Coloque em prática
O termo, que deveria ter ficado no século passado, ainda é bastante presente na nossa sociedade - mas ainda é possível mudar esse cenário
17 de Maio de 2023
Hoje, dia 17 de maio, é celebrado o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Parece fake news, mas não é: a homossexualidade só foi retirada da lista de doenças mentais dos Estados Unidos em 1973. A Organização Mundial de Saúde foi ainda mais recente: em 1990, a OMS adotou o procedimento de não encarar mais uma opção sexual como uma questão de doença mental.
Pouco mais de trinta anos se passaram e hoje, nos parece impensável que isso já tenha sido tratado sob esse viés, certo? Bom, para muitos de nós, mas infelizmente, não todos. Há quem sinta aversão ou uma rejeição muito forte por aqueles que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. E é sobre isso que falaremos hoje.
Originalmente, como explica artigo no Fundo Brasil, o termo homofobia refere-se apenas à violência e hostilidade contra homossexuais, que são as lésbicas e os gays. Mas hoje em dia, ele é considerado por muitos uma forma de definir o ato de ódio a outros grupos como bissexuais, travestis e transexuais também.
Apesar da pouca fiscalização, a homofobia é criminalizada no Brasil desde 2019, graças à Lei de Racismo (7716/89), que também prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional” e contempla atos de “discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”.
Cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros se identificam como pessoas LGBTQIA+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Isso representa 10% de toda a população do país. Desses, 92,5% relataram o aumento da violência contra a população LGBTQIA+ de 2018 para cá, segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número.
51% desses entrevistados relataram ter sofrido algum tipo de violência motivada pela sua orientação sexual ou identidade de gênero, sendo 94% vítimas de violência verbal e 13% vítimas da violência física. Se tratando de pessoas trans, como Miguel, que participou do Podcast Plenae, os números são ainda mais assustadores. Até porque, há ainda muitos mitos em torno do assunto, como te contamos aqui.
Em uma comparação com os Estados Unidos, por exemplo, as trans brasileiras correm um risco 12 vezes maior de sofrer morte violenta do que as estadunidenses. O Relatório Mundial da Transgender Europe mostrou que, de 325 assassinatos de transgêneros registrados em 71 países nos anos de 2016 e 2017, um total de 52% – ou 171 casos – ocorreram no Brasil. Isso nos colocou no triste ranking de país que mais mata pessoas transsexuais no mundo.
Aqui, vale uma breve explicação: LGBTQIA+ é a sigla que abraça diferentes identificações. São elas: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Queer, Interssexuais, Assexuais e o + abarca quem ainda possa se identificar com alguma outra nomenclatura não contemplada na sigla.
Uma iniciativa do Ministério dos Direitos Humanos chamada Disque 100, compilou em 2017 mais alguns dados que comprovam que a violência se dá de várias maneiras e parece estar longe de acabar. Segundo o órgão, a maior parte das denúncias das pessoas LGBTQIA+ diz respeito à violência psicológica como atos de ameaça, humilhação e bullying. E isso é só o que é denunciado, pois sabemos que há muita subnotificação.
Uma outra pesquisa, essa feita sobre o Ambiente Educacional no Brasil de 2016, apontou que 73% das e dos estudantes LGBTQIA+ já relataram terem sido agredidos verbalmente e outros 36% fisicamente. A intolerância sobre a sexualidade levou 58,9% das/os alunas/os que sofrem agressão verbal constantemente a faltar às aulas pelo menos uma vez ao mês.
Por fim, estima-se que jovens LGBTQIA+ que são rejeitados por sua família apresentam 8,4 vezes mais chances de tentarem suicídio. Essa estatística se traduz em outra: dentre adolescentes, lésbicas, gays e bissexuais têm até cinco vezes mais chances de tirarem a própria vida do que as/os heterossexuais.
Quando falamos de preconceito, falamos sempre sobre quem o reproduz e nunca sobre as vítimas. Afinal, sabemos que as pessoas só colocam para fora aquilo que elas têm dentro. A psicanálise, aliás, usa um termo específico para falar sobre esse assunto: o recalque.
Apesar de ter caído no uso da cultura pop como algo que vem da “inveja”, o recalque é muito mais do que isso. “Nós sabemos que aquilo que nos constitui é aquilo que temos consciência que fazemos, mas também aquilo que ocultamos de nós mesmos e dos outros. Isso que ocultamos acabou sendo chamado de recalque”, segundo o escritor e filósofo Franklin Leopoldo e Silva em vídeo para a Casa do Saber.
“É preciso que muita coisa permaneça escondida, oculta, recalcada, para que o ser humano seja possível. (...) Toda a civilização foi constituída com base na repressão e no recalque, que é muito importante. Porque ele nos mostra que há uma natureza em nós que não é totalmente positiva, que não é da ordem do divino, que é muito ambígua: contém o mal e o bem, o que há de positivo e contém a violência”, continua.
Segundo ele, para que a civilização seja possível, é preciso que cada um reprima em si esse mal, essa violência. e é preciso também que haja um aparelho repressor, dispositivos muito bem elaborados, que atue sobre nós, no sentido que esse recalque seja permanente. No caso, são as leis e a consciência social.
Há ainda a homofobia internalizada, como explica a psiquiatra Aline Rangel em seu blog. “Na homofobia internalizada, o indivíduo tem dificuldade para se aceitar e gostar de si mesmo pelo simples fato de ter uma orientação sexual homoafetiva. Isso acontece, muitas vezes, por causa da carga negativa que ela assimilou durante a vida inteira sobre a homossexualidade”, como explica ela.
O psicólogo americano George Weinberg, que cunhou o termo na década de 1960, definiu a homofobia como "o medo de estar perto de homossexuais", como conta artigo na BBC. "Eu nunca consideraria um paciente saudável a menos que ele superasse seu preconceito contra a homossexualidade", disse ele em seu livro de 1972, “Society and the Healthy Homosexual” ("Sociedade e o Homossexual Saudável", em tradução livre).
Para Emmanuele A. Jannini, professor de Endocrinologia e Sexologia Médica na Universidade de Roma Tor Vergata, a homofobia está relacionada a certos traços da personalidade. Quando ela está associada à violência, pode perfeitamente ser diagnosticada como uma doença psiquiátrica.
Começamos esse artigo dizendo que a homossexualidade um dia foi considerada doença, mas a verdade é que a homofobia sim, é um desvio de personalidade. Para o pesquisador mencionado, como continua a contar o artigo na BBC, a homofobia está relacionada ao psicoticismo (potencialmente marcado pela raiva e hostilidade), mecanismos de defesa imaturos (propensos a projetar emoções) e um vínculo parental instável (levando à insegurança subconsciente).
Em sua pesquisa, publicada no Journal of Sexual Medicine em 2015, Janini analisou 551 estudantes italianos. Segundo ele, aqueles com atitudes homofóbicas mais fortes também apresentaram pontuações mais altas em psicoticismo e mecanismos de defesa imaturos, enquanto um vínculo parental estável foi indicador de baixos níveis de homofobia. Tudo isso, conclui ele, pode - e deve! - ser tratado em terapia.
Estudos também mergulham no fato de que as culturas e o ambiente familiar podem contribuir para essa versão deturpada e nociva, sobretudo se o indivíduo foi exposto a ele ainda na infância. Porém, estímulos positivos durante a vida universitária, por exemplo, também podem reverter esse cenário.
Entender que esse é um problema seríssimo, que vem somente de dentro de você e de suas questões pessoais, que afeta as pessoas ao seu redor e que não é socialmente aceitável, é o primeiro passo. O segundo passo é procurar ajuda especializada, como a psicoterapia que mencionamos anteriormente.
Neste artigo, também te ensinamos alguns passos para aumentar o seu poder de empatia. O primeiro deles é algo que mencionamos agora pouco: reconheça as suas próprias limitações. Em seguida, escolha os pontos em você que devem ser trabalhados e foque neles. Esteja aberto a novas narrativas e novos olhares. E, por fim, seja mais genuíno, já que a empatia demanda verdade e comprometimento.
Fazer o exercício de se colocar no lugar do outro é também sempre positivo. Se isso for difícil, talvez seja falta de contato com esse outro. Portanto, se aproximar de pessoas LGBTQIA+ pode ser importante aqui nessa etapa. Você pode começar contratando elas para sua empresa, por exemplo. São nessas conexões reais que você passará a ver o outro para além de qualquer viés inconsciente, termo que te explicamos neste artigo.
Ultrapassando a esfera do individual, há como somar na luta contra a homofobia apoiando projetos que estejam envolvidos com a causa. Este artigo da Revista Galileu separou alguns nomes para te ajudar! Lembrando que, em ano de votação como o próximo, é importante eleger candidatos que representem essa causa, seja apoiando ou fazendo parte dela. São eles que nos representarão nas esferas estatais pensando em políticas públicas realmente eficazes e abrangentes.
Se você conhece alguém - ou é essa pessoa - que pode ainda estar reproduzindo comentários homofóbicos, lembre-se: os comentários não são inofensivos. O que pode parecer uma piada é o início de uma violência que escala para os números trágicos que te trouxemos neste artigo. Não seja parte do problema, precisamos construir juntos um mundo que seja melhor para todos!
Coloque em prática
A dependência química é uma doença e, portanto, possui tratamento. Mas reconhecer o problema é o primeiro passo a ser dado nessa situação.
15 de Dezembro de 2023
No quinto episódio da décima quarta temporada do Podcast Plenae, nos emocionamos com a história de Regis Adriano, um ex-usuário de drogas. Seu vício começou como o de todos: mascarado de usos pontuais. Para ele, o que era apenas uma provocação e rebeldia juvenil, se tornou um problema que mudou o curso de sua vida para sempre e o expôs a violências e situações degradantes, como morar na rua e perder o contato com a sua família.
O skatista e hoje também escritor não sabia que carregava em seu corpo uma predisposição genética ao vício, condição que o condenaria já na primeira tragada. Não há mesmo como saber se você também possui essa tendência - e é aí que mora o perigo.
Mas, há como identificar os primeiros sinais da dependência química ainda no começo e agir rapidamente. Isso vale para aqueles que identificam em si ou nos seus familiares e amigos. Afinal, essa é uma doença que acomete não só o indivíduo, mas faz sofrer todos ao seu redor. Vamos entender um pouco mais sobre esse assunto tão difícil e necessário?
“A dependência química é uma condição física caracterizada por tolerância ao uso de determinada substância química, desenvolvendo a necessidade do aumento da dose para obter o mesmo efeito inicial”, explica Cirilo Tissot, diretor da clínica especializada em compulsões Audeamus, médico associado Associação Brasileira de Estudos Sobre Álcool e Drogas e Mestre em psiquiatria pelo IPq-USP.
A dependência química é reconhecida como uma doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e consiste, principalmente, na necessidade compulsiva e incontrolável de usar uma substância psicoativa, mesmo que isso cause prejuízos físicos, psicológicos e sociais.
Quando há a suspensão do uso dessa substância, um outro fenômeno se instala: a síndrome de abstinência, que gera sintomas físicos com características específicas de acordo com a substância química utilizada pelo indivíduo. E ela que dificulta tanto a recuperação desse sujeito, pois trata-se de uma resposta violenta do corpo diante da ausência daquele composto químico e seus estímulos, que estava habituado a receber.
“A medicina baseada em evidências constatou que a responsabilidade maior no surgimento dos transtornos do uso é de origem genética, uma predisposição ao uso arriscado. É como se faltasse uma trava de segurança que avisa o usuário sobre o momento de parar. Porém, o fato de ser a genética muito importante, como um dos fatores causais do vício, não quer dizer que seja hereditário. Existe uma maior probabilidade do desenvolvimento de compulsão por drogas, a criança que tem ambos os pais acometidos pelo problema”, explica Cirilo.
“Os protocolos de diagnóstico geralmente envolvem uma equipe multidisciplinar entre psiquiatras e psicólogos que avaliarão critérios específicos, como a presença de sintomas de abstinência, aumento da tolerância à substância, perda de controle sobre o uso e persistência do uso mesmo com consequências negativas”, explica Rosângela Casseano, Psicóloga, Terapeuta Cognitivo Comportamental.
Esse é um problema real, com números alarmantes, vale dizer. Segundo artigo do portal Senado, o Relatório Mundial sobre Drogas 2022, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra que cerca de 284 milhões de pessoas — na faixa etária entre 15 e 64 anos — usaram drogas em 2020, 26% a mais do que dez anos antes.
No Brasil, o cenário não é muito melhor. De acordo com o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), em 2021, registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. A maior parte dos pacientes é do sexo masculino com idade de 25 a 29 anos.
Mas então, como reconhecer se estou começando a ficar dependente ou se conheço alguém que esteja? Ao Plenae, Cirilo ainda traz alguns pontos de alerta importantes:
O médico do trabalho Gustavo de Almeida explicou no mesmo artigo do Senado que o diagnóstico e a gravidade do transtorno por dependência são avaliados dentro de quatro categorias.
Controle prejudicado quanto ao uso (uso contínuo apesar do desejo de parar);
Prejuízo social (descumprimento de obrigações relativas ao seu papel no trabalho, na escola ou em casa);
Exposição ao fator de risco (direção de automóvel sob uso de substância, por exemplo); e
Sintomas farmacológicos (abstinência, por exemplo).
“A parte mais importante, quando percebemos que um ente querido está precisando de ajuda é o obstáculo do orgulho e o medo do estigma. Reconhecer o próprio descontrole significa admitir uma fragilidade em um momento onde todos estão pedindo por força de vontade”, pontua Cirilo.
Para ele, um passo inicial e fundamental antes de iniciar uma conversa sobre o tema é a informação que o familiar deve buscar sobre o tema para não ser vetor de preconceito. “Entender a doença significa não culpar o indivíduo de algo que ele não tem controle, mas ajudar a pedir ajuda especializada e a reparar escolhas mal feitas”, explica.
Além disso, enfrentar o problema exigirá que o indivíduo se responsabilize por suas atitudes, tentando mudar o que é possível e aceitando o que não pode ser modificado naquele momento. Esse, inclusive, foi o caminho mais efetivo trilhado por Regis: após tantas internações sem sucesso, foi em um CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) e a ajuda de um psicólogo que ele conseguiu reconhecer o seu papel nesta jornada e resgatar inclusive o tão necessário amor próprio.
“Oferecer apoio para procurar ajuda é muito importante, nem que seja para marcar uma consulta pelo indivíduo, só para facilitar. Se houver mais do que uma pessoa preocupada, fazer uma intervenção conjunta propicia a procura por ajuda. De qualquer forma, preparar um contexto para que possa haver uma conversa íntima, como convidar para um jantar em um restaurante, valoriza o que vai ser dito”, diz.
Rosângela concorda. “É importante abordar o assunto de forma cuidadosa e compassiva. É recomendado escolher um momento adequado e um ambiente tranquilo para iniciar a conversa, demonstrando preocupação e oferecendo apoio. De suma importância evitar julgamentos e oferecer opções de ajuda, como o acompanhamento de um profissional de saúde especializado e muita paciência”.
A melhor ajuda, como fortalece Cirilo, é aquela que está disponível de imediato, de forma que não haja tempo para que a pessoa possa desistir e mudar de opinião ao aceitar pedir ajuda. Isso inclui, claro, a procura por um profissional especializado em transtorno do uso de substâncias ou ambulatórios especializados.
Mas, existe a tendência dos familiares procurarem clínicas ou comunidades terapêuticas com a falsa ideia de que a internação seja a melhor escolha - e esse não foi o caso de Régis, como te contamos anteriormente. “A internação é uma indicação médica, como qualquer prescrição medicamentosa, não sendo considerado padrão ouro de reabilitação. A voluntariedade ao tratamento é sempre a melhor escolha”, reforça o médico.
Por fim, um passo importante nesse acolhimento é justamente o reconhecimento. “A dependência química não é uma questão de fraqueza moral ou falta de vontade. É uma condição médica que requer compreensão, apoio e tratamento adequado. É importante que os dependentes químicos sejam vistos como indivíduos que precisam de ajuda e não como pessoas moralmente inferiores”, conclui Rosângela.
Esse estigma em torno da dependência química, afinal, em nada contribui e é mais uma violência submetida ao dependente, podendo dificultar o acesso ao tratamento e a recuperação. A empatia, o encorajamento, a escuta ativa e a busca por profissionais capacitados é o caminho que o Plenae acredita!
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