar. Mas como, se eu não tinha experiência em nada? Quem apontou um possível caminho foi um amigo, o Osvaldo.

Ele me falou o seguinte: “Olha, a minha irmã trabalha numa agência de modelos. Ela falou que vem uma gringa fazer um teste pra levar algumas meninas pra trabalhar fora do Brasil. E parece que essas meninas ganham bem, porque elas recebem em dólar”. Aí eu falei: “Mas, eu nunca fui modelo, Oswaldo. Não tenho fotos, eu não tenho um book”. Ele me disse: “Fala que roubaram”. Eu disse: “Mas eu vou mentir?”. E ele me devolveu com uma pergunta que eu me faço até hoje, em várias situações: “Você tem outra opção?”

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Eu fui no teste, não entendia quase nada do que a gringa falava. Mas traduziram pra mim: “Anda pra frente, anda pra trás, dá uma volta, vira”. Essa gringa pediu meu book e eu contei que tinham roubado. Aí ela mandou tirarem umas fotos minhas e me dispensaram naquele dia. Depois de 10 dias, me ligaram da agência dizendo que eu tinha sido uma das 5 modelos do mundo escolhidas pra aquela temporada.

Eu fiquei muito feliz e aí que eu soube que essa agência de modelos era a Ford, uma das melhores do mundo. Aí me contaram logo em seguida que eu ia pro Japão. Eu entrei no avião sozinha, apavorada aos 17 anos. Eu me lembro que durante o voo eu pensava assim: “Por que meus pais me deixaram ir?” Lá no fundo, parece que eu não queria que eles tivessem deixado, porque aí eu não teria que ser responsável pela minha escolha.

Lá no Japão, eu conheci uma realidade muito diferente da minha. Eu ouvi histórias que eu não gostaria de ter ouvido, histórias de sexo, de drogas das outras modelos. Eu aprendi a me proteger, aprendi a me virar e segui firme ali no meu objetivo de ganhar dinheiro pra pagar minha faculdade.

Então eu trabalhava lá por três meses, que era a duração do visto, e voltava para o Brasil fazia um semestre de faculdade. Daí eu trancava o curso e viajava de novo. Fui pra Alemanha, pra Espanha, pra Nova York e pra outros países. Eu comecei depois a trabalhar muito também no Brasil. No total, eu fiz 120 capas de revista e peguei uma aversão por balança até hoje.

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Quando eu acabei a faculdade, eu não quis mais ser modelo. E as pessoas não entendiam muito minha decisão. Por que eu estava abrindo mão de uma carreira de sucesso, com muitos anos pela frente? É que, pra mim é muito claro, quando alguma coisa não faz mais sentido, eu paro de fazer. É claro que tem um sofrimento envolvido numa decisão dessas. Mas eu preciso me sentir feliz com aquilo que eu faço. Fora isso meu objetivo era cursar a faculdade de Comunicação. E eu tinha conseguido.

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Na minha terceira reinvenção da vida, eu fui trabalhar como publicitária na agência W/Brasil. Quem entrevistava os candidatos paras vagas era o próprio Washington Olivetto, dono da agência. E eu me lembro que ele me perguntou: “Por que você quer trabalhar aqui?” Eu respondi: “Ah, porque tudo que vocês fazem é a minha cara. Eu acho que eu vou poder contribuir muito com a agência”.

E aí o Washington falo: “Nossa! Você é muito cara de pau. Porque, se você acabou de sair duma faculdade, você não sabe nada! Mas eu vou te contratar pela sua autenticidade e autoconfiança.” E lá fui eu. Fiz um estágio na direção de arte e fiquei trabalhando lá por dois anos. E apesar de todo o aprendizado, eu tive que reconhecer em algum momento que eu não seria um grande talento ali, eu não teria potencial pra me destacar na agência.

Eu queria me comunicar sim, mas, de outra maneira, por outro caminho, mas não sabia como. Alguns dias depois, na própria agência eu conheci o Roberto Talma, amigo do Washington Olivetto e diretor de TV, que disse que eu era muito comunicativa e perguntou se eu queria fazer um teste para apresentar um programa na TV Bandeirantes chamado Memória Band. Fiz o teste e passei.

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Era tudo muito novo pra mim, mas eu estava amando fazer aquilo! Paralelamente, eu prestei vestibular para jornalismo porque eu gostava da prestação de serviços, de contar histórias, de escrever e também de estudar. A essa altura, eu tinha me casado, me separado e tinha um filho pequeno, de um ano e meio. Muita gente foi contra a minha decisão de fazer outra faculdade.

É impressionante, né, a quantidade de pessoas que falam que não vai dar certo quando você ousa fazer uma coisa que elas não tiveram coragem de fazer. No primeiro mês da faculdade, eu fui a um cabeleireiro e encontrei a Sandrinha Annenberg, que eu conhecia dos testes de modelo. Eu contei que eu estava estudando jornalismo e ela me disse que sabia que iam fazer um teste para o jornalismo na TV Globo, mas que as pessoas precisavam estar cursando ou ter a faculdade de jornalismo.

Eu tinha acabado de entrar na faculdade! Eu estava no timming certo! Eu passei no teste e fui contratada pela emissora. Fiquei muito feliz! E eu acho que, quando a gente ouve nosso coração e mira no que faz sentido pra gente, as coisas fluem. Eu fiquei mais de 11 anos na TV Globo. Comecei apresentando a previsão do tempo, depois fui repórter e apresentadora de vários telejornais. Eu saí de lá quando eu recebi uma proposta irrecusável pra mim na época da TV Record para ser apresentadora do Domingo Espetacular, que era o principal concorrente do Fantástico, onde eu fiquei mais 5 anos.

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Eu sempre gostei muito de trabalhar. Eu comecei aos 17 anos e nunca parei. O trabalho moldou o meu caráter, me deu disciplina e me ensinou a ter responsabilidade. Me proporcionou conhecer pessoas, aprender línguas e culturas diferentes que eu jamais teria tido essa oportunidade.

Mas eu percebi que, num certo ponto, eu estava trabalhando no piloto automático. Eu não ficava mais nervosa, nem ansiosa pra apresentar um programa de 4 horas ao vivo, por exemplo. Eu apresentava com a técnica que havia aprendido, mas eu não sentia mais aquele frio na barriga. E eu comecei a me questionar: será que isso ainda fazendo sentido para mim?

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Mesmo sabendo que tinha algo errado, eu fui empurrando aquele desconforto pra debaixo do tapete. Eu tinha um super salário, estava numa posição de destaque, era reconhecida nacionalmente pelo que eu fazia. Então, eu falava pra mim mesma: “Fabiana, nem pensa em fazer nada diferente porque tá tudo certo. Quantas pessoas não gostariam de tá aqui no seu lugar? E eu me sentia muito culpada só de pensar naquilo!” Eu dizia: “Calma, Fabiana, amanhã você vai acordar melhor.”

Só que aquela sensação estranha não passava. Até que um dia eu senti uma dor aguda no estômago e fui levada de ambulância pro hospital. Fizeram muitos exames e o meu médico me perguntou: “Fabiana, o que que tá acontecendo, hein?”. E na hora eu respondi: “Eu que te pergunto o que tá acontecendo. Eu senti uma dor horrorosa e quase desmaiei”. Ele falou: “Bom, você tá com uma úlcera aberta no estômago. E é muito sério você não ter sentido nada até hoje”. 

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Naquele momento, eu tive um ataque de choro porque eu percebi que corpo, mente e espírito estavam cada um pra um lado. E eu precisava juntar todos novamente. Eu acho que o meu desequilíbrio emocional se manifestou numa doença física. Eu acredito, realmente, nesses fenômenos psicossomáticos. E aí não dava mais pra eu me enganar ou fingir que nada estava acontecendo.

Então, eu decidi que, quando o meu contrato terminasse, e faltava um ano e meio praquilo acontecer, eu não o renovaria. Eu fiquei quase 20 anos na televisão. E foi uma trajetória linda demais! Onde eu pude aprender muito e me tornar uma das melhores no que eu fazia. Mas eu acho que os humanos têm ciclos, assim como a natureza. A gente gosta, né, de acreditar em estabilidade e permanência, só que a vida não é assim.

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Uma noite indo pra praia com meu marido, peguei um caderno e uma caneta e comecei a rabiscar mais ou menos como seria a estrutura de um livro, que depois veio a se chamar Mulheres, Muito Além do Salto Alto. Mal sabia eu que, daquele rascunho, sairiam muitas possibilidades profissionais que se concretizariam depois. Eu estava com novos desafios e isso me encheu de energia! A minha úlcera cicatrizou e os meus olhos voltaram a brilhar.

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Eu me reinventei! Eu comecei a fazer palestras pra mulheres e a criar um trabalho mais autoral, diferente de quando você apresenta telejornais onde você tem que falar o que a emissora quer que você fale. Através do livro, que eu escrevi, eu comecei a ajudar mulheres maduras que também queriam fazer transição de carreira. Nesse meio tempo, eu virei colunista da revista Forbes onde escrevo sobre comportamento feminino e comunicação.

Eu sempre tive muito interesse no comportamento humano. Eu fazia muitas matérias de comportamento na TV, para o Fantástico. As pessoas falavam que eu era uma psicóloga de botequim, por eu ser uma boa ouvinte. Os meus amigos psiquiatras falavam: “faz uma faculdade de Psicologia, Fabiana”.

Eu achava que ia perder muito tempo fazendo uma faculdade que levaria mais 5 anos pra terminar. Então, eu resolvi fazer uma pós-graduação em Psicologia Positiva na PUC, que levaria só dois anos. Mas, quando eu acabei, eu achei que não era suficiente estudar só a felicidade. Porque a gente tem um lado sombra muito importante. E eu precisava aprender também sobre esse nosso lado. Eu sou uma dessas pessoas adeptas do lifelong learning, do aprendizado contínuo. Estudar alimenta a minha alma. 

Durante a pandemia, eu prestei vestibular e entrei sim no curso de psicologia. No meu aniversário de 59 anos, eu postei um vídeo que tem mais de 3 milhões de visualizações e mais de 12 mil comentários. Nesse post eu conto sobre uma pergunta que uma jornalista me fez uma vez. Ela me falou, o seguinte: “Você já foi bailarina clássica, modelo, apresentadora de TV e agora tá fazendo a quarta faculdade. Isso quer dizer que você não sabe o que você quer?”.

E eu respondi: “Não, muito pelo contrário, é porque eu sei o que eu quero. Mas eu quero muitas coisas. Eu tenho muitos interesses. E não é um número na minha idade nem ninguém que vão me impedir de realizar todos os meus sonhos. Se Deus quiser. Eu levei muitos anos pra me sentir confiante e livre pra fazer o que eu quiser.” 

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A autoconfiança é algo que se aprende na prática. Quando eu fui pro Japão aos 17 anos, chorando, ali eu estava ganhando autoconfiança. Quando eu voltei a estudar, divorciada e com um filho pequeno, eu estava construindo a convicção de que eu sou capaz. Quando eu me reinventei depois da televisão, eu estava reafirmando que eu acredito sim em mim mesma.

Existe um estigma de que as pessoas fazem transição de carreira porque elas não sabem o que querem. Ou porque não elas tiveram sucesso com as escolhas que fizeram. E isso não é verdade.  Eu acho que o meu post viralizou, inclusive, porque as pessoas se sentiram validadas pela minha fala, ainda mais com 59 anos. É como se elas dissessem: “Nossa, mas eu também posso?” É óbvio que você pode. Volte a estudar, se isso vai te fazer bem. Vai ler, fazer um curso. Não precisa ser uma faculdade longa como eu fiz, mas vai fazer o que te faz feliz.

A gente fica muito presa à idade. Quanto mais a gente racionaliza um número, mais a gente desanima. E eu não pensei nisso, só vou fazendo o que me deixa bem e feliz. Hoje tenho mais projetos do que quando eu tinha 18 anos.  Dou mentorias de comunicação e de transição de carreira ara mulheres, tenho uma startup de liderança feminina, sou colunista da Forbes e agora, com o fim da faculdade de Psicologia, eu vou poder ajudar ainda mais as mulheres a terem a vida que elas querem e merecem ter. 

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